1 DE JULHO DE 2014
CAFÉ COM LEITE
DERRAMADO
Essa anacrônica
mistura já azedou, há muito,
e derramou
manchando a alva toalha de mesa da Casa-Grande
LULA MIRANDA
A chamada
"política do café com leite", aprendemos nas aulas de história em
tempos idos, foi, grosso modo, um acordo do tipo "permuta", feito na
República Velha, para que o poder se alternasse nas mãos de dois dos estados
mais ricos e populosos da federação à época: São Paulo (o café) e Minas Gerais
(o leite). Num dado momento, o presidente da República seria um paulista; no
outro, um mineiro. Ou, se não, em último caso, com a "benção" destes.
Conhecemos as consequências dessa política, pois sabemos das gritantes
desigualdades regionais que se perpetuam até os dias que correm pelo país, e
sabemos reconhecer, à distância dos tempos, a hegemonia, patrimonialismo e
compadrio de uma oligarquia que, até hoje, refestela-se com as sobras e restos
do poder e da riqueza acumulada desde aquela época.
Não à toa, note, Minas e São Paulo são estados conservadores – e
ricos.
Não à toa, esses dois estados são, há muito, governados pelos
PSDB. Donde se poderia deduzir, erroneamente, que nesses dois grandes colégios
eleitorais, ainda se vive no tempo da República Velha. É o que parece
desejar/pretender alguns. Mas ao que tudo indica já se percebe uma trinca nessa
vistosa xícara cheia de café com leite – e indisfarçável bolor. Essa anacrônica
mistura já azedou, há muito, e derramou manchando a alva toalha de mesa da
Casa-Grande. Vamos às manchas.
Experimenta-se hoje no estado de São Paulo, após o decorrer de
praticamente 20 anos de gestão tucana, um escandaloso descalabro administrativo
– muito provavelmente, efeito retardado (e deletério) do tão propagandeado
"choque de gestão".
Como sabe até o mais incauto, alienado e distraído cidadão
paulista, a saúde da população está em desumana situação de miséria; a educação
pública é uma vergonha, um horror! No que diz respeito à segurança pública, o
cidadão vive hoje uma nunca antes experimentada e tamanha sensação de abandono
e insegurança; uma situação de verdadeiro descalabro, brutal, disseminada e
avassaladora violência.
Chegou-se ao paroxismo de, por inépcia dos governantes, faltar água
no estado de SP neste ano!
Tudo isso, de modo óbvio e providencial, acobertado por uma
cúmplice e silente mídia "amiga". Realidade semelhante repete-se em
Minas Gerais.
A situação em São Paulo é tão gritante e escancaradamente
crítica que até mesmo parte dos empedernidos conservadores, hegemônicos por
essas plagas, não aguentam mais a situação e já reivindicam/desejam uma
mudança. Mas, por óbvio, contanto que seja uma mudança confortavelmente
acomodada no campo da centro-direita – haja vista o novo consórcio conservador
que já se insinua no pardacento horizonte dos paulistas, formado pela união
entre Skaf, Kassab, Batochio et caterva.
Ou seja: a situação está tão ruim no estado de São Paulo, mais
tão ruim, que os próprios conservadores estão buscando uma solução alternativa
ao PSDB – mas também, claro, ao PT.
E o ex-presidente da Fiesp, que foi, vale lembrar, um dos
líderes do movimento que culminou com o fim da CPMF, parece ser o
"café" [Puro? Expresso? Uma coisa é certa: sem leite] providencial
para reaquecer a indústria e a alma de uma São Paulo antes pujante e
desenvolvimentista, hoje em franca ruína e decadência.
Mas este "detalhe", digamos assim [o de ter ajudado a
acabar com um imposto que arrecadava, de modo compulsório, intempestivo,
bilhões de reais para a saúde e, de quebra, ainda ajudava a fiscalizar a
circulação do dinheiro no país, impedindo, em grande parte, a
"lavagem" ou os crimes financeiros], para o pensamento conservador,
está longe de ser um demérito – ao contrário, soa como maviosa melodia e/ou
providência.
Falar mal de impostos soa como música, sobretudo aos ouvidos
daqueles mesmos que reclamam da falta de saúde, educação, segurança e
investimentos públicos. Soa como agradável mantra àqueles que querem um Estado
anão, de joelhos, diante de uma gigante burguesia transnacional. Sim, pois os
empresários paulistas, os "nacionais", quase que na sua totalidade já
faliram ou transferiram seus negócios para outras plagas – onde nem o mais
intrépido bandeirante ousou alcançar.
Cada um, como até os surdos sabem, escolhe a música que melhor
agrada aos seus ouvidos.
Eu, por outro lado, aprecio muito o canto dos pássaros.
Mas, já se sabe, em céus infestados por gaviões, águias, abutres
e inúmeros helicópteros, passarinho pia baixinho, quase inaudível.