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dezembro 15, 2014
Paranoia anti-golpista
coloca setores progressistas
na defensiva
Por Igor Felippe
A aprovação da prestação de
contas de campanha de Dilma Rousseff e do Comitê Financeiro Nacional do PT nas
eleições 2014 pelo plenário do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), por
unanimidade, jogou um balde de água fria nos analistas que “anteviram” uma operação
para dar um golpe institucional no país.
A cristalização da leitura de que a direita se movimenta para dar
um golpe e derrubar a presidenta Dilma é um espantalho que tira o foco das
forças democráticas, progressistas e populares. É evidente que setores
minoritários defendem o “Fora Dilma”, tanto por meio do impedimento pela
responsabilização nos casos de corrupção na Petrobras como pela deslegitimação
das contas da campanha da petista. Uma ala menor ainda advoga por um golpe
militar.
No entanto, as grandes placas tectônicas da política brasileira
não se movem para catapultar Dilma do Palácio do Planalto. Um golpe é uma
operação bastante complexa e perigosa, que vai para além da batalha das ideias,
com manchetes de jornais, discursos na tribuna do Congresso, declarações de
ministros da Suprema Corte ou protestos isolados na Avenida Paulista.
A luta política tem diversas esferas, passando pela econômica,
social, institucional e ideológica. Para acompanhar os movimentos dessa
disputa, que se manifesta de forma permanente nas questões cotidianas, é
fundamental observar cada uma dessas esferas. As avaliações que apontam
para um golpe contra a presidenta Dilma Rousseff na esquina da República
superestimam a dimensão ideológica da disputa, deixando em segundo plano as
outras esferas.
Um golpe ou um processo de impeachment, mesmo com alguma
legitimidade institucional, tem consequências imprevisíveis e inaugura um
período de insegurança jurídica, que assusta até mesmo a burguesia. Por isso, a
tática da classe dominante não passa por um golpe ou pelo impedimento, mas por
um sangramento profundo da presidenta Dilma e do PT durante esses quatro anos.
Dilma não é Fernando Collor de Mello. Se o sinal amarelo do
golpismo ascender pra valer, a presidenta tem um partido organizado
nacionalmente, movimentos populares, sindicatos, entidades estudantis, grupos
de intelectuais reconhecidos, blogueiros comprometidos com a democracia,
relações internacionais, articulações com os Brics (Brasil, Rússia, Índia,
China e África do Sul) e Unasul (União de Nações Sul-Americanas) para defender
a legalidade. Até mesmo setores que se identificam com a oposição não
necessariamente aceitariam uma ruptura constitucional.
A classe dominante brasileira não tem nenhum compromisso com a
democracia, mas sabe que uma aventura de caráter golpista teria como
consequência uma radicalização política em torno de uma polarização entre os
setores democráticos e os segmentos golpistas, que teria um desfecho
imprevisível. Essa tática tumultuaria ainda mais o quadro econômico, que é o
maior pesadelo para os diversos segmentos da burguesia.
O que está em processo não é derrubar o PT com uma paulada, mas
aprofundar um processo de rendição do governo, sangramento político e
desconstrução moral do partido, dentro de um quadro de crise econômica que
intensifica as contradições. Por isso, o espantalho do golpismo cria um
alarmismo que roda em falso, porque não toca as contradições
centrais.
No curto prazo, a burguesia quer um governo fragilizado, que
possa ceder todos os anéis sob a ameaça de perder os dedos. Assim, os
agentes do mercado têm melhores condições para chantagear o governo, dirigir a
política econômica e operar medidas para fortalecer seus interesses. Já os
partidos e parlamentares fisiologistas aproveitam o quadro para ganhar nacos do
Estado, cargos nos ministérios e estatais, além da liberação de emendas.
Para o longo prazo, os inimigos do projeto neodesenvolvimentista
em curso – como as frações da burguesia associadas ao capital internacional, os
partidos de oposição de direita e a velha mídia – fazem uma operação desgaste
político para arrancar do peito dos brasileiros e brasileiras, especialmente
dos mais pobres, o reconhecimento das conquistas sociais e a gratidão com o
grande construtor dessas políticas, o ex-presidente Lula.
