QUEM SÃO OS CAMINHONEIROS
QUE PARARAM O BRASIL?
Ceci Jurua
Economista,
Doutora, e especialista em transportes no Brasil
Para grande surpresa dos meios políticos
brasileiros, a primeira greve geral bem sucedida, desde os governos
reacionários e tucanos dos anos 1990, é uma greve quase espontânea, por
adesão e solidariedade inconsciente, porém objetiva dos trabalhadores.
Objetiva solidariedade – todos ganham muito
pouco, renda não suficiente para sustentar uma família, péssimas
condições de trabalho, total insegurança em matéria de assistência à
saúde do trabalhador e sua família.
Em recente pesquisa realizada²,
verificou-se que o rendimento dos caminhoneiros variava, em 2015, entre
R$ 1.470,00 no Nordeste, e R$ 2.150,00 no Centro-Oeste. Que
família, expropriada de capital cultural e de capital fictício, sem o
guarda-chuva da herança imobiliária que protege os ricos, que família
nessas condições pode sobreviver dignamente?
O preço do aluguel em moradia de quarto e
sala em favela do Rio de Janeiro não sai por menos de R$ 500/700,00. Na
verdade, nos grandes centros e cidades médias os gastos com moradia
(incluindo luz, gás, IPTU) , transporte e alimentação para família de 3
ou 4 pessoas consomem facilmente um salário ou rendimento mensal de R$
2.000,00. Cadê dinheiro para o resto? Como pagar o alojamento na
estrada à noite? O jeito é dormir no caminhão, na boléia! Isto é vida?
A irresponsabilidade e o entreguismo da
diretoria da Petrobras, que aumentou em mais de 50% o preço do óleo
diesel no espaço do últimos 12 meses, para beneficiar tão somente
especuladores internacionais, é uma bofetada violenta na cara de 2
milhões de caminhoneiros que trafegam diariamente por estradas
inseguras e sem qualquer fiscalização ou medidas de segurança visando a
pessoa do trabalhador – o motorista do caminhão. São estes fatos que
acabam por gerar o sentimento de solidariedade entre trabalhadores. Sem
maiores argumentações racionais. Ou se ajudam e se unem, ou morrem
todos.
Provavelmente viverão melhor, os que não
são autônomos, isto é proprietários do seu caminhão, viverão melhor
abandonando a estrada e fazendo bico nas cidades, o trabalho “em
negro”, de qualquer natureza, mesmo ilícita. É assim que
prolifera a violência nos centros urbanos em países da periferia
abandonados por governos submissos ao financismo imperial.
Segundo a pesquisa de Lucas Lima,
reproduzida em O Globo, caminhoneiros não são “ignorantes”. 58%
deles completaram o ensino fundamental e 35% concluíram o ensino médio.
Pouco importa, os dados indicam que 43% trabalham por tempo maior do
que o fixado em lei como limite superior semanal, as 44 horas
semanais. Isto quando havia lei regulando as condições de trabalho.
Após a reforma trabalhista deste governo não-legítimo, porque não foi
eleito pelo voto popular, nem esta proteção existe mais. Hoje
vale tudo, a nova ordem é a máxima exploração da força de trabalho.
Para fins de maximização de lucros, lícitos ou ilícitos!
Como podem trabalhadores instruídos
suportar tanta humilhação, tanta injustiça, em setor da produção
nacional onde empresários e especuladores acumulam milhões e bilhões
com relativa facilidade? Vejam a fortuna que a Petrobras acaba de
adiantar ao JP Morgan – R$ 2 bilhões, diz a imprensa!
Desde a insana Lei Kandir, dos governos
tucanos, o Brasil abre mão de impostos necessários para a construção de
vida digna para os trabalhadores brasileiros, abre mão em beneficio de
países ricos com os quais mantém fluxos intensos de comércio de
mercadorias. Renuncia a impostos essenciais em beneficio dos
lucros das corporações mundiais e do bem-estar de cidadãos de “primeira
classe”, os que vivem nos centros imperiais.
Agora mesmo, assistimos na Itália, um governo
de direita propor renda mínima de subsistência para seus cidadãos, no
valor de 780 euros, aproximadamente R$ 3.200,00. Renda mínima sem
necessidade de trabalho produtivo. Sem geração de lucros.
