segunda-feira, 29 de julho de 2013

COM MUITA PROPRIEDADE, SENADOR CRISTOVAM BUARQUE:

Caiu a ficha de
quanto a vida está inviável

Cristovam Buarque
As surpreendentes mobilizações dos últimos dias podem ser explicadas em dez letras: “caiu a ficha”. Não se sabe exatamente o que levou a ficha a cair neste exato momento, mas todos os ingredientes já estavam dados. A maior surpresa foi a surpresa.

Caiu a ficha de que o Brasil ficou rico sem caminhar para a justiça: chegou à sexta potência econômica, mas continua sendo um dos últimos na ordem da educação mundial. Também caiu a ficha de que, sem educação, não há futuro, e de que, por isso, 13 anos depois de criada, o Bolsa Família continua necessário, sem abolir sua necessidade.
Caiu a ficha de que, em 20 anos de governos social-democratas e dez anos do PT no poder, ampliamos o consumo privado, mas mantivemos a mesma tragédia nos serviços sociais, nos hospitais públicos e nas escolas públicas. Caiu a ficha de que o aumento no número de automóveis em nada melhora o transporte, ao contrário, piora o tempo de deslocamento e o endividamento das famílias. Caiu a ficha de que o PIB não está crescendo e, se crescesse, não melhoraria o bem-estar e a qualidade de vida.
Caiu a ficha do repetido sentimento de que a corrupção não apenas é endêmica, ela é aceita; e os corruptos, quando identificados, não são julgados; e se julgados não são presos; e se presos não devolvem o roubo. E de que os políticos no poder desprezam as repetidas manifestações de vontade popular.
Caiu a ficha de que o povo paga a construção de estádios, mas não pode assistir aos jogos. E de que a Copa não vai trazer benefícios na infraestrutura urbana das cidades-sede, como foi prometido. Aos que viajam ao exterior, caiu a ficha da péssima qualidade de nossas estradas, aeroportos e transporte público.
Caiu a ficha de que somos um país em guerra civil, onde 100 mil morrem por ano por assassinato direto ou indireto no trânsito.
Caiu a ficha também de que as mobilizações não precisam mais de partidos que organizem, de jornais que anunciem, de carros de som que conduzam, porque o povo tem o poder de se autoconvocar por meio das mídias sociais.
A praça hoje é do tamanho da rede de internet, e é possível sair das ruas sem parar as manifestações e voltar a marchar a qualquer momento. Na prática, caiu a ficha de que é fácil fazer guerrilha cibernética: cada pessoa é capaz de mobilizar milhares de outras de um dia para o outro em qualquer cidade do país.
Mas, entre os dirigentes nacionais, ainda não caiu a ficha de que mais de 2 milhões de pessoas nas ruas não se contentam com menos do que uma revolução. Mais de 2 milhões não param por apenas R$ 0,20 nas passagens de ônibus. Eles já ouvem as ruas, mas ainda não entendem o idioma da indignação. Nem caiu a ficha de que só manifestações não bastam. É preciso fazer uma revolução na estrutura, nos métodos e nas organizações da política no Brasil: definir como eleger os políticos, como eles agirão, como fiscalizá-los e puni-los.