FCO.LAMBERTO FONTES
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22 DE DEZEMBRO DE 2016
EM
CARTA ABERTA A DALLAGNOL, ARAGÃO DIZ QUE O VIRA-LATA
É ELE
Em carta aberta, o ex-ministro da Justiça
Eugênio Aragão rebate o coordenador da força-tarefa da Lava Jato, Deltan
Dallagnol, que comemorou o ontem o acordo de leniência firmado pela Odebrecht e
pela Braskem, com pagamento de multa de R$ 8,5 milhões; Dallagnol mandou um
recado a quem tem "complexo de vira-lata" e acha que "o Brasil
não tem jeito"; "E o que vocês conseguiram de útil neste País para
acharem que podem inaugurar um 'outro Brasil', que seja, quiçá, melhor do que o
vivíamos? Vocês conseguiram agradar ao irmão do norte que faturará bilhões de
nossa combalida economia e conseguiram tirar do mercado global altamente
competitivo da construção civil de grandes obras de infraestrutura as empresas
nacionais", diz a carta;
"Só um conselho, colega: baixe a bola",
pede Aragão
247 - Em uma carta pública a Deltan Dallagnol, coordenador da
força-tarefa da Lava Jato, o ex-ministro da Justiça Eugênio Aragão contesta a
comemoração do procurador do acordo de leniência firmado pela Odebrecht e pela
Braskem com o Ministério Público Federal, que inclui uma multa de R$ 8,5
milhões. Em texto divulgado nas redes sociais, Dallangol mandou um recado a
quem tem "complexo de vira-lata" e acha que "o Brasil não tem
jeito" ou quem não acredita em um "Brasil diferente".
"E o que vocês
conseguiram de útil neste País para acharem que podem inaugurar um 'outro
Brasil', que seja, quiçá, melhor do que o vivíamos?
Vocês conseguiram agradar
ao irmão do norte que faturará bilhões de nossa combalida economia e
conseguiram tirar do mercado global altamente competitivo da construção civil
de grandes obras de infraestrutura as empresas nacionais", responde Aragão
na carta.
"Só um conselho,
colega: baixe a bola. Pare de perseguir o Lula e fazer teatro com PowerPoint.
Faça seu trabalho em silêncio, investigue quem tiver que investigar sem alarde,
respeite a presunção de inocência, cumpra seu papel de fiscal da lei e não mexa
nesse vespeiro da demagogia, pois você vai acabar ferroado", afirma ainda
o ex-ministro.
Leia a íntegra:
Minha cartinha aberta ao Dallagnol:
Meu caro colega Deltan
Dallagnol,
"Denn
nichts ist schwerer und nichts erfordert mehr Charakter, als sich in offenem
Gegensatz zu seiner Zeit zu befinden und laut zu sagen: Nein."
(Porque nada é mais
difícil e nada exige mais caráter que se encontrar em aberta oposição a seu
tempo e dizer em alto e bom som: Não!)
Kurt Tucholsky
Acabo de ler por blogs
de gente séria que você estaria a chamar atenção, no seu perfil de Facebook, de
quem "veste a camisa do complexo de vira-lata", de que seria
"possível um Brasil diferente" e de que a hora seria agora. Achei
oportuno escrever-lhe está carta pública, para que nossa sociedade saiba que,
no ministério público, há quem não bata palmas para suas exibições de falta de
modéstia.
Vamos falar primeiro
do complexo de vira-lata. Acredito que você e sua turma são talvez os que têm
menos autoridade para falar disso, pois seus pronunciamentos têm sido a prova
mais cabal de SEU complexo de vira-lata. Ainda me lembro daquela pitoresca
comparação entre a colonização americana e a lusitana em nossas terras,
atribuindo à última todos os males da baixa cultura de governação brasileira,
enquanto o puritanismo lá no norte seria a razão de seu progresso.
Talvez você
devesse estudar um pouco mais de história, para depreciar menos este País. E
olha que quem cresceu nas "Oropas" e lá foi educado desde menino fui
eu, hein... talvez por isso não falo essa barbaridade, porque tenho consciência
de que aquele pedaço de terra, assim como a de seu querido irmão do norte,
foram os mais banhados por sangue humano ao longo da passagem de nossa espécie
por este planeta.
