FCO.LAMBERTO FONTES
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http://jornalggn.com.br/mutirao/o-xadrez-do-golpe-0
Coletânea dos artigos que delinearam o golpe branco praticado contra
a presidente Dilma Rousseff
Os artigos de Luis Nassif no Xadrez da Política Nacional, contornam situações
político-econômicas que culminaram com o afastamento
da presidente Dilma Rousseff.
O Xadrez não terminou, a jogada final não foi dada. Jogo que segue.
Xadrez do acordão da Lava Jato
e da hipocrisia nacional
SEX, 09/09/2016
Conforme
previsto, caminha-se para um acordão em torno da Lava Jato
que
lança a crise política em uma nova etapa com desdobramentos imprevisíveis.
Movimento 1 – os ajustes na Lava Jato
Trata-se de um movimento radical do
Procurador Geral da República (PGR) Rodrigo Janot, que praticamente fecha a
linha de raciocínio que vimos desenvolvendo sobre sua estratégia política.
Peça 1 – monta-se o jogo de cena entre Gilmar Neves e Janot.
Janot chuta para o Supremo a denúncia do senador Aécio Neves. Gilmar mata no
peito e devolve para Janot que se enfurece e chuta de novo de volta ao Supremo.
Terminado o jogo para a plateia, Janot guarda a bola e não se ouve mais falar
nas denúncias contra Aécio. Nem contra Serra. Nem contra Temer. Nem contra
Geddel. Nem contra Padilha.
Peça 2 – duas megadelações entram na linha de montagem da Lava
Jato: a de Marcelo Odebrecht e de Léo Pinheiro, da OAS. Pelas informações que
circulam, Marcelo só entregaria o caixa 2; Léo entregaria as propinas de
corrupção, em dinheiro vivo ou em pagamento em off-shores no exterior.
Peça 3 – advogados de José Serra declaram à colunista Mônica
Bergamo estarem aliviados, porque a delação de Marcelo Odebrecht só versaria
sobre caixa 2. Ficam duas questões pairando no ar. Se Caixa 2 é crime, qual a
razão do alívio? E se ainda haveria a delação de Léo Pinheiro, qual o motivo da
celebração?
Peça 4 – em um dos Xadrez matamos a primeira charada e
antecipamos que a Câmara estava estudando uma saída, com a assessoria luxuosa
de Gilmar Mendes, visando anistiar o caixa 2 e criminalizar apenas o que fosse
considerado dinheiro de corrupção, para enriquecimento pessoal.
Peça 5 – a segunda questão – de Léo Pinheiro delatando corrupção
- foi trabalhada em seguida, quando monta-se o jogo de cena, de Veja publicando
uma não-denúncia contra Dias Toffoli e, imediatamente, Janot acusando os
advogados da OAS pelo vazamento e interrompendo o acordo de delação, ao mesmo
tempo em que Gilmar investia contra a Lava Jato, anunciando que o Supremo
definiria as regras das delações futuras. Há movimentos do lado da Lava Jato, do
lado da PGR, Gilmar se acalma, diz apoiar a Lava Jato. A chacoalhada, sutil
como um caminhão de abóboras que passa em um buraco, permitiu ajustar todas as
peças.
Peça 6 – Avança-se na tal Lei da Anistia do caixa 2 e o caso
passa a ser analisado também pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral), presidido
por Gilmar.
Peça 7 – Ontem Janot abriu mão das sutilezas, dos rapapés, das
manobras florentinas, dos disfarces para sustentar a presunção de isenção e
rasgou a fantasia, nomeando o subprocurador Bonifácio de Andrada para o lugar
de Ela Wieko, na vice-Procuradoria Geral. Não se trata apenas de um procurador
conservador, mas de alguém unha e carne com Aécio Neves e com Gilmar Mendes.
Janot sempre foi próximo a Aécio, inclusive através do ex-PGR Aristides
Junqueira, com quem trabalhou e que é primo de Aécio. Com Bonifácio, estreita
ainda mais os laços.
Fecho – tudo indica que se resolve o imbróglio da Lava Jato da
seguinte maneira:
1. Avança-se
na nova Lei da Anistia, com controle de Gilmar através do TSE.
2. Bonifácio
de Andrada faz o meio-campo de Janot com Gilmar e Aécio, ajudando na blindagem
e evitando qualquer surpresa, que poderia acontecer com Ela na vice-PGR.
3. Monta-se
um acordo com a Lava Jato prorrogando por um ano seus trabalhos e definindo um
pacto tácito de, tanto ela quanto a PGR, continuar focando exclusivamente em
Lula e no PT, exigência que em nada irá descontentar os membros da
força-tarefa.
4. Agora há
um cabo de guerra entre a Lava Jato e Léo Pinheiro. Léo já informou que não
aceitaria delatar apenas o PT. Janot interrompeu as negociações sobre a delação
afim de que Léo e seus advogados “mudassem a estratégia”. Sérgio Moro prendeu-o
novamente, invadiram de novo sua casa, no movimento conhecido de tortura
psicológica até que aceite os termos propostos por Janot e a Lava Jato.
Movimento 2 – o teatro burlesco no Palácio
Aí se entra em um terreno delicado.
