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14 de Fevereiro de 2017
Lava Jato:
por que nenhum político
foi condenado pelo Supremo
após 3 anos?
Da BBC Brasil em Brasília
Processos no STF caminham mais lentamente
do que na vara de Sergio Moro,
que já condenou 87 pessoas
A primeira fase da Operação Lava Jato foi deflagrada em março de 2014.
Passados três anos, as denúncias se acumulam, mas nenhum político com foro privilegiado
foi condenado no Supremo Tribunal Federal (STF).
Apenas quatro viraram réus.
Na tentativa de afastar críticas de intervenção na operação, o presidente Michel Temer prometeu, na segunda-feira, que afastará definitivamente ministros do seu governo que venham a ser processados dentro da Lava Jato - mas como os números mostram, pode demorar muito para que isso eventualmente ocorra.
Em contraste, o juiz Sergio Moro já condenou 87 pessoas, algumas mais de uma vez, por diferentes crimes, totalizando 125 sentenças. Entre eles estão políticos sem mandato e que, portanto, perderam o foro, como o ex-ministro José Dirceu (PT) e o senador Gim Argello (ex-PTB).
A grande diferença de ritmo das duas instâncias do Judiciário causa controvérsia. De um lado, há quem veja na suposta lentidão do Supremo uma janela aberta para a impunidade. De outro, críticos do trabalho de Moro acreditam que o juiz estaria atropelando as garantias dos acusados ao acelerar os processos.
Entenda em cinco pontos o que explica essa diferença:
Uma vara criminal de primeira instância, como a do juiz Sergio Moro em Curitiba, cuida apenas de processos penais.
1) STF não julga apenas a Lava Jato
Uma vara criminal de primeira instância, como a do juiz Sergio Moro em Curitiba, cuida apenas de processos penais.
Já o Supremo Tribunal Federal é a corte mais importante do país e tem como função principal garantir a aplicação da Constituição Federal.
Simultaneamente aos casos da Lava Jato envolvendo políticos com foro, o Supremo julga, todas as semanas, dezenas de outras ações, muitas delas urgentes.
Nos últimos anos, por exemplo, o STF tomou diversas decisões sobre o andamento do processo de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff. Também tem se debruçado sobre questões como direito de greves de funcionários públicos, fornecimento de remédios pelo Estado, consumo de drogas, entre outras.
Principal função do STF é garantir
a aplicação da Constituição Federal
"Todo processo no Supremo tende a ser
mais demorado do que numa vara comum. Não só o número de processos é enorme
para cada um dos onze ministros, como também são processos com uma complexidade
que nenhum outro juiz se depara", afirma o procurador de Justiça da Bahia
Rômulo de Andrade, professor de Direito Processual Penal da Universidade
Salvador.
Diante disso, os juristas ouvidos pela BBC
Brasil foram unânimes em defender mudanças no regime de foro privilegiado, para
desafogar o Supremo. Na opinião deles, o foro é importante para evitar
perseguições políticas contra autoridades assim como pressões de investigados
poderosos sobre juízes de primeiro grau. No entanto, dizem, há pessoas demais
com foro no Brasil e isso deveria ser reduzido.
Existem várias propostas sendo debatidas no meio
jurídico, mas uma mudança teria que ser aprovada no Congresso.
"Eu não vejo perspectiva nenhuma de
mudar (o regime de foro privilegiado). Você acha que o Congresso vai mudar para
prejudicar a si próprio? Não vai", disse o jurista Miguel Reale Júnior, um
dos autores do pedido de impeachment que levou à cassação da presidente Dilma
Rousseff.
Enquanto o STF tem que julgar os mais diferentes assuntos, Sergio Moro se dedica exclusivamente à Lava Jato. Desde fevereiro de 2015, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) suspendeu a distribuição de outros casos para sua vara. Moro recebe apenas processo ligados à Lava Jato, enquanto novas ações relacionadas a casos antigos de sua vara são distribuídos para sua juíza substituta Gabriela Hardt.
2) Juiz exclusivo da Lava Jato
Enquanto o STF tem que julgar os mais diferentes assuntos, Sergio Moro se dedica exclusivamente à Lava Jato. Desde fevereiro de 2015, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) suspendeu a distribuição de outros casos para sua vara. Moro recebe apenas processo ligados à Lava Jato, enquanto novas ações relacionadas a casos antigos de sua vara são distribuídos para sua juíza substituta Gabriela Hardt.
O juiz Sérgio
Moro se dedica exclusivamente
à operação Lava Jato
Se por um lado essa exclusividade
contribui para dar mais celeridade aos processos, por outro gera críticas de
desrespeito ao "princípio do juiz natural", que prevê que processos
devem ser distribuídos para juizes pré-determinados em lei, evitando
direcionamentos. Mesmo crimes cometidos fora do Paraná, por serem investigados
pela Lava Jato, acabam na mesa de Sergio Moro.
"Virou uma vara totalmente
da Lava Jato, o que é incomum", observa o advogado Gustavo Badaró, professor
de direito processual penal da USP.
3)
Análises coletivas são mais lentas
Mais um fator que explica a
agilidade maior do juiz Sergio Moro, observa a subprocuradora-geral da
República, Ela Wiecko, é que ele toma decisões individualmente. Já no Supremo
as decisões são coletivas e é preciso que o processo seja pautado para análise
de uma das turmas (cinco ministros cada) ou do plenário (onze ministros), a
depender do cargo da autoridade.