A vitória de Dilma em um quadro assustadoramente adverso
demonstrou a dimensão do sentimento do povo brasileiro em relação às políticas
identificadas com Lula e com o PT, apesar da campanha permanente de oposição da
velha mídia e da estratégia de desmoralização do petismo a partir do caso do
Mensalão.
Esse sentimento é considerado pela classe dominante um câncer que
não pode ser arrancado de forma brutal, mas precisa ser tratado com sessões
diárias e pesadas de “quimioterapia” pelas ondas da televisão e do rádio.
Desde a crise do Mensalão, a oposição tenta desgastar o governo
e, até agora, não conseguiu vencer a eleição presidencial. Chegaram muito perto
neste ano, mas perderam. Assim, atuam para aprofundar o sangramento para ganhar
musculatura em 2016 e vencer em 2018, ainda mais com a perspectiva de enfrentar
Lula.
A deterioração do quadro econômico, a crise do sistema político e
a dimensão da Operação Lava Jato apontam para um período extremamente difícil
para a presidenta Dilma e abrem uma janela histórica para a oposição partidária
de direita. Para além de retomar a presidência, os setores conservadores querem
destruir os laços de identificação do povo brasileiro com Lula e o PT.
Os próximos quatro anos serão de guerra permanente da oposição de
direita e da velha mídia, que não baixarão a guarda porque não querem correr o
risco do governo tomar medidas para recompor as forças sociais e avançar com o
projeto de desenvolvimento e distribuição de renda, por meio da intervenção do
Estado.
A oposição partidária ao governo – com suas ramificações no
Estado, especialmente no Poder Judiciário – mantém o tom político elevado e
trabalha para desgastar ao máximo a presidenta Dilma e o PT. Apesar da derrota
no 2º turno da eleição presidencial, as lideranças oposicionistas mantêm a
ofensiva, tendo como base os mais de 50 milhões de votos recebidos por Aécio
Neves.
Por isso, trabalham noite e dia para corroer a autoridade do
governo na sociedade, no mercado, no Congresso Nacional e no Poder Judiciário,
enquanto Dilma está preocupada em governar e, o PT, com a sobrevivência dentro
do time do segundo mandato. O governo apanha, à espera do fim do round.
A oposição ataca o governo, a mídia repercute e amplifica, o
Poder Judiciário e o Ministério Público investigam, parte dos depoimentos são
vazados, a mídia divulga trechos, a oposição ataca o governo, atrai uma parte
da “base aliada”, convoca autoridades do governo e instaura CPIs, a mídia faz a
cobertura…
Esse é o círculo vicioso da luta política no país, desde que o PT
chegou ao governo federal, em 2003. Esse modus operandi tem mais ou menos êxito
a depender da capacidade de coesão da base social e política em torno do
projeto em curso. Em um quadro de dificuldades econômicas, crise política e
radicalização da direita, os impactos são maiores.
No entanto, não há novidades em relação aos procedimentos dos
setores conservadores, mas na intensidade da ação da oposição. A direita está
raivosa, tem mostrado seus dentes, rosnado e latido. Dessa forma, faz a luta
ideológica permanentemente. Assim, é necessário localizar com precisão o lugar
do “golpismo” na estratégia global.
Os rumores golpistas são um tempero para dar um sabor de crise
institucional, corroer a legitimidade da presidenta, mostrar a fragilidade do
governo, colocá-lo na defensiva e criar um clima de paralisia. Assim, o
“golpismo” é funcional, mas não está no centro da tática dos opositores do
governo Dilma. Claro que esse quadro pode mudar, mas não há evidências de que
valha a pena para a classe dominante optar por um caminho tão tortuoso.
O efeito perverso da paranoia anti-golpista é levar ao governismo
radical, que neutraliza os setores democráticos e populares, que ficam na
defensiva e admitem cada passo atrás do governo como se fosse um mal menor. Com
isso, abrem mão de fazer pressão para puxar o governo para a esquerda, que é a
única saída para os setores progressistas.