A política move-se no terreno cediço da
hipocrisia. Faz parte das normas tácitas da democracia representativa os
acordos espúrios, os interesses de grupo disfarçados em interesses gerais, a
presunção de isenção da Justiça.
Mas o jogo político exige a dramaturgia,
a hipocrisia dourada. E como criar um enredo minimamente legitimador com um
suspeitíssimo Geddel Vieira Lima, e sua postura de açougueiro suado disparando
imprecações? Ou de Eliseu Padilha, e seu ar melífluo de o-que-vier-eu-traço? Ou
de José Serra e as demonstrações diárias da mais rotunda ignorância de
diplomacia e um deslumbramento tão juvenil com John Kerry que só faltou beijo
na boca? Ou de Temer e suas mesquinharias, pequenas vinganças, incapaz de
entender a dimensão do cargo e do poder que lhe conferiram?
O “Fora Temer” não se deve apenas à
situação econômica precária, mas ao profundo sentimento de que o país foi
entregue a usurpadores. Mesmo com toda a velha mídia encenando, não se
conseguiu conferir nenhum verniz a esses personagens burlescos.
Ressuscitou-se até esse anacronismo da
“primeira dama”, tentando recriar o mito do casal 20, de Kennedy-Jacqueline,
Jango-Tereza e filhos, peças do repertório dos anos 50. Ontem, o
Estadão lançou a emocionante questão: vote no melhor “look” da primeira dama
que, aparentemente, vestiu quatro “looks” durante o dia. Um gaiato votou no
“tomara que caia Temer”.
Movimento 3
– a PGR rasga a fantasia
E como fica, agora, com o próprio Janot
abrindo mão da cautela e expondo seu jogo?
Janot foi um dos artífices centrais do
golpe. Teve papel central para entregar o país aos projetos e negócios de
Michel Temer, Geddel Vieira Lima, Eliseu Padilha, Romero Jucá, Moreira Franco e
José Serra, entre outros. Sacrificou-se apenas Eduardo Cunha no altar da
hipocrisia.
Sua intenção evidente é liquidar com Lula
e com o PT. Mas, para fora e especialmente para dentro – para sua tropa – tem
que apresentar argumentos legitimadores da sua posição, como se o golpe fosse
mera decorrência de procedimentos jurídicos adotados de forma
impessoal. Era visível o alívio dos procuradores nas redes sociais,
quando Janot decidiu encaminhar uma denúncia contra Aécio Neves. Porque não tem
corporação que consiga manter a disciplina e o espírito de corpo se não houver
elementos legitimadores da sua atuação, o orgulho da sua atuação.
Ontem, em suas escaramuças retóricas,
Gilmar escancarou a estratégia. Mesmo contando com toda a estrutura da PGR,
Janot avançou minimamente nas denúncias contra políticos.
Para todos os efeitos, há delações contra
Temer, Padilha, Geddel, Jucá, Moreira, Aécio e Serra. E, para todos os efeitos,
o grupo está cada vez mais à vontade exercitando as armas do poder. Dá para
entender porque o temível Janot não infunde um pingo de medo neles?
Com a nomeação de Bonifácio de Andrada
abrem-se definitivamente as cortinas do espetáculo e o MPF entra no palco onde
se encena o espetáculo da hipocrisia nacional.
Movimento 4
– as vozes da rua
O jogo torna-se sumamente interessante.
Os últimos episódios, a violência
policial, os sinais cada vez mais evidentes de se tentar fechar o regime,
despertaram um lado influente da opinião pública, que jamais se moveria em
defesa de Dilma, mas começa a acordar em defesa da democracia.
A “teoria do choque” exigia, na ponta, um
governante com carisma, um varão de Plutarco, um moralista compulsivo, que
trouxesse o ingrediente final a consolidar um projeto fascista. O enredo não
previa o espetáculo dantesco da votação na Câmara, a pequena dimensão de Michel
Temer, a resistência épica de Dilma Rousseff – que, de mais fraca governante da
história, tornou-se um símbolo de dignidade da mulher na queda -, a massacrante
diferença de nível entre José Eduardo Cardoso e Miguel Reali Jr. e Janaina
Pascoal.
O grito de “Fora Temer” torna-se cada vez
mais nacional.
A violência das PMs de São Paulo e outros
estados mereceu a reação do MPF, através da PFDC (Procuradoria Federal
dos Direitos do Cidadão). A intenção implícita de Janot é o esvaziamento dos
bolsões de direitos humanos da PGR, liquidando com os últimos pontos
legitimadores da instituição.
O baixo nível de corrupção no MPF deve-se
a um sentimento de missão que está sendo jogado fora pelo jogo político. Sem as
bandeiras legitimadoras, será cada vez mais cada qual por si, com os mais
oportunistas procurando exercitar a dose de poder que o MPF conquistou com o
golpe. A médio prazo, dr. Janot vai promover o desmonte da tropa, não se tenha
dúvida.
Qual o desfecho? Aumento da violência em
uma ponta, aumento da indignação na outra. O país institucional encontrará uma
saída para essa escalada de violência, ou nos conformaremos em ser uma
Argentina de Macri e uma Venezuela de Maduro?
Na mídia e em alguns altos postos do
Estado, não se fica a dever quase nada à Venezuela. E, em uma época que se tem
os olhos do mundo sobre o Brasil.