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SEGUNDA-FEIRA, 22 DE JULHO DE 2013
O esquema que saiu
dos trilhos
Um propinoduto
criado para desviar milhões das obras do Metrô e dos trens metropolitanos foi
montado durante os governos do PSDB em São Paulo. Lobistas e autoridades
ligadas aos tucanos operavam por meio de empresas de fachada
PROTEÇÃO GARANTIDA Os governos
tucanos de Mario Covas (abaixo), Geraldo Alckmin e José Serra (acima) nada
fizeram para conter o esquema de corrupção
Alan Rodrigues,
Pedro Marcondes de Moura e Sérgio PardellasAo assinar um acordo com o Conselho
Administrativo de Defesa Econômica (Cade), a multinacional alemã Siemens lançou
luz sobre um milionário propinoduto mantido há quase 20 anos por sucessivos
governos do PSDB em São Paulo para desviar dinheiro das obras do Metrô e dos trens
metropolitanos.
Em troca de imunidade civil e criminal para si e seus
executivos, a empresa revelou como ela e outras companhias se articularam na
formação de cartéis para avançar sobre licitações públicas na área de
transporte sobre trilhos.
Para vencerem concorrências, com preços
superfaturados, para manutenção, aquisição de trens, construção de linhas
férreas e metrôs durante os governos tucanos em São Paulo – confessaram os
executivos da multinacional alemã –, os empresários manipularam licitações e corromperam
políticos e autoridades ligadas ao PSDB e servidores públicos de alto escalão.
O problema é que a prática criminosa, que trafegou sem restrições pelas
administrações de Mario Covas, José Serra e Geraldo Alckmin, já era alvo de
investigações, no Brasil e no Exterior, desde 2008 e nenhuma providência foi
tomada por nenhum governo tucano para que ela parasse. Pelo contrário.
Desde
que foram feitas as primeiras investigações, tanto na Europa quanto no Brasil,
as empresas envolvidas continuaram a vencer licitações e a assinar contratos
com o governo do PSDB em São Paulo. O Ministério Público da Suíça identificou
pagamentos a personagens relacionados ao PSDB realizados pela francesa Alstom –
que compete com a Siemens na área de maquinários de transporte e energia – em
contrapartida a contratos obtidos.
Somente o MP de São Paulo abriu 15
inquéritos sobre o tema. Agora, diante deste novo fato, é possível detalhar
como age esta rede criminosa com conexões em paraísos fiscais e que teria
drenado, pelo menos, US$ 50 milhões do erário paulista para abastecer o
propinoduto tucano, segundo as investigações concluídas na Europa.
SUSPEITOS Segundo o ex-funcionário da
Siemens, Ronaldo Moriyama (foto menor), diretor da MGE, e Décio Tambelli, ex-diretor
do Metrô, integravam o esquema
As provas
oferecidas pela Siemens e por seus executivos ao Cade são contundentes. Entre
elas, consta um depoimento bombástico prestado no Brasil em junho de 2008 por
um funcionário da Siemens da Alemanha. ISTOÉ teve acesso às sete páginas da
denúncia. Nelas, o ex-funcionário, que prestou depoimento voluntário ao
Ministério Público, revela como funciona o esquema de desvio de dinheiro dos
cofres públicos e fornece os nomes de autoridades e empresários que
participavam da tramoia. Segundo o ex-funcionário cujo nome é mantido em
sigilo, após ganhar uma licitação, a Siemens subcontratava uma empresa para
simular os serviços e, por meio dela, realizar o pagamento de propina. Foi o
que aconteceu em junho de 2002, durante o governo de Geraldo Alckmin, quando a
empresa alemã venceu o certame para manutenção preventiva de trens da série
3000 da CPTM (Companhia Paulista de Transportes Metropolitanos). À época, a
Siemens subcontratou a MGE Transportes. De acordo com uma planilha de
pagamentos da Siemens obtida por ISTOÉ, a empresa alemã pagou à MGE R$ 2,8
milhões até junho de 2006. Desse total, pelo menos R$ 2,1 milhões foram sacados
na boca do caixa por representantes da MGE para serem distribuídos a políticos
e diretores da CPTM, segundo a denúncia. Para não deixar rastro da transação,
os saques na boca do caixa eram sempre inferiores a R$ 10 mil. Com isso, o
Banco Central não era notificado. “Durante muitos anos, a Siemens vem
subornando políticos, na sua maioria do PSDB, e diretores da CPTM.
