postado em: 19/09/2014
Política
Como a participação
pode melhorar nossa
Democracia
Tarso Genro (*)
(*) Esse
artigo de Tarso Genro inaugura o novo seminário virtual promovido pela Carta
Maior, "Participação Social e Democracia", que debate um dos temas
centrais para o aprofundamento da democracia brasileira: a necessidade de
qualificar o sistema de representação política com práticas de democracia
participativa.
A democracia
participativa é uma metodologia de governança política e, ao mesmo tempo,
significa uma possibilidade de rejuvenescimento da democracia representativa,
inclusive para valorizá-la junto a vastos setores da população, principalmente
perante aqueles que não têm uma influência cotidiana sobre o poder político e
suas decisões.
Os marcos normativos da participação da cidadania na
gestão e na produção de políticas públicas estão inscritos, tanto na
Constituição Federal (Art. 1º §único ), como na Lei de Responsabilidade
Fiscal (Art. 48 § único). Os conservadores mais renitentes, quando
combatem as ideias e práticas de participação direta, não se dão nem o trabalho
de ler a Constituição do país e a própria Lei de Responsabilidade Fiscal!
No Estado do Rio
Grande do Sul temos, sem traumas e sistematizado num Decreto (Dec. Nº 49.765,
30/10/2012), um Sistema de Participação Popular Cidadã, que envolve um Gabinete
Digital, um Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, Conselhos Regionais
de Desenvolvimento, Consultas por votação de prioridades e Plenárias do
Orçamento Participativo.
Estas instâncias produzem políticas públicas e decisões
orçamentárias, que são acordadas ou servem de orientação ao Governo, para que
ele tome suas decisões.
Com a tutela que as agências de risco e o capital
especulativo, em geral exercem sobre os Estados endividados, os mandatários da
representação política (originários que são exclusivamente de votações periódicas)
vem perdendo a legitimidade por não responder a demandas sociais, cada vez mais
complexas e fragmentadas. E também vem perdendo a capacidade de explicar os
limites do seu poder e as debilidades de uma máquina pública burocratizada e
não raro subordinada à força das corporações.
Enquanto o poder
econômico exerce diretamente a sua influência em decisões do Estado, não só
através do financiamento das campanhas eleitorais, mas também através da
pressão direta de “lobies” sobre os Parlamentos e sobre os Executivos (criando
uma sistema de poder “por fora” da representação), os “de baixo” têm
poucas oportunidades de exercer sua influência direta sobre as decisões
públicas. Nem têm condições de conhecer plenamente os mecanismos de
funcionamento do Estado e a escassez dos seus recursos, abalados pelo
endividamento público.
A democracia direta
exclusiva é impraticável e tende ao ritualismo autoritário. A democracia
representativa “pura” está cada vez mais carente de legitimação, pois não é
aceitável que aqueles que querem participar das agendas públicas de qualquer
ente federativo só possam fazê-lo através da delegação periódica pelo voto. A
distância entre representados e representantes também é cada vez mais evidente,
pelo crescimento da população e pelos mecanismos autoritários de controle de
formação da opinião exercido pela grande mídia.
Os canais de
democracia direta, tanto virtuais, como conselhistas ou por assembléias
públicas, com regras universais de funcionamento, devem ser estimulados por
todos os que querem fortalecer a democracia política. A pressão exclusiva do
poder econômico e o jogo dos partidos - que são fundamentais na
democracia, mas não esgotam a expressão da vontade pública - está
comprometendo cada vez mais o Estado de Direito e o regime democrático e está
estimulando, em boa parte da sociedade, o desejo de que tudo seja resolvido de
forma “rápida” e autoritária.
O pacto democrático
moderno baseado na representação, que transitou do Estado de Direito para o
Estado Social de Direito, foi historicamente influenciado pelos sucessivos
movimentos, desde o cartismo inglês. Ele passou pelas lutas mais atuais dos
democratas republicanos, sociais-democratas e comunistas do século passado e
agora ele se expande com a presença dos novos movimentos sociais.
Mas o “cansaço histórico” da democracia, hoje, está
flagrante, pois o pacto democrático moderno baseado exclusivamente na
representação não consegue mais estimular mudanças nem dar efetividade aos
Direitos Fundamentais.
O Estado de Direito
“cansado” e a democracia política sem povo é o ideal do golpismo conservador,
que pretende monopolizar o direito à liberdade como pura liberdade de dominar
as instituições e aparelhar o Estado através da força do dinheiro e da
manipulação da informação.
Este “cansaço” pode
ser superado. Desde que se abram canais de influência direta para o povo opinar
e decidir, não só sobre os rumos do Estado e das suas políticas, mas também
para quebrar as barreiras burocráticas que separam o Estado do cidadão comum.
Ao trazer a parte mais ativa e consciente do povo para
testemunhar e influir nas decisões públicas, os governos se relegitimam e levam
à cidadania, de forma mais intensa, os valores da democracia e da República. À
democracia em crise se responde com mais democracia e não com menos
participação.
A interposição de
mecanismos de democracia direta num regime de representação aberto, como é o
nosso da Constituição de 88, ao invés de desestabilizar o pacto democrático,
como pensam os conservadores mais arcaicos, reforça o regime de representação e
pode lhe dar mais autenticidade. E, assim, fortalece aqueles mandatários que
querem ouvir a cidadania para tomar decisões sobre as políticas, nas quais o
próprio povo é o principal destinatário.
Há um déficit
democrático visível em todas as sociedades hoje, sejam elas mais desenvolvidas
ou menos desenvolvidas. No caso do Brasil, esse descontentamento ficou muito
claro nos protestos de junho de 2013. Esse déficit democrático se caracteriza,
em primeiro lugar, por uma separação mais profunda e mais radical entre
representante e representado. Em segundo, o erguimento de barreiras cada vez
mais burocráticas entre o Estado e o cidadão comum. E, em terceiro lugar, pela
produção de políticas públicas orientadas pela força normativa do capital
financeiro.
Então é necessário
que nós tenhamos a capacidade de promover uma invasão da democracia formal,
para criar novas instituições, capazes de dar efetividade aos direitos
sociais e econômicos conquistados em 88. Dar cores e vida à revolução
democrática em curso, que pode ficar paralisada pelo sequestro do Estado e da
Democracia pela especulação financeira e pela dominação ideológica promovida
pela grande mídia.
(*) Governador do Estado do Rio Grande do Sul