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30/09/2016
Política
Judiciário
Moro está autorizado
a descumprir a Constituição?
A decisão do TRF-4 que arquivou representação
contra o juiz da Lava Jato remete ao totalitarismo
e rifa direitos fundamentais
por Marcio Sotelo Felippe *
José Cruz / Agência Brasil |
Sergio Moro em depoimento na Câmara:
ele pode tudo?
Os fatos são bem conhecidos. O ex-presidente Lula estava “grampeado” por ordem
do juiz Sérgio Moro. Uma conversa entre Lula e a então presidenta Dilma foi
gravada quando já havia sido suspensa a ordem judicial. Apesar disso, o áudio
foi divulgado pelo juiz da 13ª Vara Federal de Curitiba e reproduzido pela TV
Globo, violando todas as regras constitucionais sobre sigilo das comunicações.
Moro claramente violou seus deveres funcionais, além de incorrer em outras
sanções.
O que não
ficou ainda claro é a exata extensão do fundamento e consequências da decisão
do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, responsável por revisar as decisões
da Justiça Federal do Paraná, que absolveu Sergio Moro em 22 de setembro em uma
votação por 13 a 1.
O relator, Rômulo Pizzolatti, amparou seu
voto em uma extensa citação de Eros Grau, um entusiasta do legado do jus filósofo Carl Schmitt.
Carl Schmitt publicou em 1922 uma pequena
obra que se tornou célebre, denominada Teologia Política. Um inimigo do
Iluminismo, Schmitt iniciou o texto com a frequentemente citada frase “soberano
é quem decide sobre o estado de exceção”.
A ideia era: o Estado é como Deus. Deus criou
o mundo fazendo-o funcionar de acordo com leis gerais e universais, mas pode,
se necessário, revogar de vez em quando essas regras por meio de milagres. Do
mesmo modo o Estado.
Uma ordem jurídica é constituída por regras
gerais e impessoais, mas o Estado, tal como Deus, pode operar alguns “milagres”
que passam a ser denominados, na linguagem jurídica, de estado de exceção.
A
passagem que o relator Pizzolatti citou é extraída de um texto de Grau: “a
exceção é o caso que não cabe no âmbito da “normalidade’ abrangida pela norma
geral (...) a exceção está no Direito (...) diante de situações como tais o
juiz aplica a norma ‘desaplicando-a’, isto é, retirando-a da exceção”.
Em 1933, Hitler ascendeu ao poder e Schmitt
viu que sua Teologia Política estava perfeitamente de acordo com as práticas
jurídicas nazistas. Publicou um artigo com o título O
Fuhrer protege o Direito. Hitler destruiu a Constituição de Weimar,
mas o soberano, tal como Deus, pode operar tais milagres e decidir sobre o estado
de exceção. A doutrina de Schmitt legitimava a destruição da ordem democrática
de Weimar por Hitler.
Esta concepção foi a utilizada pelo relator
da representação disciplinar contra Moro. Um juiz viola flagrantemente seu
dever funcional, descumpre a regra constitucional que protege o sigilo das
comunicações, divulga o que colheu por uma ordem judicial que já estava
revogada (por ele mesmo) entregando-a à maior rede de tevê do País e é
absolvido porque se trata de uma “situação excepcional”.
Para eles, Schmitt, Grau e Pizzolatti, a
Constituição, com suas regras genéricas e vagas, precisa de exceções. O
problema é que essas exceções liquidam “apenas” as garantias e direitos
fundamentais, cláusulas pétreas, ou seja, as que em hipótese alguma admitem exceções
e somente podem ser revogadas por uma Constituinte.
Louve-se o voto vencido do desembargador
federal Rogério Favretto: "o Poder Judiciário deve deferência aos
dispositivos legais e constitucionais" (...) "sua não
observância em domínio tão delicado como o Direito Penal, evocando a teoria do
estado de exceção, pode ser temerária se feita por magistrado sem os mesmos
compromissos democráticos do eminente relator e dos demais membros desta
corte".
Ficou isolado.
Em outras palavras: tal como Hitler pode destruir a Constituição
de Weimar, Moro está autorizado a destruir a nossa. Isto quer dizer
exatamente o seguinte: qualquer juiz no Brasil pode a partir de agora violar
nossas garantias e direitos fundamentais desde que, a seu juízo subjetivo, se
trate de uma “situação excepcional”.
Na prática, que nenhum juiz mais está mais
vinculado à Constituição e, se essa autorização foi utilizada contra a então
presidenta e um ex-presidente, nenhum brasileiro está mais protegido pelos
direitos fundamentais.
Em outras palavras: o espectro de Carl
Schmitt, o jurista de Hitler, ronda Curitiba. Ronda o Brasil.
* Marcio Sotelo Felippe foi procurador-geral do Estado de São
Paulo (1995-2000), diretor da Escola Superior da Procuradoria Geral do Estado e
membro da Comissão da Verdade da OAB nacional, tendo exercido a docência nas
áreas de Filosofia do Direito e Filosofia Política.
LEIA MAIS:
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