Não somos, os brasileiros, tão maus assim, na pior das
hipóteses somos iguais, alguns somos descendentes dos algozes e a maioria somos
descendentes das vítimas.
Mas essa sua
teorização de baixo calão não diz tudo sobre SEU complexo. Você à frente de sua
turma vão entrar na história como quem contribuiu decisivamente para o atraso
econômico e político que fatalmente se abaterão sobre nós.
E sabem por que?
Porque são ignorantes e não conseguem enxergar que o princípio fiat iustitia et
pereat mundus nunca foi aceita por sociedade sadia qualquer neste mundão de
Deus.
Summum jus, summa iniuria, já diziam os romanos: querer impor sua
concepção pessoal de justiça a ferro e fogo leva fatalmente à destruição, à comoção
e à própria injustiça.
E o que vocês
conseguiram de útil neste País para acharem que podem inaugurar um "outro
Brasil", que seja, quiçá, melhor do que o vivíamos?
Vocês conseguiram
agradar ao irmão do norte que faturará bilhões de nossa combalida economia e
conseguiram tirar do mercado global altamente competitivo da construção civil
de grandes obras de infraestrutura as empresas nacionais. Tio Sam agradece. E
vocês, Narcisos, se acham lindinhos por causa disso, né? Vangloriam-se de terem
trazido de volta míseros dois bilhões em recursos supostamente desviados por
práticas empresariais e políticas corruptas.
E qual o estrago que provocaram
para lograr essa casquinha?
Por baixo, um prejuízo de 100 bilhões e mais de um
milhão de empregos riscados do mapa. Afundaram nosso esforço de propiciar
conteúdo tecnológico nacional na extração petrolífera, derreteram a recém
reconstruída indústria naval brasileira.
Claro, não são seus empregos que
correm riscos.
Nós ganhamos muito bem no ministério público, temos auxílio-alimentação
de quase mil reais, auxilio-creche com valor perto disso, um ilegal
auxílio-moradia tolerado pela morosidade do judiciário que vocês tanto
criticam. Temos um fantástico plano de saúde e nossos filhos podem frequentar a
liga das melhores escolas do País.
Não precisamos de SUS, não precisamos de
Pronatec, não precisamos de cota nas universidades, não precisamos de
bolsa-família e não precisamos de Minha Casa Minha Vida.
Vivemos numa redoma de
bem estar.
Por isso, talvez, à falta de consciência histórica, a ideologia de
classe devora sua autocrítica. E você e sua turma não acham nada de mais
milhões de famílias não conseguirem mais pagar suas contas no fim do mês,
porque suas mães e seus pais ficaram desempregados e perderam a perspectiva de
se reinserirem no mercado num futuro próximo.
Mas você achou fantástico o
acordo com os governos dos EEUU e da Suíça, que permitiu-lhes, na contramão da
prática diplomática brasileira, se beneficiarem indiretamente com um asset
sharing sobre produto de corrupção de funcionários brasileiros e estrangeiros.
Fecharam esse acordo sem qualquer participação da União, que é quem, em última
análise, paga a conta de seu pretenso heroísmo global e repassaram recursos
nacionais sem autorização do Senado.
Bonito, hein?
Mas, claro, na visão
umbilical corporativista de vocês, o ministério público pode tudo e não precisa
se preocupar com esses detalhes burocráticos que só atrasam nosso salamaleque
para o irmão do norte!
E depois fala de complexo de vira-lata dos outros!
O problema da soberba,
colega, é que ela cega e torna o soberbo incapaz de empatia, mas, como neste
mundo vale a lei do retorno, o soberbo também não recebe empatia, pois seu
semblante fica opaco, incapaz de se conectar com o outro.
A operação de entrega
de ativos nacionais ao estrangeiro, além de beirar alta traição, esculhambou o
Brasil como nação de respeito entre seus pares.
Ficamos a anos-luz de distância
da admiração que tínhamos mundo afora. E vocês o fizeram atropelando a
constituição, que prevê que compete à Presidenta da República manter relações
com estados estrangeiros e não ao musculoso ministério público.