O governo Dilma só sairá das cordas se der um passo à frente, que
reorganize as forças sociais antineoliberais, para partir para a ofensiva.
Infelizmente, os primeiros sinais depois da eleição demonstram que a opção foi
dar um passo atrás, recompondo com os segmentos neoliberais, o que inviabiliza
um salto para um projeto de desenvolvimento nacional e radicalização da
democracia.
No entanto, o impacto no Congresso Nacional da Operação Lava Jato
dará contornos dramáticos à batalha da reforma política. No quadro de
recrudescimento da crise institucional, os setores conservadores lançarão a
carta do impeachment de Dilma, que obrigará o governo recuar ainda mais,
inviabilizando o projeto em curso.
A única carta que poderá tirar o governo da defensiva e mudar o
quadro é a convocação de uma Assembléia Constituinte Exclusiva e Soberana do
Sistema Político, a partir de um processo de luta social que reorganize os
setores progressistas, colocando no centro da crise do conjunto do sistema
político para fazer o enfrentamento ao sequestro da política institucional pelo
poder econômico.
“TRENSALÃO”
O CARTEL PAULISTA
Investigações conduzidas pela Polícia Federal e Ministério
Público de São Paulo
apontam nomes e sugerem
à Justiça a punição de empresas envolvidas.
Na contramão, Poder
Legislativo resiste em apurar denúncias e mídia tradicional desvia os holofotes
Por Anna Beatriz Anjos
Grandes empresas cartelizadas,
contratos superfaturados, pagamento de propina. Quem acompanha os noticiários
em tempos de Operação Lava Jato dirá que o cenário descrito remete ao esquema
de corrupção operante há anos na Petrobras. Mas as práticas, na verdade,
estendem-se a outro caso, investigado no Brasil desde 2008, mas um pouco menos
explorado pela mídia tradicional: a formação de cartel em licitações do sistema
de trens e metrôs de São Paulo, mais conhecido como “Trensalão”.
Nele, duas estatais também servem de
terreno para atividades fraudulentas: a Companhia do Metropolitano de São Paulo
(Metrô) e a Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM), ambas
subordinadas ao governo do estado de São Paulo, há vinte anos comandado por
políticos do PSDB. A exemplo do que ocorreu com o escândalo da Petrobras, o
“Trensalão” tem sido investigado em várias frentes.
A Polícia Federal, uma delas, concluiu
seu inquérito no último dia 4 e indiciou 33
pessoas por envolvimento com o esquema. No mesmo dia, o Ministério Público do
Estado de São Paulo (MPSP) pediu a extinção das subsidiárias brasileiras de dez
empresas envolvidas, além da devolução aos cofres públicos de R$ 418,5 milhões
relativos ao período de 2000 a 2002. Em março, o MPSP já havia denunciado criminalmente
à Justiça 30 executivos de doze corporações acusadas de participação na rede de
corrupção.
Identificando
corruptores
Para Alckmin, presidente da CPTM indiciado pela Polícia
Federal é “extremamente
respeitado”
(Foto: Edson Lopes Jr./ GESP)
Foi em 2013 que novidades importantes
ocorreram e impulsionaram os trabalhos de apuração do caso. Em maio, a
multinacional alemã Siemens procurou o Conselho Administrativo de Defesa
Econômica (Cade), autoridade antitruste ligada ao Ministério da Justiça, e
firmou um acordo de leniência. Em troca de informações sobre a atuação do
suposto cartel, os executivos delatores receberam proteção judicial.
De acordo com as investigações do Cade,
18 empresas são acusadas de envolvimento no esquema, que agiu no Rio Grande do Sul, Rio
de Janeiro, Minas Gerais, Distrito Federal e em São Paulo – este último
contendo a maior parte dos contratos superfaturados. Além da própria Siemens, Alstom
(França), CAF (Espanha), Bonbardier (Canadá) e Mitsui (Japão) estão entre as
corporações suspeitas. Fornecedoras de material e serviços para o sistema de
transporte metro-ferroviário de São Paulo, reuniam-se, antes do início do
processo, e definiam quem venceria a licitação. Pelo acordo, a ganhadora
subcontratava as perdedoras, que recebiam lotes das obras. Ou seja, era um jogo
de cartas marcadas.
