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02/08/2016
Como não ser um Juiz de Direito?
Fácil, leia as decisões de Sérgio Moro
Por Rômulo de Andrade Moreira *
Como foi amplamente noticiado pela imprensa, acabou de ser
concedida a liberdade provisória a um casal de réus, com arbitramento de
fiança, na chamada Operação Lava-Jato que, como o próprio nome indica, deseja
fazer uma “limpeza” ou uma “lavagem” moral no Brasil. Acho até que, talvez, o
que se queira mesmo é fazer uma limpeza em si mesmo (Freud explica). Como a
repressão é tremenda (e o inconsciente acaba quase sempre vencendo), cuidemos
dos outros. Assim, ficamos em paz com o nosso consciente e, de quebra, ainda
recebemos prêmio da Rede Globo e aparecemos em manchetes de jornal. Tudo muito
bom, portanto.
Só não tem nada a ver com Processo Penal.
Tem a ver com a psicanálise!
Só não tem nada a ver com Processo Penal.
Tem a ver com a psicanálise!
Segundo a imprensa, o Juiz Sérgio Moro “fez duras críticas ao ´álibi` do casal
nas ações penais“. Penso até que ele usou o significante sem saber
mesmo o seu significado técnico-jurídico (eu até o perdoaria, se se tratasse do
padeiro aqui ao lado de minha casa, que não é Juiz de Direito e não dá palpite
quando não entende do assunto. É um sábio.).
Também o Juiz afirmou tratar-se de “uma trapaça que não pode ser subestimada“,
devendo ser censuradas em ambos os acusados (que serão julgados por ele,
pasmen!) “a naturalidade e a
desfaçatez com as quais receberam, como eles mesmo admitem, recursos
não-contabilizados.”
Em um claro pré-julgamento esse arremedo de Juiz de Direito
(pois não demonstra ser um Magistrado imparcial), afirma que o (tal) álibi “não é provavelmente verdadeiro e ainda
que o fosse não elimina a responsabilidade individual.”
Não contente em dizer tantas asneiras, o Juiz Sérgio Moro
faz uma comparação absolutamente impertinente, digna de um neófito em Direito:
“Se um ladrão de bancos
afirma ao Juiz como álibi que outros também roubam bancos, isso não faz
qualquer diferença em relação a sua culpa.” Que brilhante!
Por fim, uma última pérola do Magistrado incompetente (nos
termos do art. 70 do Código de Processo Penal): “É possível reconhecer, mesmo nessa fase, que, mesmo se
existente, encontra-se em um nível talvez inferior da de corruptores,
corrompidos e profissionais do crime.” Enfim, já estão todos
condenados, ou como corruptores ou como corrompidos. E o que seriam mesmo “profissionais do crime“?
Veja, ele próprio é um profissional do crime, ou não? Não é um Juiz criminal?
Eu, por exemplo, Procurador de Justiça criminal, sou um profissional do crime,
pois dedico boa parte do meu tempo e do meu estudo ao estudo do … crime. E
ganho uma fortuna com isso.
Não é possível que o Supremo Tribunal Federal, quando instado a
fazê-lo, não reconheça que o Juiz Moro está ultrapassando todos os limites.
Óbvio que não espero de Gilmar Mendes qualquer decisão nesse sentido, pois de
imparcialidade ele entende tão pouco como Moro.
Tampouco vou fazer referência
ao Conselho Nacional de Justiça, pois, afinal de contas, é órgão de controle
externo e não um Colegiado com competência para ensinar Juiz a trabalhar (e não
para que não cometam asneiras processuais – o mesmo vale para o Conselho
Nacional do Ministério Público).
Será que há alguma dúvida quanto à parcialidade do Magistrado de
Curitiba?
Acho que não precisa ser nenhum “calouro” do curso de Direito. Diante
desse tipo de declaração (infeliz, despropositada, impertinente e, sobretudo,
burra – porque sujeita a uma forte contestação na Superior Instância), haverá
alguma dúvida que o casal “beneficiado” pela concessão da fiança já está
condenado?
Aqui a defesa fará um mero papel decorativo, salvo se o Supremo
Tribunal Federal tiver a coragem (que eu duvido!) de lhe afastar por suspeito
de julgar o processo.
Aliás, o Juiz Sérgio Moro, que no caso Banestado já havia
demonstrado seus pendores para acusador e sua incapacidade para presidir um
processo complexo e de apelo midiático, neste caso da Lava-Jato comete erros a
mancheias, cada vez mais grosseiros e recorrentes.
São vários, a começar por se arvorar Juiz competente para
processar e julgar todo e qualquer caso penal relativo à corrupção que envolva
a Petrobrás, independentemente do local onde o suposto crime tenha se
consumado, afrontando as regras impostas pelo Código de Processo Penal (o art.
70, acima referido). Ele sustenta uma conexão processual entre inúmeros crimes
e dezenas de acusados, fenômeno jurídico nem sempre existente, usurpando a
competência de outros Juízos federais.
