18 DE JUNHO DE 2014
A SOCIEDADE SOB
CÓDIGOS
EMPRESARIAIS E RELIGIOSOS
A democracia e as
instituições estão ameaçadas pela força dos grandes negócios e das organizações
confessionais com suas ramificações ideológicas, que solapam o Estado laico
e a
cidadania de forma assustadora
LAUREZ CERQUEIRA
Os sintomas são cada vez mais evidentes. A sociedade brasileira está
sendo
regida fundamentalmente por códigos empresariais e religiosos.
Valores que
inspiraram a República e a Democracia estão se afogando
na água turva que brota
de fontes medievais.
A democracia e as instituições estão
ameaçadas pela força dos grandes negócios e das organizações confessionais com
suas ramificações ideológicas, que solapam o Estado laico e a cidadania de
forma assustadora, levando o país a retroceder, a ver aviltados direitos
conquistados na história recente, inscritos na Constituição de 1988.
As igrejas se expandem no vácuo das
deficiências da educação, da escola laica que não consegue se firmar como pilar
da democracia, da cidadania e da República. O grande capital se impõe operando
por meio dos imperativos ideológicos, econômicos e tecnológicos, monopolizando
o tempo, a consciência, esterilizando vidas.
Partidos políticos e instituições
populares, que historicamente promoveram a cidadania e as lutas libertárias
estão, na prática, perdendo espaço para as igrejas. Tornaram-se reféns dos
poderes empresariais e religiosos.
No Congresso Nacional essas forças
atuam à luz do dia. Bloqueiam a aprovação de leis fundamentais para
consolidação de direitos humanos, da laicidade do Estado, e de muitas outras
iniciativas que teriam como finalidade ampliar as conquistas democráticas e a
cidadania.
Igrejas tentaram impedir a aprovação
até do Plano Nacional de Educação (PNE) por não aceitarem que as escolas
abordassem a questão de gênero em sala de aula e, entre outras ações, apoiaram
aberrações como a aprovação do projeto da "cura gay" na Comissão de
Direitos Humanos, na época presidida pelo pastor e deputado Marcos Feliciano.
Bloqueiam a aprovação de todos os
projetos de reforma política que põem fim ao financiamento empresarial de campanhas
eleitorais porque o poder econômico e confessional não abrem mão do controle
político do Congresso e dos governos. Aqui, vale ressalva à CNBB, que integra o
conjunto de entidades que apóiam o projeto de lei da OAB, de reforma política.
As forças políticas empresariais e
religiosas têm projeto de poder e estratégia. Pelo andar da carruagem, o risco
maior é, em breve, efetivarem uma aliança suficiente para promover ampla
reforma na Constituição, suprimir direitos e garantias consagradas ou até mesmo
convocar uma Assembleia Constituinte e fazer outra Constituição de caráter
teocrático e plutocrático. A continuar os ataques aos setores democráticos, a
tendência é de um perigoso retrocesso institucional.
O poder das organizações
empresariais e religiosas não são nenhuma novidade nas relações econômicas,
sociais, culturais e políticas numa sociedade capitalista selvagem e de herança
colonial como a nossa. Mas avança como nunca, turbinado com os oligopólios de
mídia.
Na história recente, os anos 1990
foram o período de maior investida do grande capital na apropriação
indiscriminada, quando aqui a campanha contra o Estado se estabeleceu já no
governo de Fernando Collor e ganhou força no governo Fernando Henrique Cardoso.
O Estado passou a ser o diabo e o
mercado, Deus, senhor das soluções de todos os problemas do país.
Evidente que o Estado não é panaceia
para solução dos nossos problemas. Se fosse não teríamos chegado ao Século XXI
com cerca de 50 milhões de pessoas ainda vivendo na pobreza e a riqueza
concentrada nas mãos de uma minoria opulenta que vive no topo da pirâmide
social.
Até porque não há capitalismo sem
Estado. Mas as investidas contra a "Constituição cidadã", como a
denominou o ex-presidente da Constituinte, deputado Ulysses Guimarães, para
suprimir dela garantias econômicas e sociais, tornou-se uma obsessão do poder
econômico e das igrejas desde o início dos anos 1990, com Fernando Collor.
Ganhou uma dimensão inimaginável nos
últimos tempos com a expansão de meios de comunicação, novas tecnologias,
conglomerados empresariais de mídias, e a adesão voluntária de setores das
classes média e média-alta a ideais neoliberais e religiosos.
Empresas que monopolizam as
concessões do Estado, de meios de comunicação, como, por exemplo, as
organizações Globo, cujos proprietários se tornaram os mais ricos do país,
segundo a revista Forbes, assumiram publicamente em recentes editoriais em tv e
jornais, que apoiaram o golpe civil-militar em 1964, mas não disseram que
apoiaram a ditadura durante 21 anos.
