FCO.LAMBERTO FONTES
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01/12/2016
O arreganho
da "pior ditadura"
Haroldo Lima
Foi Ruy Barbosa, o patrono do Senado brasileiro, o grande
jurista do início da República , quem fez essa advertência: "A pior
ditadura é a do Judiciário. Contra ela não há a quem recorrer".
Pelo menos desde 2015, observa-se no país um contínuo
crescimento de forças anti-democráticas.
Com pretextos variados, direitos democráticos vem sendo
solapados. O devido processo legal - pedra de toque de um regime democrático -
que define em que condições um cidadão pode ser preso, é aviltado; não se
respeita o que a Constituição garante - "a intimidade, a vida privada, a
honra e a imagem das pessoas" - tudo é profanado; não se exige prova de
crime, basta a denúncia de um criminoso; o flagrante não é um fato, é uma
interpretação; a tortura é ajustada aos tempos modernos: ao invés de choque
elétrico, arrancam-se confissões abatendo a moral da vítima, através da prisão
sem culpa formada, por tempo indeterminado, com ameaças à sua família e ao fim
de seus negócios; juiz não fala apenas nos autos, nem procurador apenas investiga,
promovem-se na mídia.
Tudo isso foi surgindo à margem do Estado de direito, e logo foi
crescendo em tamanho e arrogância. O que parecia excepcional foi ficando
permanente, e um Estado de exceção foi tomando corpo dentro e em detrimento do
Estado de direito democrático.
A grande mídia notabilizou-se como cúmplice
dessas deformações. Os Tribunais iam se omitindo.
A justificativa geral que se propalava para tudo isso era a do
combate à corrupção. Tratava-se de "pegar ladrão". Esse era o
pretexto básico.
Nosso povo, que não foi politicamente bem educado nesses anos de
governos de centro-esquerda, não percebe que essa forma de combater a corrupção
é falsa, que prender um, dois, cinqüenta ladrões, ainda que grandes, não tem
nada a ver com fechar dezenas de empresas, acabar com milhões de empregos,
enfraquecer o país e abrir suas portas ao capital estrangeiro.
Os homens da Lava Jato, bafejados pela grande mídia, prepararam
a grande e espetacular notícia divulgada pelos canais globais: aqui, no Brasil,
não dá para se ter grande empresa, que faz grandes obras, porque o empresário
brasileiro é corrupto; assim, botemos essa turma na cadeia, acabemos com suas
empresas, e recebamos de braços abertos, o empresário honesto, o estrangeiro!!.
Diversos países combatem a corrupção, mas sem destruir empresas,
sem desempregar sua mão de obra.
Hoje, fabricar armas químicas e
bacteriológicas é condenado, é crime de guerra. Mas as fábricas que as
produziram até há bem pouco tempo estão aí, fortalecidas e prestigiadas, nos Estados
Unidos, na Alemanha, no Japão.
Se algum criminoso foi identificado, foi
retirado, e as fábricas nada sofreram.
Aqui não. Para pegar alguns ladrões, grandes que sejam, a Lava
Jato arrebentou com nossa industria, jogou milhões no desemprego, enfraqueceu a
Nação.
Naturalmente que esses ladrões, devidamente
identificados,deveriam ser apanhados e punidos, exemplarmente, mas sem quebra
da base técnica que sustentava milhões de empregos.
Na medida em que o Estado democrático de direito ia sendo
desmoralizado e negado, e ao tempo em que crescia o Estado de exceção, alguns
setores perdiam força, enquanto outros se projetavam.
Perdia força, em primeiro lugar o povo, ludibriado por uma
campanha falsamente moralista, que para prender uns corruptos, tirava o emprego,
a saúde, a educação e as garantias do povo em geral; enfraqueceu-se a chamada
classe política, mesmo a de centro e até a de direita; debilitou-se o capital
nacional, desgastado e desmoralizado.
Ganharam força setores de órgãos como o Ministério Público
Federal, a Polícia Federal, o Parlamento e o Judiciário. A grande mídia
coordena-se com todo esse pessoal.
O impeachment e o governo Temer foram etapas desse processo. Mas
as facções de ultra direita, ao se sentirem cada vez mais pujantes, ao conseguirem
intimidar e neutralizar o STF e ao verem suas ações arbitrárias cada vez mais
elogiadas, podem tentar avanços maiores, podem achar que o momento é para
uma direitização maior, para uma fascistização do país, para um entreguismo
mais desenvolto.
Em suma, paira sobre o Brasil o risco de uma marcha para uma
ultra direita.
O que aconteceu ontem com a votação na Câmara é um sinal de
deterioração séria de nossas instituições.