150% ou mais superior à renda média dos caminhoneiros
brasileiros. Anote-se que este valor proposto como renda mínima
corresponde, aproximadamente, à média dos salários mínimos da Europa
Ocidental e Setentrional.
É justo subsidiar cidadãos ditos de
“primeira classe” com isenção de impostos sobre produtos exportados,
como fez a Lei Kandir inicial e suas derivações desde 1996? Em
detrimento da saúde do trabalhador brasileiro? Não é justo! É
profundamente injusto. Mas é assim que se desvia parcela enorme do
excedente econômico produzido pelo trabalhador brasileiro, se desvia
esta parcela para o exterior, para o mundo dos ricos e
ex-colonizadores, eternamente exploradores.
Outras formas, tão sutis quanto esta,
existem e subtraem dos brasileiros a maior parte dos frutos do seu
trabalho produtivo. Por isto nosso povo é pobre. Por isto
nosso povo vive mal. Moram em favelas e nas ruas, os 30% ou mais
que não possuem moradia própria. Está ameaçado de perder a escola e a
saúde públicas, graças ao “decreto maldito”, de congelamento do gasto
público por décadas. Aposentadoria quando ainda se dispõe de
saúde para viver em paz e curtir a família? Nem pensar, afirmam os
poderosos. Pobres e remediados devem trabalhar até a véspera de
descansarem nas covas. Bolsa família para quê? Dizem os ricos que
bolsa família só serve para incentivar preguiça?! Maldade extrema,
negar comida em país com tanta terra mal aproveitada e apropriada por
minorias privilegiadas! Cadê a reforma agrária, pela qual
lutamos há mais de meio século?
Tudo muito violento. Tudo muito injusto.
Por isto os trabalhadores se revoltam. Surgem greves espontâneas, sem
organização. Na base da solidariedade inconsciente. Por
necessidade de sobrevivência. Como resposta às injustiças. Contra
isto as medidas de força emanadas do governo podem se revelar
inoperantes. Em quase toda América do Sul, o Império está vencendo
graças ao entreguismo dos governantes de plantão. Mas até quando?
Não resistirão os entreguistas a ELEIÇÕES
LIVRES, em todos os níveis de poder representativos da soberania
popular. Precisamos extinguir o judiciário vitalício. Revogar
com urgência as medidas de alienação do patrimônio produtivo
nacional, estatal e privado, revogar a desnacionalização que sustenta a
opressão do povo brasileiro e a concentração da renda mundial nos
centros imperiais. Esta é a nossa luta. PELA LIBERTAÇÃO NACIONAL!
QUEREMOS DEMOCRACIA E JUSTIÇA!
Notas
2: Lucas Lima,
estudante de pós graduação em economia aplicada. Depto de
Economia Aplicada ESALQ – SP.PNAD IBGE. 2002-2015.
Resultados em O GLOBO de 12.03.2018.
SOBRE A GREVE DOS CAMINHONEIROS
De Larissa
Jacheta Riperti
Jornalistas,
especialista em transporte rodoviário.
“Tem ao menos seis anos que colaboro com um
jornal de caminhoneiros e não me arrisquei a fazer nenhuma análise
sobre a recente greve da categoria. Mas muitas opiniões, sobretudo de
"esquerda" proferidas nessa rede social (ninguém se importa,
na verdade) me geraram um incômodo. Por isso, me arrisco agora a
escrever algumas pontuações sobre a greve dos caminhoneiros, lembrando
que, dessa vez, muita gente perguntou, rsrsrs.
1) A greve começou como um movimento puxado
pela CNTA, a Confederação Nacional dos Transportadores Autônomos. A
convocação da paralisação se deu após encaminhamento de ofício ao
governo federal em 15 de maio, solicitando atendimento de demandas
urgentes antes da instalação de uma mesa de negociação. As urgências
eram: o congelamento do preço do Diesel, pelo prazo necessário para a
discussão sobre benefício fiscal que reduzisse o custo do combustível
para os transportadores (empresas e caminhoneiros); e fim da cobrança
dos pedágios sobre eixos suspensos, que ainda está acontecendo em rodovias
de caráter estadual, conforme compromisso assumido pela lei
13.103/2015, conhecida também como Lei do Motorista.