A MGE é
frequentemente utilizada pela Siemens para pagamento de propina. Nesse caso,
como de costume, a MGE ficou encarregada de pagar a propina de 5% à diretoria
da CPTM”, denunciou o depoente ao Ministério Público paulista e ao ombudsman da
empresa na Alemanha. Ainda de acordo com o depoimento, estariam envolvidos no
esquema o diretor da MGE, Ronaldo Moriyama, segundo o delator “conhecido no
mercado ferroviário por sua agressividade quando se fala em subornar o pessoal
do Metrô de SP e da CPTM”, Carlos Freyze David e Décio Tambelli,
respectivamente ex-presidente e ex-diretor do Metrô de São Paulo, Luiz
Lavorente, ex-diretor de Operações da CPTM, e Nelson Scaglioni, ex-gerente de
manutenção do metrô paulista. Scaglioni, diz o depoente, “está na folha de
pagamento da MGE há dez anos”. “Ele controla diversas licitações como os
lucrativos contratos de reforma dos motores de tração do Metrô, onde a MGE
deita e rola”. O encarregado de receber o dinheiro da propina em mãos e
repassar às autoridades era Lavorente. “O mesmo dizia que (os valores) eram
repassados integralmente a políticos do PSDB” de São Paulo e a partidos
aliados. O modelo de operação feito pela Siemens por meio da MGE Transportes se
repetiu com outra empresa, a japonesa Mitsui, segundo relato do funcionário da
Siemens. Procurados por ISTOÉ, Moriyama, Freyze, Tambelli, Lavorente e
Scaglioni não foram encontrados. A MGE, por sua vez, se nega a comentar as
denúncias e disse que está colaborando com as investigações.
Além de
subcontratar empresas para simular serviços e servir de ponte para o desvio de
dinheiro público, o esquema que distribuiu propina durante os governos do PSDB
em São Paulo fluía a partir de operações internacionais. Nessa outra vertente
do esquema, para chegar às mãos dos políticos e servidores públicos, a propina
circulava em contas de pessoas físicas e jurídicas em paraísos fiscais. Uma
dessas transações contou, de acordo com o depoimento do ex-funcionário da
Siemens, com a participação dos lobistas Arthur Teixeira e Sérgio Teixeira,
através de suas respectivas empresas Procint E Constech e de suas offshores no
Uruguai, Leraway Consulting S/A e Gantown Consulting S/A. Neste caso
específico, segundo o denunciante, a propina foi paga porque a Siemens, em
parceria com a Alstom, uma das integrantes do cartel denunciado ao Cade, ganhou
a licitação para implementação da linha G da CPTM. O acordo incluía uma
comissão de 5% para os lobistas, segundo contrato ao qual ISTOÉ teve acesso com
exclusividade, e de 7,5% a políticos do PSDB e a diretores da área de
transportes sobre trilho. “A Siemens AG (Alemanha) e a Siemens Limitada
(Brasil) assinaram um contrato com (as offshores) a Leraway e com a Gantown
para o pagamento da comissão”, afirma o delator. As reuniões, acrescentou ele,
para discutir a distribuição da propina eram feitas em badaladas casas noturnas
da capital paulista. Teriam participado da formação do cartel as empresas
Alstom, Bombardier, CAF, Siemens, TTrans e Mitsui. Coube ao diretor da Mitsui,
Masao Suzuki, guardar o documento que estabelecia o escopo de fornecimento e os
preços a serem praticados por empresa na licitação.
Além de subcontratar empresas que
serviram de ponte para o desvio de dinheiro público, o esquema valeu-se de operações
em paraísos fiscais. Os depoimentos obtidos por ISTOÉ vão além das
investigações sobre o caso iniciadas há cinco anos no Exterior. Em 2008,
promotores da Alemanha, França e Suíça, após prender e bloquear contas de
executivos do grupo Siemens e da francesa Alstom por suspeita de corrupção,
descobriram que as empresas mantinham uma prática de pagar propinas a
servidores públicos em cerca de 30 países. Entre eles, o Brasil. Um dos nomes
próximos aos tucanos que apareceram na investigação dos promotores foi o de
Robson Marinho, conselheiro do Tribunal de Contas do Estado (TCE) nomeado pelo
então governador tucano Mário Covas. No período em que as propinas teriam sido
negociadas, Marinho trabalhava diretamente com Covas. Proprietário de uma ilha
paradisíaca na região de Paraty, no Rio de Janeiro, Marinho foi prefeito de São
José dos Campos, ocupou a coordenação da campanha eleitoral de Covas em 1994 e
foi chefe da Casa Civil do governo do Estado de 1995 a abril de 1997. Numa
colaboração entre promotores de São Paulo e da Suíça, eles identificaram uma
conta bancária pertencente a Marinho que teria sido abastecida pela francesa
Alstom. O MP bloqueou cerca de US$ 1 milhão depositado. Marinho é até hoje alvo
do MP de São Paulo. Procurado, ele não respondeu ao contato de ISTOÉ. Mas,
desde que estourou o escândalo, ele, que era conhecido como “o homem da
cozinha” – por sua proximidade com Covas –, tem negado a sua participação em
negociatas que beneficiaram a Alstom.