Depois de prolongada sessão que varou a madrugada do dia 30,a
Câmara dos Deputados aprovou o projeto chamado de "10 Medidas contra a
Corrupção". Independente do mérito das medidas adotadas, o processo seguiu
um ritual normal: da proposição apresentada, até a votação final, tudo
normal.
Pois não é que, depois de tudo isso, um funcionário
público, chamado Rodrigo Janot, pago regiamente para defender a lei e a
democracia, do alto do cargo de Procurador Geral da República que exerce, vem a
público dizer que ele, ou melhor, que o "Ministério Público Brasileiro não
apóia o texto" aprovado?
Mais que isso, uma turma do Ministério Público, ligada à
Operação Lava Jato, resolve afrontar escancaradamente o Legislativo, e portanto
o Estado de Direito democrático, ameaçando renúncia coletiva de seus afazeres,
se o Congresso não mudar o que já foi aprovado na Câmara.
A afronta é aberta. Sinal de que o que era tendência, já está
mostrando a cara, o que crescia, já arreganha dentes ameaçadores ao
Estado de direito.
Na ditadura militar, sabíamos que nem todos os militares estavam
com ela comprometidos.
Mas os que assim estavam, eram ousados, atrevidos, e nós
os chamávamos de membros da "comunidade de informações".
Hoje, claro, nem todos os juízes, nem todos os procuradores, nem
todos os policiais federais fazem parte do Estado de exceção que se movimenta.
À falta de nome melhor, os que fazem parte desse Estado podem ser identificados
como membros da "comunidade da Lava Jato"
O caráter grotesco da reação do Ministério Público ao resultado
da votação na Câmara faz-nos lembrar o personagem Eremildo, o idiota, criado
pelo Elio Gaspari e que, inocentemente, talvez perguntasse à "comunidade
da Lava Jato": mas, para aprovar uma lei, a Câmara precisa de seu apoio
prévio?
Faz-nos lembrar também do Trump, o presidente eleito dos EUA,
que perguntado em um debate se respeitaria o resultado das eleições,
insolentemente sapecou: "só se eu ganhar".
Um ministro do STF, que não sendo da "comunidade da Lava
Jato", tem feito judiciosas e corajosas reflexões, de março para cá, sobre
o quadro que se está criando no país, é o Ministro Marco Aurélio.
Em março, resgatou a advertência do Ruy acima lembrada:
"A pior ditadura é a do Judiciário."
Logo depois, mostrou-se escandalizado com o abuso de poder
exibido pelo Juiz Sérgio Moro decidindo pela condução coercitiva de Lula. E
disse: "Condução coercitiva pressupõe recusa a uma intimação prévia."
"Até o regime de exceção observava essa norma".
Sobre as tendências absurdas a privilégios de casta para a
magistratura, agregou, em março, Marco Aurélio: "As cortes
superiores não devem ser protegidas sob o manto da intangibilidade"; “Não
somos semideuses, somos apenas operadores do Direito”; “A despeito de estar
fragilizado, é o Congresso que legisla. Se o Supremo não exercer
auto-contenção, onde vamos parar?” "O país está desprovido de segurança
jurídica para a quadra delicada que atravessa”.
E não é só o Supremo que precisa ser contido dessa sua propensão
legiferante, mas também o Ministério Público, que está posando de semi-deus da
ditadura do Judiciário que emerge.
O Procurador Deltan
Dallagnol, um dos chefes da "comunidade da Lava Jato",
esteve há pouco na Câmara, como porta-voz de um pleito absolutamente
despropositado: retirar os Procuradores e o Juízes da lei que iria coibir o
abuso de autoridade!!
Era de se supor que Juízes e Procuradores, ciosos da idéia de
que "ninguém está imune à lei", procurassem o Parlamento para dizer
mais ou menos o seguinte: "se as autoridades do país vão ser fiscalizadas,
na forma da lei, queremos ser tratados como as demais autoridades, pois não
somos uma casta, não somos diferentes, não somos imunes à lei".
Mas, qual não foi a surpresa de todos quando se soube que o
Procurador Deltan foi ao Parlamento pedir para que os Juízes e Procuradores não
fossem colocados na lei, porque se sentiriam ameaçados!!!
Quer dizer, todos têm
que ficar nos limites da lei, e isto não é ameaça; mas Juízes e Procuradores
terem que respeitar a lei, é uma ameaça?
As forças vivas da Nação, políticos democratas de uma maneira
geral, trabalhadores, estudantes, intelectuais, empresários, todos devem se unir,
inclusive com Juízes, Procuradores e Policiais Federais, defensores do Estado
de direito democrático, para repelir a marcha da "pior
ditadura" que ameaça o país.
* Haroldo Lima é membro da Comissão Política Nacional do
Comitê Central do Partido Comunista do Brasil.