2) No ofício encaminhado pela CNTA se fala
na deflagração de uma paralisação em 21 de maio, caso não fossem
atendidos os pedidos da Confederação. Também se explicita o apoio de
120 entidades representativas, mas não se esclarece se essas
organizações são sindicatos patronais ou de autônomos.
3) A paralisação prevista para 21 de maio
aconteceu, já que o governo se recusou a negociar com a CNTA e com
demais entidades. Ao que consta nos comunicados de imprensa do
organismo, também estavam na pauta discussões como o marco regulatório
dos transportes e a questão da "reoneração da folha de
pagamento"
4) Abro parênteses para o tema: desde 2011,
a discussão da desoneração da folha de pagamento vem acontecendo no
Brasil com vistas a garantir a geração de empregos. Nos anos seguintes
ela foi ampliada para outros setores, como o do transporte rodoviário
de cargas. Com a desoneração os patrões tem a possibilidade de escolher
a forma mais "vantajosa" de pagar a contribuição
previdenciária, recolhendo 20% sobre os pagamentos dos funcionários e
contribuintes individuais (sócios e autônomos) ou recolhendo uma
alíquota sobre a receita bruta (cujo percentual variava entre
diferentes setores da economia, no caso do TRC é de 1,5 a 2%). No ano
passado, o governo Temer, através do Ministro da Fazendo, Henrique
Meirelles, anunciou a reoneração da folha de pagamento com a
justificativa de que era necessário reajustar "as contas" da
União. Atualmente, a ampliação da reoneração da folha de pagamento está
sendo discutida no âmbito do TRC.
5) Com a mobilização que se potencializou
em 21 de maio, uma série de pautas foram levadas para as
"estradas". Dentre os mobilizados nesse primeiro momento
estavam autônomos e motoristas contratados. As informações que nos
chegam é a de que eles estão deixando passar as cargas perecíveis e os
medicamentos e os itens considerados de primeira necessidade.
6) A paralisação continuou e ganhou adesão
das transportadoras que prometeram não onerar os funcionários nem
realizar cortes salariais ou demissões por causa da greve. Afinal de
contas, a redução do preço do Diesel também é do interesse da classe
patronal.
7) A greve conta com grande apoio nacional,
porque a alta do preço dos combustíveis afeta não só a prestação de
serviços, mas a vida de grande parte dos brasileiros.
8) Os sindicatos estão batendo cabeça. De
um lado, muitas federações e entidades soltaram nota dizendo que não
apoiam a greve e que ela tem características de lockout justamente
porque a pauta tem sido capitaneada pelos setores empresariais em nome
dos seus interesses. Do outro lado, existem sindicatos de autônomos,
como a própria CNTA, o Sindicam de Santos que puxou a paralisação na
região do porto, e agora a Abcam, que recentemente se mobilizou na
negociação, apoiando o movimento. Segundo nota, o presidente da Abcam
esteve em Brasília hoje e depois de uma reunião frustrada disse que a
greve dos caminhoneiros continua. A reunião tinha como objetivo
negociar a redução da tributação em cima dos combustíveis.
Esse é o cenário geral da mobilização. Ela
é composta por uma série de segmentos que conformam o TRC. E,
obviamente, suscita algumas questões:
1) Existe uma clara apropriação da pauta
dos caminhoneiros por parte da classe empresarial que exerce maior
influência nas negociações. Isso significa que, por mais que a greve
seja legítima, pode acabar resultando num "tiro pela culatra"
a depender dos rumos tomados na resolução entre as partes e as
lideranças.
2) Não existe uma pauta unificada, o
movimento não é hegemônico, nem do ponto de vista social, nem do ponto
de vista ideológico. Existe um grupo de caminhoneiros bolsonaristas,
outros que são partidários de uma intervenção militar, outros pedem
Diretas Já e Lula Livre. Ou seja, é um movimento canalizado
principalmente, pela insatisfação em relação ao preço do Diesel.
3) Em função da grande complexidade e
fragilidade das lideranças sindicais de autônomos, o movimento carece
de uma representatividade que possa assegurar as demandas da classe
trabalhadora. Enquanto isso, os sindicatos patronais acabam por exercer
maior influência, determinando os caminhos da negociação e o teor das
reivindicações.