As companhias ainda teriam
superfaturaturado em até 30% os preços dos serviços a serem prestados, de modo
a maximizar seu lucro. Os cinco contratos investigados pelo MPSP
até o momento, firmados entre 1998 e 2008, somam R$ 2,7 bilhões em valores da
época, segundo cálculos do promotor Marcelo Mendroni, um dos investigadores do
caso. Se aplicada a taxa de 30% de superfaturamento, a estimativa é de que o
sobrepreço atinja a casa dos R$ 835 milhões.
Para que a rede funcionasse, o cartel
pagava propina a servidores públicos. Segundo a Polícia Federal, lobistas e
consultores “fictícios”, junto a suas consultorias privadas, articulavam os
acordos entre as partes – caminho batizado de “propinoduto”. Um desses
intermediadores seria o engenheiro Arthur Gomes Teixeira, presente na lista de indiciamentos da PF.
Além dele, foram relacionados
executivos das empresas envolvidas – como Adilson
Primo, ex-presidente da Siemens – e dirigentes
e ex-dirigentes da CPTM. Neste último grupo, destacam-se alguns nomes.
Primeiro, o de João Roberto Zaniboni, diretor de operações
e manutenção da estatal
durante os governos de Mário Covas e Geraldo Alckmin (primeiro mandato), que
mantinha na Suíça uma conta com US$ 826 mil, valor que promotores
brasileiros e suíços suspeitam ser oriundo de propina – no fim de 2013, o país
europeu o condenou por lavagem de dinheiro, confiscou seus bens e lhe aplicou
uma multa. Depois, o de Ademir Venâncio de Araújo, diretor de engenharia e
obras da companhia no mesmo período, cujas cinco contas em um banco suíço
abrigavam R$ 1,2 milhão de reais, também bloqueados graças a sua origem
suspeita.
Estão na lista também os atuais
presidente e diretor de operações da CPTM, Mário Manuel Bandeira e José Luiz
Lavorente, respectivamente. Bandeira, mesmo indiciado, foi defendido por
Alckmin no começo do mês, quando o governador afirmou que o servidor é uma
pessoa “extremamente respeitada”, que lhe gera “impressão positiva”. O tucano
mudou de ideia dias depois e declarou, na última terça-feira (9), que realizará “trocas” no comando
da empresa. O promotor Marcelo Milani, que atualmente conduz a apuração no
MPSP, já havia declarado publicamente que a
não substituição dos acusados seria um erro. “Tenho a certeza que eles têm que
ser afastados, mas não sou o governador”, completou.
Milani disse acreditar que as
irregularidades se mantêm até hoje nos contratos firmados entre a CPTM e estas
empresas. Ele, que viajou à Suíça recentemente com outros promotores e
procuradores da República, teve acesso a novos documentos e informações que
podem levar à indicação de outros envolvidos. A partir disso, a previsão é de
que uma investigação seja deflagrada em torno desses contratos mais recentes.
Para o deputado estadual Luiz Claudio
Marcolino – líder do PT na Assembléia Legislativa de São Paulo (Alesp) em 2013,
quando o esquema estourou – apesar dos resultados, as investigações não foram
realizadas da melhor maneira. “No caso do Ministério Público Estadual, por
exemplo, eles sentaram em cima do processo. Tinham a denúncia, as informações,
podiam ter ido a fundo – feito quebra de sigilo bancário, fiscal, colhido
depoimentos, buscado suspensão de contratos, uma série de encaminhamentos que
não fizeram. Passaram-se anos para que o processo fosse retomado. Quem desviou
o recurso já poderia ter sido condenado, as empresas podiam já não estar mais
prestando serviços ao estado de São Paulo”, argumenta.