Outro absurdo que esse Magistrado
pratica é o abuso na decretação de prisões preventivas e temporárias, com
fundamentações muitas vezes genéricas, quando sabemos que as prisões
provisórias – anteriores a uma sentença condenatória definitiva – devem ser
decretadas excepcionalmente.
O Juiz Sérgio Moro, ao contrário, transformou em
regra o que deveria ser uma exceção, o que é um retrocesso em relação à
Constituição Federal. E o mais grave: tais prisões, revestidas de uma suposta
legalidade, são decretadas, na verdade, na maioria das vezes, com uma
finalidade: coagir o preso, ainda sem culpa certificada por uma sentença
condenatória, a delatar. Isso é fato e é gravíssimo.
Deixa-se o investigado ou
o réu preso durante meses, trancafiado em uma cela minúscula, praticamente
incomunicável, sem que se demonstre legalmente a necessidade da prisão,
pressionando-o a firmar um “acordo” de delação. Ora, quem não se submeteria? E
quem não falaria o que os inquisidores queriam? Isso é muito complicado.
A Lei
nº. 12.850/13, que trata da delação premiada, exige expressamente a
voluntariedade do delator.
Será mesmo que estas delações que estão sendo feitas
em Curitiba são voluntárias no sentido próprio do vernáculo?
Se não o são, até
que ponto podem ser críveis? Vejam os benefícios que estes delatores estão
tendo em relação às suas penas. Sem falar em outros que sequer estão previstos
em lei, contrários à lei, inclusive.
O Juiz Sérgio Moro deslumbrou-se! Muito difícil para um jovem
não sucumbir a tantos holofotes e ao assédio da grande mídia e de parte da
população, especialmente da classe média, da qual ele faz parte. Mas, isso não
o isenta e a História não o perdoará, ao contrário do que ele e muitos
acreditam. Assim, ficou difícil impedi-lo de tais abusos.
Tudo que ele faz,
todas as suas decisões têm uma presunção de legalidade e de justeza, o que é um
equívoco, obviamente. Como frear um “salvador da pátria”, o redentor! E é óbvio
que assim o sendo, a tendência é que as decisões do Juiz Sérgio Moro sejam
confirmadas pelos demais órgãos do Poder Judiciário que, muitas vezes, não
ousam ser contra majoritários, como tinham que ser em uma República e em um
Estado Democrático de Direito. O Magistrado, ao contrário do que já se disse,
não tem que decidir conforme “a voz das ruas” ou para atender ao clamor
popular. Isso é pura demagogia e, portanto, inaceitável.
Magistrado tem que ter
compromisso, exclusivamente, com a Constituição Federal, isso é o que o
legitima, já que ele não tem a legitimidade popular. Os Juízes brasileiros têm
que ter essa consciência: como eles não são votados, a sua legitimidade decorre
da fundamentação de suas decisões e tal fundamentação, por sua vez, decorre da
observância das leis e das regras e dos princípios constitucionais.
Passar em
um concurso público, marcando um “x” e discorrendo sobre a doutrina do jurista
“A” ou “B” ou sobre o entendimento do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo
Tribunal Federal sobre tal ou qual matéria, não lhes dá nenhuma, absolutamente
nenhuma, legitimidade constitucional para exercer a sua jurisdição. Neste
sentido, considero que, ao ratificarem as decisões do Juiz Sérgio Moro, todas
as demais instâncias do Poder Judiciário brasileiro, inclusive o Supremo
Tribunal Federal, cometem abusos. E, repito: a História não os perdoará!
Os impactos dessa Operação Lava-Jato serão desastrosos. Aliás,
já estão sendo. Cada decisão do Juiz Sérgio Moro, devidamente “chancelada”
pelos Tribunais e, por fim, pelo Supremo Tribunal Federal (que nem sempre
decide contra majoritariamente, como deveria ser) passa a servir de paradigma
para outras decisões de Juízes em todo o Brasil.
Se um sujeito processado na
Operação Lava-Jato passou um ano preso até delatar, e o Supremo Tribunal
Federal nada fez, o Juiz de Direito de Cícero Dantas, aqui no Sertão da Bahia,
também vai se sentir no direito de fazer o mesmo. É essa também a minha
preocupação. Esse sujeito é que vai ficar esperando preso dois anos por uma
sentença, mesmo porque, muitas vezes, nem tem Juiz na Comarca para julgá-lo e
ele fica esquecido na Delegacia de Polícia, porque, aliás, também não tem
Promotor de Justiça nem Defensor Público.
A Justiça Estadual brasileira é um
caos! É outro mundo. Não tem Magistrados suficientes, nem membros do Ministério
Público. Quanto à Defensoria Pública, melhor nem falar (com relação a ela, os
Estados não têm o menor interesse em aparelhá-la, afinal de contas, elas cuidam
dos necessitados). Não há, sequer, funcionários. A Justiça Comum Estadual não
funciona. Finge-se que trabalha.