4) Isso se faz notar, por exemplo, no tipo
de reivindicação expressada por grande parte dos caminhoneiros que é a
redução da tributação em cima do preço do combustível. Ora, todos nós
sabemos que o cerne do problema é a nova política de preços adotada
pelo governo Temer e pela Petrobras, que atualmente é presidida por
Pedro Parente.
5) Novo parênteses sobre o tema: desde o
ano passado, a Petrobras adotou uma nova política de preços,
determinando o preço do petróleo em relação à oscilação internacional
do dólar. Na época, esse tipo de política foi aplaudida pelo mercado
internacional, que viu grande vantagem na venda do combustível refinado
para o Brasil. Aqui dentro, segundo relatório da Associação de
Engenheiros da Petrobras, a nova política de preços revela o entreguismo
da atual presidência da empresa e governo Temer, que busca sucatear as
refinarias nacionais dando prioridade para a importação do combustível.
Tudo isso foi justificado na época com o argumento que era necessário
ajustar as contas da Petrobras e passar confiança aos investidores
internacionais.
6) É verdade, portanto, que o
movimento em si tem uma percepção um pouco equivocada da principal
razão do aumento dos combustíveis, mas isso não significa que toda
classe dos caminhoneiros não faça essa relação clara entre o problema
da política de preços da Petrobras e o aumento dos combustíveis.
7) De fato, portanto, o grande problema
nesse momento é saber quem serão as pessoas a sentar nas mesas de
negociação. De um lado, existe uma legítima expressão da classe
trabalhadora em defesa das suas condições de trabalho e dos seus meios
de produção. O aumento do Diesel é um duro golpe entre os caminhoneiros
autônomos e a reivindicação da sua redução, seja pela eliminação dos
tributos, seja pelo questionamento da política de preços da Petrobras,
é legítima e deve ser comemorada.
8) A questão fundamental agora é saber o
que o governo vai barganhar na negociação. Retomo, então, a questão da
reoneração da folha de pagamento. O governo já disse que haverá uma
reoneração da folha e esse é um dos meios de captação de recursos caso
haja fim do Pis/Cofins incidindo sobre os combustíveis. Na prática,
porem, a reoneração pode ter um impacto sobre os empregos dos próprios
caminhoneiros, resultando em demissões.
9) Se houver o fim da tributação no Diesel,
conforme inclusão do relator, Orlando Silva (PCdoB/SP), na Medida
Provisória, de parágrafo que exclui a tributação, a classe trabalhadora
e toda sociedade serão impactadas. Afinal de contas, com redução de
receita, haverá, consequentemente, um corte no repasse da verba para a
seguridade social, previdência, saúde, etc.
Considerando tudo o que foi dito, expresso
meu incomodo com análises e percepções simplistas da esquerda, ou de
pessoas que se dizem da esquerda, sobre o movimento. Locaute virou doce
na boca dos analistas de facebook. Porque não atende à nossa noção de
"movimento" ideal, os caminhoneiros que legitimamente se
mobilizaram em nome da redução do preço do diesel estão sendo taxados
de vendidos e cooptados, como uma massa amorfa preparada para ser
manipulada.
Os "puristas" não entendem a
complexidade da categoria, e tampouco atentam para a dificuldade que é
promover a mobilização ampla desses trabalhadores, tendo em vista não
só a precarização extrema à qual estão sujeitos, mas também à realidade
itinerante de seu trabalho. Soma-se a isso o duro golpe que atualmente
foi proferido contra as entidades sindicais menores de autônomos, com o
fim da obrigatoriedade do imposto sindical. Sinto dizer aos colegas
acadêmicos, portanto, que nem sempre nossos modelos de análise social
se aplicam a realidade. Não se trata de uma disputa entre o bem e o
mau; nem de um movimento totalmente cooptável e ilegítimo; uma massa
manipulável e "bobinha". Por outro lado, também não é um
movimento cujos protagonistas tem uma consciência enquanto classe,
enquanto categoria. Não é unificado, as pautas são heterogêneas e
também voláteis. Por tudo isso, parte desses trabalhadores expressam
reações conservadores e, alguns grupos, visões extremistas sobre a
política e suas estratégias de luta.
Nada disso, ao meu ver, torna ilegítima a
mobilização. Pelo contrário, é um convite para que busquemos entender
mais das categorias sociais e para que aceitemos que as mobilizações
sociais nem sempre atendem ao nosso critério idealizado de pauta,
objetivo e organização.”
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