PUBLICADO EM 11/05/14
COMPORTAMENTO
Nudez em festas particulares e ensaios fotográficos
é usada como forma de protesto
BÁRBARA FERREIRA
Na
madrugada de sábado, entorpecidos pela bebida e pelo êxtase de uma noite
festiva, um grupo de jovens aproveita o momento e usa a nudez como forma de
gritar por liberdade. O apelo está presente em todos os cantos da casa que
abriga a festa, em quadros de Che Guevara, bandeiras de movimentos libertários
ou frases nas paredes, com referência à luta de classes e por moradia e por
menos machismo.
É
um ambiente escuro, com vários corredores, onde as pessoas parecem não se
distinguir. A festa acontece em todos os cômodos e não impõe restrições. Os
corpos se embalam em um ritmo latino e parecem em conjunto, sem ligação com a
sexualidade. Mascarados entram na pista, e as roupas caem ao chão embaladas
pela batida da música.
A nudez causa um choque momentâneo. O corpo
explícito deixa ainda mais claro o contexto da noite. São jovens de classe
média, amigos, engajados politicamente e que se reúnem em casas que, de dia, abrigam
movimentos sociais e coletivos. À noite, os locais são usados por alguns dos
ativistas para pedir liberdade de ir e vir, dominar os próprios corpos e
quebrar tabus.
Já embriagados pelo momento, pela bebida e
pela música, ficar pelado parece uma boa idéia. E o que eles dizem sobre isso é
que a cidade é “careta” e que é preciso quebrar paradigmas.
Acostumada a trabalhar com a exposição do corpo, a artista
plástica Bárbara Avelino, 26, já participou dessas intervenções e conta que é
sempre muito provável que as pessoas tirem as roupas em algumas festas em Belo
Horizonte, mas que isso é algo recente. “Sempre acontece espontaneamente, e
para mim é supernatural. É uma forma bonita de nudez, e nunca tive experiência
negativa com a questão do corpo.”
O artista de rua belo-horizontino Ed Marte
conta que a Praia da Estação – manifestação popular que acontece na capital há
alguns anos e que surge como forma de protesto pela ocupação das ruas da cidade
– foi um marco para essa corrente de exposição do corpo.
“Em Belo Horizonte, onde as pessoas são muito
conservadoras, gente seminua e de biquíni convivendo no meio da cidade choca.
Mas é importante quebrar isso e deixar a nudez mais normal”, explica.
Convidado para fazer uma performance em uma
festa da capital, Ed Marte se despe das roupas masculinas e veste maiô. Figura
incomum, ele não demonstra pudor ao retirar as próprias roupas. Sem nada por
cima do corpo, o artista passa maquiagem lentamente, no meio da pista de dança,
integrado à festa.
Análise.
Iniciados na prática alegam libertação e
protesto, e os especialistas concordam. O psicólogo e psicanalista Paulo Roberto
Ceccarelli acredita que a juventude tem no corpo uma forma de chamar a atenção
para as suas causas. “A nossa cultura tem uma grande repressão ao corpo e à
sexualidade. Mesmo tendo uma grande exposição, a questão toda do nu está no
contato com o próprio corpo”, analisa.
É uma nudez política, que está bem-colocada,
mas choca e muitas vezes causa estranhamento, já que de alguma maneira a
fragilidade dos que tiram a roupa é uma forma de demonstrar força, segundo
Bárbara. Ali, ninguém parece se sentir vulnerável, e, em poucos minutos, mesmo
os que permanecem vestidos não destoam mais, descreve. “Aos poucos, as pessoas
estão ficando mais à vontade com o corpo. Isso é o que importa”, finaliza a
artista plástica.
Prática se insere em determinado contexto social
A prática da nudez coletiva que se tem visto na capital é restrita a determinado público, formado por jovens na faixa etária dos 20 aos 30 anos, libertários, muitos deles ligados às artes e aos movimentos sociais. O comportamento se assemelha ao da juventude universitária dos anos 60 e 70, que também usou o nu como sinal de libertação, mas em um contexto menos social, segundo o psicólogo Paulo Roberto Ceccarelli.
“Explicitar a nudez não é algo novo, já aconteceu nos anos 60, mas foi um pouco reprimido nos anos 80 com a descoberta da AIDS. Momentos mais libertários não duram muito tempo e são reprimidos por movimentos conservadores”, avalia o especialista. Ainda segundo ele, hoje a nudez é mais disseminada e já não incomoda tanto.