Publicação: 31/07/2013
Cidades com menor IDH têm maior índice de
corrupção
Nem mesmo cidades com
desenvolvimento humano muito baixo escapam do desvio de dinheiro público
Uma prática perversa contribui
ainda mais para agravar a realidade dos municípios mineiros com os piores
Índices de Desenvolvimento Humano (IDH), indicador que avalia a situação das
cidades levando em conta a educação, a renda e a expectativa de vida da população.
Nem mesmo as cidades que fazem parte dessa relação estão livres de denúncias de
corrupção. Pelo menos cinco delas são alvo de denúncias de má aplicação de
recursos públicos. Caso de São João das Missões, no Norte de Minas, pior IDH de
Minas. Emancipada em 1995, com pouco mais de 11 mil habitantes, a maioria
índios da etnia xacriabá, a cidade está na lista das três últimas operações da
Polícia Federal, em parceria com o Ministério Público Federal, para coibir
desvio de recursos dos cofres públicos.
A prefeitura é acusada de fraudes nas licitações para a realização de obras e também na compra de medicamentos e equipamentos hospitalares, alvos de investigação nas operações Máscara da Sanidade, Conto do Vigário e 1655, referência a um sermão do padre Antônio Vieira, realizadas entre 2010 e 2012 pela PF. A cidade tem um ex-prefeito na lista dos enquadrados pela Lei Ficha Limpa. Ivan de Sousa Correa (PSDB), que esteve à frente do Executivo municipal entre 1997 e 2004, foi condenado por desvio de recursos do programa de atenção básica aos povos indígenas. Além do pior lugar geral, São João das Missões aparece na relação dos piores indicadores nos quesitos educação, renda e expectativa de vida.
Em terceiro lugar na lista dos piores IDHs está Bonito de Minas, também no Norte mineiro, com cerca de 9,2 mil moradores. A cidade é alvo das mesmas operações deflagradas em São João das Missões e, em uma delas, o município ainda encabeça o ranking da maior quantia de recursos suspeita de desvio, cerca de R$ 400 mil, segundo apuração da Operação Máscara da Sanidade, que desarticulou uma organização criminosa responsável por desviar recursos públicos de 36 cidades mineiras a partir de fraudes em licitações. Na lista dos piores indicadores também no quesito renda, Bonito de Minas esteve envolvida em outro grande escândalo de corrupção desvendado em 2006, conhecido nacionalmente como Máfia dos Sanguessugas, que envolveu a compra superfaturada de ambulâncias financiadas com recursos de emendas parlamentares.
Para o procurador da República em Montes Claros, André de Vasconcelos Dias, existe uma correlação direta entre o nível de pobreza dos municípios e alto grau de desvio de recursos dos cofres municipais. E São João das Missões e Bonito de Minas aparecem entre as cidades com registro de casos de improbidade administrativa, segundo o procurador. Ele explica que a relação direta pode ser notada também porque a maior parte dos recursos desviados são de áreas fundamentais para o desenvolvimento humano – educação, saúde e infraestrutura.
“Bonito de Minas é um bom exemplo porque vem sendo investigada em diversas operações, como a Máscara da Sanidade, que apurou o desvio de recursos para a construção de duas escolas e também no esquema dos Sanguessuga”, diz. André Dias lembra também que, em São João das Missões, os índios, uma das populações mais excluídas do país, tiveram recursos desviados pelos administradores da cidade.
Outros três municípios da lista dos 10 piores IDH de Minas já foram alvos de denúncias e condenações por desvio de dinheiro público. Itaipé, no Vale do Jequitinhonha, teve suspensa este ano a transferência de recursos do Programa de Saúde da Família por causa de irregularidades no cadastro de profissionais. O município é investigado ainda por irregularidades na execução do Bolsa-Família.
