segunda-feira, 15 de setembro de 2014

QUANDO A IGNORÂNCIA PREVALECE ACIMA DO CONHECIMENTO DA LÓGICA E DA CIÊNCIA...



postado em: 14/09/2014
Política

Eric Nepomuceno:

Uma oração contra Dilma Rousseff

Eric Nepomuceno


A oposição a Dilma Rousseff – e à sua possível reeleição – costuma erguer as mãos para o céu e implorar com furiosa ansiedade: ‘O escândalo nosso de cada semana/ dái-nos hoje’. O neoliberal travestido de social-democrata Aécio Neves e seus aliados fazem isso, da mesma forma que a dublê de evangélica radical e ambientalista fundamentalista travestida de novidade, Marina Silva, e seus aliados de ocasião. E, acima de tudo, fazem isso os que integram o principal núcleo de oposição, os grandes conglomerados de comunicação e seus infindáveis colunistas, sempre aptos a prever catástrofes e ignorar os fatos.

Pois nesses dias a resposta a essa oração permanente veio com força descomunal: Paulo Roberto Costa, que durante oito anos foi um dos diretores da Petrobras – um posto ambicionado, com mais força que a maioria dos ministérios –, resolveu falar. Com a celeridade que jamais tiveram para denunciar escândalos que envolvem tucanos e outras aves de mau agouro, jornais e revistas trataram e tratam de vincular Dilma a esse novo e suculento escândalo. Pois bem: se houve, e tudo indica que sim, roubalheira desembestada, que se denuncie, se apure e se julgue. Mas todos. Todos. E se ninguém, em sã consciência, pode – por dever moral básico – tentar vincular Fernando Henrique Cardoso, cuja honestidade pessoal jamais foi posta em dúvida, aos escândalos da mesma Petrobras em seus tempos de presidente, que deixem Dilma Rousseff de lado.

Há aspectos criticáveis, em sua gestão, em quantidade suficiente. Não é preciso inventar outros.

A questão, na verdade, é outra: é como derrotá-la. Até o acidente que ceifou a vida de Eduardo Campos, o quadro parecia bastante claro. O próprio Campos não tinha viabilidade alguma, e só fazia preparar caminho para uma nova candidatura em 2018. Quanto a Aécio Neves, seu único destino concreto era o de aglutinar, ao redor de sua figura plastificada, o voto conservador por tradição. E então aconteceu a fatalidade, e surgiu, impoluta, a figura messiânica de Marina Silva, pronta a pronunciar a palavra redentora, que nos redimirá de todos os males para sempre, amém. 

Triste falácia. O tal elemento novo tem a consistência de uma gema de ovo frito. É um caso evidente e palpável de onda com muita espuma e pouquíssima água. Esse amontoado industrial de incoerências e contradições extremas cai, como luva em mão de donzela, na gaveta das conveniências ansiadamente cultuadas pela oposição a tudo que foi feito no Brasil ao longo dos últimos doze anos. Ela irá nos redimir. De quê? Não importa. O importante é tirar Dilma do poder. O resto será o resto.

Claro que todos os nomes denunciados por Paulo Roberto Costa são ou foram aliados do governo de Lula e de Dilma. Todos são conhecidos por sua má ou péssima reputação. Mas convém recordar, de maneira clara, que no atual sistema político brasileiro, nem Dilma nem nenhum outro presidente conseguiria governar sem chegar a acordos com o setor mais putrefato do Congresso. Essa é a realidade que precisa ser mudada, e ninguém parece recordar.

Marina Silva, que jamais consegui entender se é candidata a presidente ou a santa, promete manter os programas sociais instaurados por Lula e reforçados por Dilma. E, ao mesmo tempo, anuncia que aplicará uma política econômica essencialmente neoliberal. Nem na mais alucinada viagem lisérgica, e nem que a economia brasileira crescesse em velocidades chinesas, isso seria possível. Mas alguém se importa com, por exemplo, esses detalhes aparecidos na alucinada cachoeira de contradições ambulantes que perambula por aí distribuindo platitudes?

Com muita razão, Lula da Silva, com sua intocada intuição, comentou com interlocutores próximos, há alguns dias, que o segundo turno já começou, e será longuíssimo.

O playboy mineiro, com roupas da zona sul do Rio de Janeiro e sotaque caprichado, que começa a ser oportunista a partir do próprio sobrenome verdadeiro – que é Cunha, e não Neves –, está relegado ao escanteio do desconforto, de onde não sairá tão cedo.

Restam, então, dois nomes, na que já se consolida como a mais disputada eleição presidencial desde a redemocratização. E tanto a direita deslavada quanto a direita envergonhada têm, finalmente, uma candidatura forte: Marina Silva, com seus ares messiânicos, seus discursos incompreensíveis e suas exigências esdrúxulas, que vão do sal vermelho da Malásia à água mineral importada (sim, sim, debaixo daquela simplicidade toda existe um autoritarismo radical, e existem exigências que seriam perfeitamente aceitáveis em qualquer cidadão, desde que, claro, possam pagar por elas, menos naqueles que se querem santos espartanos e intocáveis).

A questão, na verdade, é bem mais simples: consiste em decidir a favor dos que se satisfazem com qualquer sal, desde que tenham emprego, casa e comida, ou dos que exigem, devidamente abrigados pelos trapos da pobreza espartana, o tal sal vermelho da Malásia.

Falta muito a ser feito neste país. Basta recordar o que era reclamado no início das multitudinárias manifestações populares de pouco mais de um ano atrás. Falta saúde, falta educação, falta transporte. Falta que o Estado deixe de ser tão paquidérmico e caminhe. Da porta da casa para dentro, a vida de dezenas de milhões de brasileiros melhorou, e muito. Da porta da casa para fora, não melhorou nada. O que foi feito até agora tornou-se pouco. E é isso que precisa ser conquistado. Com coerência e rigor, não propriamente com orações falazes.