17 DE JULHO DE 2014
FICHA LIMPA
ESTORVO AO SISTEMA CORRUPTO
OU REALIDADE?
Não é necessário
ser, como se chama na vida forense, um juiz mão-pesada
para viver condenando.
Mas o espírito da
lei da Ficha Limpa é, sim, fazer uma limpa no país
Uma das críticas no
país Brasil é a de que tudo que é sério e ruim não dá em nada. Há um exagero
aí. Não chega a ser 'tudo'. Mas a cultura popular não é boba. Durante décadas
assiste enriquecimentos de 'autoridades', nadando no dinheiro público, para lá
de criminosos.
Na literatura da corrupção há passagens notáveis. Na obra
Histórias do Brasil profundo, do saudoso jornalista Marcio Moreira Alves,
página 12, o retrato: 'Só rouba o Estado quem tem poder, sobretudo o poder de
fiscalização. E ninguém rouba sozinho. São sempre escândalos em cadeia, que não
produzem qualquer punição para os seus autores. Se os de cima roubam, os de
baixo se sentem também autorizados a roubar.'
Um país com sistema jurídico assim permite corrupção praticamente
infinita. A Lei da Ficha Limpa, lei complementar 135 de 4.6.2010 veio
prometendo melhorar este cenário. Mas ela terá em seu primeiro grande teste, em
2014, um grande confronto: o sistema.
Como o sistema judicial 'interpretará' a lei é o grande ponto.
Partindo-se da premissa correta de que toda e qualquer lei precisa ser
interpretada, pode estar aí o problema brasileiro. Se os juízes eleitorais ou
encarregados fizerem uma interpretação 'bondosa', entra todo mundo. Entra uma
escória que certamente jamais deveria entrar. Ou retornar à política.
Assim, quem pode estar em xeque talvez não sejam os políticos
safados, ou os safados pré-políticos, categoria que parece não conhecer exceção
no território brasileiro. Será o Poder Judiciário que aos 46 minutos do segundo
tempo para usar uma linguagem de Copa, poderá salva ou não o candidato, seja
ele quem for. Com uma 'liminar'.
A liminar é uma forma de decisão judicial. Se for caso de
concessão, é para ser dada, corretamente, às pressas. Em todos os casos pode
ser revista, ante a urgência natural do pedido e da situação material. Mas como
obrigatoriamente pode ser revista, alguns juízes privilegiam apenas esta
situação para conceder, e depois verificar se a mantêm ou não.
A experiência forense mostra que, às vezes, liminares duram
muitos anos, mesmo quando todo o cenário já mudou e cessou o que ameaçava o
direito. No caso de uma interpretação 'bondosa' na lei da Ficha Limpa, há o
risco, não apenas teórico, de o candidato ser diplomado e a liminar só ser
revista depois de escoado todo o mandato político. Isso se a própria diplomação
não blindar o ficha suja.
A procuradoria eleitoral em 13 estados contestou, com base na
Ficha Limpa, 198 candidaturas. Alcançou figuras como o olímpico e velho de
guerra César Maia, um tipo de Maluf carioca, nos bolsões de fiéis. Mas em todos
os lugares, e currais eleitorais, sobrevivem os 'coronéis' da política. É a
gente que se eterniza no poder, como tantos por aí. Muitos fazem fortunas de
bilhões de reais e, como no Brasil não se investiga – jamais!- 'evolução
patrimonial', é uma festança com dinheiro público.
Outro problema da Ficha Limpa foi a necessidade que se viu de se
interpretar a Constituição da República no 'Princípio de presunção de
inocência' até a última gota. Assim, se o sujeito já tiver 4 ou 5 sentenças
iguais, condenatórias no curso do mesmo processo, tendo até sido pegado em
flagrante com dinheiro na cueca, por exemplo, mas conseguir manter vivo o
processo por conta de um recurso-terminal, não terá havido o 'trânsito em julgado'.
Ou seja, a figura ainda será 'inocente'.
Nada contra o princípio da presunção de inocência. Mas como o
próprio nome diz, é uma presunção. Para determinados cargos que deveriam ser
sérios, esta presunção poderia ser relativizada, perdoe-se o pleonasmo. O que
ocorre é que o sujeito fica 20 anos com um processo aberto. Enquanto isso a
Ficha Limpa não o pega e ele se torna bilionário. Simples assim.
Podem fazer suas apostas. Políticos que foram impugnados pela
procuradoria eleitoral nos 13 estados têm somente o Poder Judiciário para se
safar. Conseguirão?
Há muitos juízes sérios e compenetrados de sua missão. Não é
necessário ser, como se chama na vida forense, um juiz mão-pesada para viver
condenando. Mas o espírito da lei da Ficha Limpa é, sim, fazer uma limpa no
país. Afastar essa gente salobra, moralmente fedorenta da vida pública.
Quem está em xeque é o Poder Judiciário e a sociedade espera que
ele dê essa contribuição social: fazer uma interpretação rigorosa da Lei da
Ficha Limpa invocando seus princípios expressos e implícitos. Principalmente os
que visam a dar um basta na sujeira política do país.
Os procuradores eleitorais tiveram somente 5 dias para impugnar
os candidatos. É um prazo que, de tão curto, se torna até suspeito. Com
milhares de pessoas querendo entrar na grande festa do dinheiro público, o
prazo para impugnação talvez devesse ser maior. Muito maior, por exemplo, 30
dias.
A política brasileira vive, há décadas, um descrédito
incorrigível. A Lei da Ficha Limpa já foi um alento. Agora virá sua 'aplicação'
pelo Judiciário. É torcer para que o país melhore. A sociedade, se é que algum
dia já foi, deixou de ser bobinha. Aprendeu a exigir.