Cinicamente pediram desculpa ao país
e agora apostam todas as fichas na definição do pleito eleitoral deste ano
apoiando desavergonhadamente, juntamente com os donos do grupo Abril, do grupo
Folha, do grupo Estado, e outros, o candidato escolhido por setores do capital
financeiro nacional e internacional para que possam retomar o projeto
interrompido em 2002 com a eleição de Lula.
Guardadas as devidas exceções, a
grande mídia tornou-se uma espécie de "Feitor", de chicote em punho,
dos grande negócios, pregadora ideológica do projeto do grande capital e das
religiões.
Submete instituições ao açoitá-las
com suas manchetes. Constrói versões de fatos com o jornalismo manipulativo e
se estabelece como instrumento político dos grandes negócios na coação do poder
republicano e democrático.
Como fez com o Ministério Público e
o STF no episódio do julgamento dos réus da AP-470 ao transformá-lo num
espetáculo midiático.
A maioria do STF, sob a presidência
do ministro Joaquim Barbosa, se curvou ao "Feitor". Se curvou à
versão dos fatos. Imagina se o STF tivesse absolvido os réus por falta de
provas. Estaria hoje na vala de esgoto da história.
A manipulação da informação corre
solta, opera no subliminar, instala nos confins dos corações e das mentes dos
desavisados o ódio, preconceitos generalizados, a negação da política, como se
a política fosse para a sociedade o mal dos novos tempos.
A cidadania está sendo
sorrateiramente esterilizada, o debate interrompido e a participação da
sociedade nas decisões, na escolha do futuro, desmobilizada.
As manifestações de junho parecem
ter sido muito mais um fenômeno das redes sociais, principalmente do Facebook.
Tanto que os manifestantes, passado
o furor, não se organizaram, não se associaram para outras jornadas. Nada de
novo aconteceu. O que se viu foi uma desconfiança generalizada de que os
usuários foram vítimas de algo estranho. Esse sentimento foi manifestado em
grande escala, logo depois, nas redes sociais.
O que querem com a tentativa de
destruição da política? Que todos baixem as cabeças, trabalhem, consumam, e
deixem o futuro nas mãos do mercado, o "senhor dos destinos"? Como
despertar a nova geração para a política se a política, como querem impingir os
manipuladores, representa "o mal para a sociedade?".
A política é a mais perfeita
invenção do ser humano para resolver os problemas da sociedade e do Estado,
para fazer avançar no processo de civilização. Matar a política é matar a
democracia, a cidadania e o desenvolvimento.
As grandes redes de tv/rádio, os
portais de internet, ganharam níveis de alcance e sofisticação inimagináveis
com a expansão e os novos recursos tecnológicos.
Os donos das grandes empresas de
comunicação, na política, têm lado, usam e abusam das concessões a favor de
suas ideologias, de seus negócios e de seus correligionários, sempre foi assim.
Chega de hipocrisia. Isso é uma realidade.
As concessões de canais de serviços
de rádio e tv passam de pais para filhos como capitanias hereditárias. As
empresas se agigantaram e se tornaram as mais poderosas armas para a manutenção
do poder econômico e político no país.
Nenhum governo, em 26 anos da nova
Constituição, ousou regulamentar os artigos 221 e 222 da Carta Magna, que
definem a prestação de serviços de comunicação.
O monopólio dos meios de comunicação
continua intacto. Esses veículos são, na sua grande maioria, das mesmas
famílias que manipularam o povo e levaram Getúlio Vargas ao suicídio e
multidões às ruas para derrubar o ex-presidente João Goulart, em 1964.
São os mesmos grupos que hoje atuam,
na política, em parceria com a oposição ao governo, e formam a opinião de
gerações.
O atraso organizado retoma posições
semelhantes às de antes do golpe militar de 1964. Quem tiver curiosidade
histórica pode ir aos arquivos dos jornais daquela época para ver a semelhança
da forma pela qual a imprensa de hoje, que serve à oposição, trata o governo
atual, com a imprensa que derrubou o ex-Presidente João Goulart.
Em outras palavras, "a UDN saiu
do armário", mostra a cara com ranço conservador e ideológico
inimaginável, numa clara reação pela manutenção do status quo a qualquer custo.
A reação dos setores conservadores é
visível no ódio de classe que permeia as relações sociais, trazendo à tona
conflitos ancestrais da colonização, cristalizados na disputa política e no
medo da perda de poder no atual ciclo de democracia. Na democracia eles perdem
sempre.
É perceptível, na histeria cotidiana,
a gana pela ressubordinação dos trabalhadores, que estão se libertando do
domínio da aristocracia senhorial. Querem recolocá-los nos lugares de antes,
colocá-los para fora dos shoppings, como fizeram no episódio dos
"rolezinhos" em São Paulo, com decisão judicial; para fora dos
aeroportos, como desejou a "glamourosa" professora de letras da
PUC-Rio ao ver um senhor saboreando um sanduíche na sala de embarque; para fora
do salão de beleza, como tentou uma moradora de um condomínio de luxo em Brasília,
ao ver a empregada doméstica de uma amiga cuidando das unhas e dos cabelos no
mesmo salão frequentado por ela.