O ex-prefeito de Monte Formoso, também no Jequitinhonha, José Alves Soares foi condenado por não comprovar o uso dos valores repassados pela Fundação Nacional de Saúde (Funasa) para a ampliação do sistema de abastecimento de água e implantação de esgotamento sanitário. Em Frei Lagonegro, no Vale do Rio Doce, as denúncias envolvem desvio de recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE).
Lavoura
no lugar da escola reflete
baixo
IDHM de cidade mineira
Das lavouras da pequena Araponga,
na Zona da Mata, saem grãos de café frequentemente premiados em concursos
nacionais.
Porém, o que é orgulho para os
moradores da cidade, distante 284 quilômetros de Belo Horizonte, é também um
dos componentes de uma estatística nada nobre, a de segundo pior Índice de
Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) de Minas Gerais.
A razão principal dessa baixa
qualidade de vida é a educação, que teve o pior desempenho do estado, de 0,339
ante 0,744 de Montes Claros, o melhor de Minas. O indicador ficou também bem
atrás dos outros dois que compõem o IDHM: a renda (0,597) e a expectativa de
vida da população (0,760).
O presidente da Cooperativa de
Crédito dos Agricultores Familiares de Araponga, Jésus Ermelindo Macedo,
entende que o principal problema é a extensão do município, que dificulta o
transporte dos estudantes até as duas escolas que oferecem ensino médio, uma na
área urbana e outra no distrito de Estevão de Araújo. Araponga tem 303km² e é
um pouco menor que Belo Horizonte, com 331km². “O ônibus da prefeitura
faz o transporte, mas não leva a pessoa até a porta. Os estudantes têm que
caminhar uma certa distância. Uns e outros não aguentam o esforço e acabam
desistindo”, afirma Macedo.
A secretária municipal de Educação, Viviane Aparecida Gomes Moura, informa que há na cidade 11 escolas municipais, mas elas oferecem apenas o ensino fundamental e estão localizadas em diferentes pontos da zona rural. O município tem 8 mil moradores, mas apenas 492 alunos matriculados. “É preciso nuclear as escolas”, avalia a secretária. Isto é, reduzir a quantidade de unidades de ensino, pois, segundo Viviane, algumas têm poucos alunos, o que acaba desmotivando os professores.
Rosângela Gonçalves Jacovine, diretora da Escola Estadual Cônego José Ermelindo de Souza, uma das duas escolas de ensino médio da cidade, entende que a lavoura do café influencia no resultado. Durante a colheita da safra, entre maio e outubro, muitos faltam às aulas. “Há alunos que vêm uma ou duas vezes por semana”, detalha a diretora. Na análise dela, o fato de a economia da cidade ser essencialmente rural também contribui para o baixo desempenho da educação. “A população se casa muito cedo. A menina com 15, 16 anos já cuida da casa, e o marido, da lavoura de café”, diz Rosângela.
O secretário de Agricultura do município, Romualdo José de Macedo, estranha a baixa colocação. Ele destaca que neste ano quatro produtores locais ganharam os primeiros lugares do Prêmio Ernesto Illy de Qualidade do Café. “Mais de 90% da população de Araponga vive do café. Existem produtores pequenos, com 5 mil pés, até os grandes, com mais de 200 mil pés”, informa Macedo. O regime de contratação, porém, é temporário – a maior parte dos moradores trabalha apenas por seis meses, durante o período da colheita. Quase 70% da população vive na área rural e, segundo o secretário, se beneficiam do preço valorizado do café. As sacas do grão especial chegam a custar R$ 2 mil e as do grão comum, cerca de R$ 270.
De acordo com o IDHM, 35,58% dos jovens entre 15 e 17 anos não frequentam a escola. O último levantamento, divulgado segunda-feira, aponta também que apenas 16% da população de 18 anos ou mais havia completado o ensino fundamental e somente 9,12% o ensino médio. Percentuais bem inferiores à média de Minas Gerais: 51,43% e 35,04%, respectivamente.