Sugiro que o Conselho Nacional de Justiça faça
uma inspeção nas Comarcas do interior do Brasil, não nas grandes cidades e não
somente nas Corregedorias dos Tribunais. Pergunte aos cidadãos o que eles acham
do serviço prestado pelo Judiciário nestas pequenas e médias cidades. Sugiro o
mesmo para o Conselho Nacional do Ministério Público.
Mas, o que tem isso a ver
com a Operação Lava-Jato? Tem tudo a ver, sabe porquê? Por que a “República de
Curitiba” não é a República do Brasil. Esta existe e é formada por uma Nação: o
povo brasileiro.
Claro que a prática de um delito exige a punição pelo Estado
(até que se encontre algo mais humano para se fazer com quem o fez e se procure
entender porquê o fez), mas não se pode punir a qualquer custo.
Há regras a
serem observadas. Regras e princípios constitucionais. E no Brasil, hoje, isso
não ocorre.
E a Operação Lava-Jato é um exemplo muito claro disso. Vivemos um
verdadeiro período de exceção. Hoje, não há Estado Democrático de Direito. Isso
é balela! Conduz-se coercitivamente que não pode sê-lo. Invade-se domicílio que
não pode ser invadido. Determina-se interceptações telefônicas de quem não pode
ser interceptado. Prende-se quem tem imunidade constitucional. Ministro da
Suprema Corte dá declarações em relação a processos que serão julgados pela
Corte Constitucional (inclusive de natureza político-partidária, como Gilmar
Mendes).
Aqui faz o que o Judiciário quer ou o que o Ministério Público pede.
Dane-se a Constituição Federal! Estamos vivendo dias verdadeiramente sombrios.
A nossa única esperança, que era o Supremo Tribunal Federal, virou uma
desesperança. Apelar mais para quem? Isso sem falar na pauta conservadora que
assola o País.
Vejamos, por exemplo, o prestígio de um Bolsonaro, um homem que
não se envergonha de fazer homenagens a um torturador e menospreza uma conduta
tão violenta quanto o estupro. Bem, mas aí é outro assunto.
Eu até acho que a Operação Lava-Jato pode estar perto do fim.
Depende do desfecho do processo de impeachment da Presidente Dilma.
Se ela,
efetivamente, for derrubada pelo Senado, acho que a Operação Lava-Jato acaba.
Se não, acho que continua. Tem que continuar, não é? Afinal de contas, o Juiz
Sérgio Moro estudou bastante nos Estados Unidos e aprendeu muito a combater a
corrupção e ele tem se mostrado um aluno bem disciplinado.
Na verdade, o pessoal
da de Washington, D.C. não estava nada satisfeito com essa história do pré-sal,
do fim das privatizações, etc.
Ele estava mesmo interessado em destruir as
empresas concorrentes brasileiras (como a Petrobrás e as empresas de construção
civil, mundialmente conhecidas e concorrentes), preocupados com a pauta social
distante dos princípios neoliberais, contrariados com a independência dos
BRICS, etc.
Eles são implacáveis. Eles estão sempre em guerra. E nem sempre
usam as mesmas armas.
Por fim, recordo da Operação Mãos Limpas, na Itália. Lá, como
aqui, pretendeu-se acabar com a corrupção e, tal como na Itália (um dos Países
mais corruptos do mundo, que o diga Berlusconi, filhote da Operação Mãos
Limpas), a Operação Lava-Jato não vai acabar com a corrupção, muito pelo
contrário. Se ela vai acabar com alguma coisa é com algumas das maiores
empresas brasileiras (e, consequentemente, com o emprego de nossos
trabalhadores – o que vai permitir que as empresas estrangeiras voltem ao
Brasil com os seus empregados ou pagando uma miséria à nossa mão de obra) e com
os direitos e garantias individuais arduamente conquistados com a
redemocratização.
Há outra semelhança: pretende-se acabar também com um partido
político, como ocorreu na Itália (Partido Socialista Italiano).
A corrupção, ao
contrário do que muitos pensam, não é um problema do Sistema Jurídico, mas do
Sistema Político e do Sistema Econômico, daí porque serem fundamentais reformas
políticas e econômicas.
O neoliberalismo é perverso e o nosso modelo político
favorece a corrupção.
O resto é engodo para derrubar Presidente da República
legitimamente eleita e para atender aos interesses externos.
.
Rômulo de Andrade Moreira é Procurador de Justiça do Ministério Público do Estado da Bahia. Professor de Direito Processual Penal da UNIFACS, na graduação e na pós-graduação (Especialização em Direito Processual Penal e Penal e Direito Público). Pós-graduado, lato sensu, pela Universidade de Salamanca/Espanha (Direito Processual Penal). Especialista em Processo pela UNIFACS.
Rômulo de Andrade Moreira é Procurador de Justiça do Ministério Público do Estado da Bahia. Professor de Direito Processual Penal da UNIFACS, na graduação e na pós-graduação (Especialização em Direito Processual Penal e Penal e Direito Público). Pós-graduado, lato sensu, pela Universidade de Salamanca/Espanha (Direito Processual Penal). Especialista em Processo pela UNIFACS.