A reconfiguração de classe está
levando a arquitetura a mudar a ordem residencial colonial. O modelo sala,
cozinha e dependência de empregados (senzala) não cabe mais na realidade
brasileira.
Estão tendo que retirar a senzala de
dentro de casa, cubículo onde famílias senhoriais enfiam os empregados
domésticos. Os empregados domésticos conquistaram igualdade de direitos com a
"lei das domésticas". Ou seja, tudo junto e misturado está causando
um grande incômodo à elite.
Essa obsessão da oposição, e da
mídia que serve a ela, pela destruição do Partido dos Trabalhadores, por
exemplo, não é de agora. O PT sempre foi tratado como um intruso na política
brasileira desde quando nasceu, no final dos anos 1970.
A elite não o perdoa, por ter sido
capaz de organizar a base da pirâmide social e dar voz e ação aos
trabalhadores.
Garantiu um governo que aprofundou a
cidadania, cria condições para libertação da população oprimida do domínio de
aristocratas, exploradores e opressores de todo tipo; retira da pobreza extrema
dezenas de milhões de pessoas, reduz a desigualdade em tempo recorde, como
reconheceu a ONU, e promove a inclusão social com acesso aos serviços públicos.
Sem desconsiderar os demais partidos de esquerda, PT é o que restou de maior
força organizada da luta democrática do pais.
Tristes trópicos, que tem uma elite
branca que sequer admite a construção da cidadania. Ela continua desenraizada,
com os olhos para além do Atlântico e para o hemisfério norte. De mentalidade
ainda colonial, se interessa apenas pelos grandes negócios na colônia.
A "velha UDN" está por aí,
travestida, clandestina. Dispõe ainda de uma cultura política e ideológica
poderosíssima. Hoje, nos salões, nos cafés, nas redações, ricaços,
celebridades, artistas, jornalistas, âncoras de TV e de rádio, comentaristas,
pessoas expressivas dessa tendência, diria, exemplares da nova versão da UDN,
pessoas muito bem pagas, fazem a pregação conservadora.
Têm microfones e câmeras à
disposição para destilar preconceitos generalizados e ódio contra os agora
empodeirados pela participação popular na política, nos movimentos das últimas
décadas, e incluídos socialmente.
Comentaristas de economia malham o
governo dia e noite, nas grandes redes de TV, radio e jornais, com um discurso
surrado, atrasado, da década de 1990, fora do contexto, na defesa cega de
ideias derrotadas, superadas na crise internacional.
Organizações empresariais
multinacionais, principalmente do sistema financeiro, não admitem que nenhum
pais de porte econômico como o Brasil esteja fora da malha e da estratégia de
negócios delas.
Por ter conseguido, em parte, certa
autonomia, com um projeto de desenvolvimento sustentável, tendo o Estado como
indutor, o Brasil sofre uma ofensiva virulenta dessas organizações, que tentam
reconduzi-lo aos desígnios do sistema financeiro internacional com a ajuda de
gente daqui, operadores do mercado financeiro, donos de grandes corretoras de
fundos de grandes negócios dos maiores conglomerados internacionais.
Para eles, o Estado é o inimigo
número um. Têm um candidato à Presidência da República e prestam assessoria a
ele. Vêem as imensas jazidas de petróleo, recém-descobertas na camada do
pré-sal, como as maiores oportunidades de negócios do país e do mundo fora da
malha do sistema financeiro internacional e a Petrobras como entrave por
controlar a produção.
O senador Aécio Neves bradou no dia
do lançamento da sua candidatura à presidência da República que quer varrer o
PT do poder com um tsunami. Diz ele que quer tirar o PT porque o PT ocupa
órgãos do Estado. Disse isso deixando claro sua visão patrimonialista que
considera o Estado uma propriedade da Elite.
Ou seja, a "Casa Grande"
mandou um recado à "Senzala".
Resta aos setores democráticos da
sociedade brasileira defender intransigentemente a Constituição, a República, a
Federação, articular um movimento capaz de deter o avanço das forças dos
grandes negócios, das religiões e dos "feitores" da grande mídia,
para que possamos avançar na consolidação da democracia, na superação da
desigualdade e na inclusão social.
GLOBO PRESSIONA BARROSO
E
JOGA CONTRA DEMOCRACIA
247 - O jornal O Globo, da
família Marinho, nunca teve uma relação pacífica com a democracia. Em 1964,
como todos sabem, foi o primeiro a festejar a derrubada de um presidente eleito
e a apoiar a ditadura militar. Recentemente, publicou editorial purgando
seus
pecados, mas continua atuando contra os direitos civis e as garantias
individuais
típicas de um regime democrático.
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