No Supremo, após a abertura do
processo, além de um ministro atuar como relator, outro é designado como
revisor. O caso só é julgado quando ambos concluem seus votos e, na hora do
julgamento, outros ministros podem pedir vista, suspendendo o desfecho.
4)
Réus confessos x necessidade de investigação
Outro elemento que agiliza o
trabalho de Sergio Moro é que muitos réus da sua vara fizeram acordo de delação
premiada. Esses delatores assumem seus crimes e abrem mão de recursos durante o
processo, observa Badaró.
Segundo o Ministério Público
Federal do Paraná, das 87 pessoas condenadas por Moro até o momento, 37 eram
delatores.
Decisões coletivas entre os membros do STF costumam demandar mais tempo
Já no STF, os
políticos investigados são, na sua maioria, acusados em delações. Dessa forma,
só é possível abrir processos contra eles e eventualmente condená-los após a
Polícia Federal e a Procuradoria-Geral da República (PGR) investigarem e
conseguirem provar o que dizem os delatores.
"São
centenas de casos e a gente percebe que a PGR está muito onerada", afirma
Ela Wiecko, que até agosto era vice do procurador-geral da República, Rodrigo
Janot.
A PGR informa
que, desde o início da Lava Jato, já investigou ou investiga 413 pessoas com
direito a foro privilegiado. Parte dos inquéritos foi encerrada por falta de
evidências suficientes de crime, enquanto outras investigações ainda estão em
andamento.
Segundo
balanço feito em dezembro pelo STF, a PGR apresentou até agora 16 denúncias
contra autoridades com foro na Lava Jato. Dessas, cinco foram recebidas e
tornaram réus a senadora Gleisi Hoffmann (PT), os deputados Nelson Meurer (PP)
e Aníbal Gomes (PMDB) e o ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha (PMDB). Após sua
cassação, porém, os dois processos contra Cunha foram remetidos à vara de Moro.
Já o
Ministério Público Federal do Paraná informou que, dentro da Lava Jato,
investiga cerca de mil pessoas e que já apresentou 260 denúncias. O órgão disse
que a maioria levou a abertura de processos, mas não soube precisar quantos
réus aguardam julgamentos em Curitiba.
5) Agilidade de Moro: eficiência ou atropelo?
A agilidade
que Moro imprime aos processos é mais um fator que acentua a diferença de ritmo
da Lava Jato na sua vara e no Supremo, afirmam os juristas ouvidos pela BBC
Brasil. Eles divergem, porém, sobre se isso é positivo ou não.
"Independentemente
da qualidade do serviço, isso fica a juízo de cada um, Sergio Moro é um juiz
extremamente operante. Tem um ritmo de trabalho muito elevado, certamente muito
maior do que a média dos juízes de primeiro grau", afirma Badaró.
"É claro
que uma Justiça que tarda é uma Justiça falha, mas isso não significa que
julgamentos sumários sejam bons. Se o processo respeitar os prazos necessários
para a defesa, ele tramitar numa velocidade adequada é sempre melhor do que
numa velocidade lenta", ressaltou ainda.
Para Reale Júnior, o fato de o TRF-4 (segunda instância da Justiça
Federal), vir mantendo a maioria das condenações de Moro indica que suas
decisões estariam corretas. Segundo levantamento recente do jornal Folha de S. Paulo, o tribunal
julgou recursos referentes a 23 condenações - desse total, 16 penas foram
mantidas ou aumentadas.
"Existem
provas, não houve exesso acusatório nos processos", afirma Reale.
Já a
subprocuradora Ela Wiecko considera que Moro adota uma postura de "combate
ao crime" que não é correta para um juiz, que "deve olhar os dois
lados".
Na sua
opinião, Moro "pesa a mão" aos fazer interpretações "muito
amplas" do que são organizações criminosas ou ações de obstrução da
Justiça. É comum que ele mantenha executivos e políticos presos por longos
períodos mesmo sem terem sido condenados sob a justificativa de que podem
atrapalhar investigações.
"A mão
está pesada demais e isso é perigoso, viola as garantias (dos acusados)",
afirmou.
Já o
procurador Rômulo de Andrade, outro crítico do trabalho de Moro, considera que
o alto número de prisões preventivas decretadas por ele acaba exigindo que
imprima maior velocidade aos processos.
"Ele tem
que agilizar porque ele prende muito provisoriamente. Se não, corre o risco de
algum tribunal superior reconhecer o excesso da prisão preventiva e determinar
a soltura", ressalta.
Na semana
passada, o ministro do STF Gilmar Mendes criticou Moro e disse que a corte tem
que se manifestar. "Temos um encontro marcado com as alongadas prisões que
se determinam em Curitiba. Temos que nos posicionar sobre esse tema, que
conflita com a jurisprudência que construímos ao longo desses anos",
afirmou.
Ao longo de 37
fases da Lava Jato, Moro decretou 79 prisões preventivas. Atualmente, 22 ainda
estão presos nessa modalidade, entre eles Cunha, o ex-ministro Antônio Palocci
e o ex-governador do Rio Sergio Cabral.
Créditos pelas fotos:
1ª. THINKSTOCK -
2ª. LULA
MARQUES/AGPT
3ª. REUTERS
4ª. LULA MARQUES/AGPT