Robson Marinho, secretário do governo Covas,
foi afastado do Tribunal de Contas de São Paulo
por acusação de recebimento de propina
(Foto: Câmara Municipal de S. José dos Campos)
No parecer do MPSP, já está comprovada
a fraude em licitações dos trens e metrôs paulistas. Em trecho da peça que pede
a dissolução das filiais brasileiras, consta que “as empresas requeridas foram
beneficiadas com as celebrações de contratos com o Poder Público, de forma
ilegal e inconstitucional”. O governador Geraldo Alckmin (PSDB), entretanto,
não abre mão de isentar a si e seus antecessores tucanos de qualquer
responsabilidade sobre os fatos. Em diversas ocasiões, garantiu que nenhum
deles tinha consciência do que ocorria no subterrâneo das negociações.
Mas se os chefes estavam alheios às
práticas corruptas, alguns de seus funcionários de confiança não só sabiam
delas, como as integravam. É o caso de Robson Marinho, um dos fundadores do
PSDB e principal secretário da gestão de Mário Covas, ao ocupar, de 1995 a
1997, a chefia da Casa Civil. Em agosto, ele foi afastado pela Justiça do
cargo de conselheiro do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo (TCE-SP),
após suspeitas de que tenha auxiliado, mediante recebimento de propina, a
espanhola Alstom a conseguir um contrato sem licitação com estatais do setor de
energia de São Paulo em 1998, ainda no governo Covas.
Fracasso
político
Paralelamente às investigações
nos órgãos competentes, o Legislativo também tentou, sem sucesso, iniciar
sua própria apuração. Na Alesp, a bancada de oposição tenta, desde agosto
de 2013, instalar uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para averiguar as
denúncias sobre formação de cartel nos trens e metrôs de São Paulo. PT, Psol,
PC do B, PDT, um deputado do DEM e uma do PMDB se manifestaram a favor da
medida, somando 29 assinaturas – três a menos do que o número necessário para a
abertura, 32. Ao se abster de assinar o documento para a sua criação,
parlamentares do PSDB ou da base governista, formada por PMDB, DEM, PSD e PV,
engavetaram a comissão.
“Os deputados ligados ao governador
Alckmin fizeram de tudo para que a investigação não acontecesse de fato na Assembléia.
Obstruíram tanto qualquer tentativa de abertura da CPI, quanto as convocações
do presidente do Metrô, CPTM, das pessoas indicadas por envolvimento no sistema
do cartel. A gente tentava convocar para vir à Comissão de Infraestrutura ou à
de Transporte [permanentes da Casa], e eles obstruíam”, atesta Luiz Claudio
Marcolino.
Na Alesp, a oposição tenta, desde 2013, instalar CPI para
investigar o cartel.
Base aliada de Alckmin trava todas as possibilidades
(Foto: Roberto Navarro/Alesp)
“O governo Alckmin controla com mãos de
ferro a Alesp, as comissões, o plenário, a aprovação de projetos de lei e
sobretudos as CPIs – não passa nenhuma sem a autorização do Palácio dos
Bandeirantes”, complementa o deputado estadual Carlos Gianazzi (Psol). “É
totalmente blindado na Assembléia. Tem a completa maioria – dos 94, só 29
deputados são de oposição.”
Em agosto, a reportagem da Fórum questionou
Alckmin pessoalmente sobre suposta orientação repassada aos aliados para não
assinarem o requerimento. “A Assembléia Legislativa é autônoma”, respondeu o
tucano à ocasião, sem dar brechas para outras perguntas.
Fim semelhante tomaram as iniciativas
de investigação no Congresso Nacional. Por lá, uma CPI mista chegou a ser
criada em maio, mas encerrou as atividades na última terça-feira (9) sem
realizar sequer uma reunião ou eleger presidente e relator que conduzissem suas
atividades. O prazo de prorrogação dos trabalhos terminou no dia 3, e não houve
pedidos para que permanecesse em funcionamento.