Daqui a pouco
vocês vão querer até ter representação diplomática nas capitais do circuito
Elizabeth Arden, não é?
Ainda quanto a um
Brasil diferente, devo-lhes lembrar que "diferente" nem sempre é
melhor e que esse servicinho de vocês foi responsável por derrubar uma
Presidenta constitucional honesta e colocar em seu lugar uma turba envolvida
nas negociatas que vocês apregoam mídia afora.
Esse é o Brasil diferente?
De
fato é: um Brasil que passou a desrespeitar as escolhas políticas de seus
vizinhos e a cultivar uma diplomacia da nulidade, pois não goza de qualquer
respeito no mundo. Vocês ajudaram a sujar o nome do País. Vocês ajudaram a
deteriorar a qualidade da governação, a destruição das políticas inclusivas e o
desenvolvimento sustentável pela expansão de nossa infraestrutura com
tecnologia própria.
E isso tudo em nome de
um "combate" obsessivo à corrupção. Assunto do qual vocês parecem não
entender bulhufas! Criaram, isto sim, uma cortina de fumaça sobre o verdadeiro
problema deste Pais, que é a profunda desigualdade social e econômica. Não é a
corrupção. Esta é mero corolário da desigualdade, que produz gente que nem
vocês, cheios de "selfrightousness", de pretensão de serem justos e
infalíveis, donos da verdade e do bem estar.
Gente que pode se dar ao luxo de
atropelar as leis sem consequência nenhuma. Pelo contrário, ainda são
aplaudidos como justiceiros.
Com essa agenda menor
da corrupção vocês ajudaram a dividir o País, entre os homens de bem e os
safados, porque vocês não se limitam a julgar condutas como lhes compete, mas a
julgar pessoas, quando estão longe de serem melhores do que elas. Vocês não têm
capacidade de ver o quanto seu corporativismo é parte dessa corrupção, porque
funciona sob a mesma gramática do patrimonialismo: vocês querem um naco do
estado só para chamar de seu. Ninguém os controla de verdade e vocês acham que
não devem satisfação a ninguém. E tudo isso lhes propicia um ganho material
incrível, a capacidade de estarem no topo da cadeia alimentar do serviço
público.
Vamos falar de nós, os procuradores da república, antes de querer
olhar para a cauda alheia.
Por fim, só quero
pontuar que a corrupção não se elimina. Ela é da natureza perversa de uma
sociedade em que a competição se faz pelo fator custo-benefício, no sentindo
mais xucro.
A corrupção se controla. Controla-se para não tornar o estado e a
economia disfuncionais. Mas esse controle não se faz com expiação de pecados.
Não se faz com discursinho falso-moralista.
Não se faz com o homilias em
igrejas. Se faz com reforma administrativa e reforma política, para atacar a
causa do fenômeno é não sua periferia aparente. Vocês estão fazendo populismo,
ao disseminarem a ideia de que há o "nós o povo" de honestos
brasileiros, dispostos a enfrentar o monstro da corrupção feito São Jorge que
enfrentou o dragão.
Você e eu sabemos que não existe isso e que não existe com
sua artificial iniciativa popular das "10 medidas" solução viável
para o problema.
Esta passa pela revisão dos processos decisórios e de controle
na cadeia de comando administrativa e pela reestruturação de nosso sistema
político calcado em partidos que não merecem esse nome. Mas isso tudo talvez
seja muito complicado para você e sua turma compreenderem.
Só um conselho,
colega: baixe a bola.
Pare de perseguir o Lula e fazer teatro com PowerPoint.
Faça seu trabalho em silêncio, investigue quem tiver que investigar sem alarde,
respeite a presunção de inocência, cumpra seu papel de fiscal da lei e não mexa
nesse vespeiro da demagogia, pois você vai acabar ferroado.
Aos poucos, como
sempre, as máscaras caem e, ao final, se saberá que são os que gostam do Brasil
e os que apenas dele se servem para ficarem bonitos na fita! Esses, sim,
costumam padecer do complexo de vira-lata!
Um forte abraço de seu
colega mais velho e com cabeça dura, que não se deixa levar por essa onda de
"combate" à corrupção sem regras de engajamento e sem respeito aos
costumes da guerra.