Entre as revelações
feitas pela Siemens ao Cade em troca de imunidade está a de que ela e outras
gigantes do setor, como a francesa Alstom, a canadense Bombardier, a espanhola
CAF e a japonesa Mitsui, reuniram-se durante anos para manipular por meios
escusos o resultado de contratos na área de transporte sobre trilhos. Entre as
licitações envolvidas sob a gestão do PSDB estão a fase 1 da Linha 5 do Metrô
de São Paulo, as concorrências para a manutenção dos trens das Séries 2.000,
3.000 e 2.100 da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM) e a extensão
da Linha 2 do metrô de São Paulo. Também ocorreram irregularidades no Projeto
Boa Viagem da CPTM para reforma, modernização e serviço de manutenção de trens,
além de concorrências para aquisição de carros de trens pela CPTM, com previsão
de desenvolvimento de sistemas, treinamento de pessoal, apoio técnico e serviços
complementares.
Com a formação do
cartel, as empresas combinavam preços e condicionavam a derrota de um grupo
delas à vitória em outra licitação também superfaturada. Outra estratégia comum
era o compromisso de que aquela que ganhasse o certame previamente acertado
subcontratasse outra derrotada. Tamanha era a desfaçatez dos negócios que os
acordos por diversas vezes foram celebrados em reuniões nos escritórios das
empresas e referendados por correspondência eletrônica. No início do mês, a
Superintendência-Geral do Cade realizou busca e apreensão nas sedes das
companhias delatadas. A Operação Linha Cruzada da Polícia Federal executou
mandados judiciais em diversas cidades em São Paulo e Brasília. Apenas em um
local visitado, agentes da PF ficaram mais de 18 horas coletando documentos. Ao
abrir o esquema, a Siemens assinou um acordo de leniência, que pode garantir à
companhia e a seus executivos isenção caso o cartel seja confirmado e
condenado. A imunidade administrativa e criminal integral é assegurada quando
um participante do esquema denuncia o cartel, suspende a prática e coopera com
as investigações. Em caso de condenação, o cartel está sujeito à multa que pode
chegar a até 20% do faturamento bruto. O acordo entre a Siemens e o Cade vem
sendo negociado desde maio de 2012. Desde então, o órgão exige que a
multinacional alemã coopere fornecendo detalhes sobre a manipulação de preços
em licitações.
Só em contratos com
os governos comandados pelo PSDB em São Paulo, duas importantes integrantes do
cartel apurado pelo Cade, Siemens e Alstom, faturaram juntas até 2008 R$ 12,6
bilhões. “Os tucanos têm a sensação de impunidade permanente. Estamos
denunciando esse caso há décadas. Entrarei com um processo de improbidade por
omissão contra o governador Geraldo Alckmin”, diz o deputado estadual do PT
João Paulo Rillo. Raras vezes um esquema de corrupção atravessou incólume por
tantos governos seguidos de um mesmo partido numa das principais capitais do
País, mesmo com réus confessos – no caso, funcionários de uma das empresas
participantes da tramoia, a Siemens –, e com a existência de depoimentos
contundentes no Brasil e no Exterior que resultaram em pelo menos 15 processos
no Ministério Público. Agora, espera-se uma apuração profunda sobre a teia de
corrupção montada pelos governos do PSDB em São Paulo. No Palácio dos
Bandeirantes, o governador Geraldo Alckmin disse que espera rigor nas
investigações e cobrará o dinheiro que tenha sido desviado dos cofres públicos.
Montagem sobre foto de:
Carol
Guedes/Folhapress (abre);
FOTOS: RICARDO STUCKERT;
Folhapress;
EVELSON DE FREITAS/AE
Fonte: Isto É
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