O senador Walter Pinheiro (PT-BA)
atribui o fechamento da CPI à atuação do Ministério Público e do Poder
Judiciário. “Eles estão revelando com muito mais propriedade do que poderia ser
feito aqui. São pessoas treinadas para isso”, relatou à Folha de S. Paulo.
Marcolino não concorda com o colega de
partido. “Acaba sendo um erro não ter dado continuidade a esse processo.
Brasília poderia ter esse papel de fazer a investigação mais a fundo”, coloca.
“Às vezes, a questão da CPI no Congresso é tratada como questão de revanche
política – já que abriu dos Correios, da Petrobras, vamos abrir do Metrô e
CPTM. Mas não é. Estamos falando de empresas grandes, que recebem recursos da
Caixa Econômica Federal, Banco do Brasil, BNDES [bancos públicos]. Empresas
cujos contratos comprovadamente apresentam problemas. A Câmara e o Senado têm
elementos suficientes para abrir uma CPI sobre o Metrô e a CPTM.”
Cobertura:
dois pesos, duas medidas
Se, tanto em âmbito estadual como
federal, a maioria no Poder Legislativo parece não ter dado ao caso a devida
atenção, sufocando os esforços daqueles que tentaram, de algum modo, apurá-lo,
o assunto tampouco recebeu os holofotes que merecia por parte da imprensa
tradicional.
Os grandes veículos de comunicação não
deixaram de realizar a cobertura do esquema. A delação da Siemens ao Cade,
pontapé inicial das investigações, foi revelada por matéria da Folha de S. Paulo, publicada em
julho de 2013. Os demais “jornalões” e seus respectivos portais também
acompanharam o desenrolar dos fatos. A revista IstoÉ produziu uma série de reportagens
investigativas sobre o cartel. Entretanto, tudo isso não foi suficiente para
alçá-lo à repercussão nacional atingida, por exemplo, pela Operação Lava Jato.
Além da Siemens, outras multinacionais estão envolvidas no
sistema de corrupção
que atinge os trens e metrô de São Paulo
(Foto: Metrô de São
Paulo)
Para o jornalista Laurindo Leal Filho, doutor em Ciências da
Comunicação e professor da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de
São Paulo (ECA-USP), na comparação da cobertura dos dois episódios, constata-se
uma seletividade por parte dos meios de comunicação. “A mídia tradicional tem vínculos históricos
com os setores mais conservadores da sociedade, e quando surgem fatos que podem
abalar esse vínculo, como é caso do cartel dos trens e metrô, a cobertura é
minimizada”, analisa.
Segundo Leal, o problema não é a
ausência de conteúdo, mas sim a maneira como o assunto é tratado. Enquanto a
Lava Jato, a cada pequena novidade, ganha sucessões de manchetes, o “Trensalão”
é frequentemente escondido. “O espaço dado a essa cobertura é reduzido”, coloca
o professor.
Além disso, ele atenta para o que chama
de “despersonalização e despolitização” da informação. “Você dissolve a
denúncia em diversas pessoas, escondendo o partido responsável. Essa é a forma
com que se cobre denúncias que atingem aliados da mídia. Quando não são eles, o
procedimento é o contrário: da exacerbação dos casos, politização exagerada,
implicando sempre o partido que se quer que seja atingido”, explica.
Os efeitos dessa seletividade se
evidenciam na opinião pública. “É muito difícil alguém ter clareza sobre o que
aconteceu com os trens e metrô de São Paulo, diferente do escândalo da
Petrobras. A mídia tradicional o transformou em situação de fácil entendimento
para as pessoas”, avalia o jornalista, que destaca, ainda, que até a escolha
dos termos utilizados é diferente: “No caso do metrô, é cartel, no da
Petrobras, é quadrilha”, completa.
Carlos Gianazzi, por experiência
própria, ratifica a versão de que a imprensa paulista utiliza dois pesos e duas
medidas. “No geral, não há espaço. Eu mesmo faço muitas denúncias ao Ministério
Público, passo pautas para os veículos, mas nunca dão em nada”, repara.
(Foto de capa:
flickr/artur_fotos)