domingo, 12 de janeiro de 2014

DIANTE DA ESCOLHA E POSTAGENS DESTES ARTIGOS ABAIXO DE EUGÊNIO BUCCI E CARLOS ALBERTO DI FRANCO, DOIS EXPOENTES DO JORNALISMO BRASILEIRO, GOSTARIA QUE OS CONGÊNERES DO NOSSO ESTADO DE MINAS GERAIS E DA NOSSA CIDADE ARAXÁ, AVOCASSEM À SI O ALTRUÍSMO NESTA ÉPOCA DE TANTOS DESMANDOS, DESPOTISMOS E CORRUPÇÃO EM QUE À TODOS NÓS BRASILEIROS ESTAMOS AFETOS.


opinião
09 de janeiro de 2014
A hora e a vez da
imprensa apartidária

Eugênio Bucci* - O Estado de S.Paulo

Com a aproximação das eleições, ganha estridência o embate polarizado entre os cabos eleitorais de uns e outros. Nada mais natural, nada mais previsível - e nada mais medíocre. 
Quando rótulos ideológicos se convertem em xingamentos, a escalada de ofensas não apenas não esclarece coisa nenhuma, como agrava a confusão geral, além de incentivar a idolatria dos salvadores da Pátria e o irracionalismo ensandecido. 
É num ambiente assim, pautado por fanatismos - às vezes forjados, outras vezes sinceros -, que autoridades condenadas por crimes de corrupção podem ser endeusadas como se fossem figuras heroicas (o que se vê nas franjas da candidatura de Dilma Rousseff) e que notórios coletores de propinas são rifados como se nunca tivessem feito parte da agremiação (postura mais ou menos endêmica nas hostes tucanas).
A guerra eleitoral tem disso, sempre teve disso, mas, convenhamos, onde a polarização desembestada dá as cartas, fenece a utopia iluminista segundo a qual o livre debate de ideias seria capaz de gerar a luz, a razão e a verdade. 
Entregues aos cabos eleitorais e às propagandas partidárias, as eleições não passariam jamais de uma luta de morte entre mentiras descomunais, dotadas de efeitos especiais, ainda que eventualmente motivadas por boas intenções. Se as eleições são melhores do que isso - e elas têm sido -, o mérito é, ao menos em parte, da imprensa.
Por não ter parte com a lógica interna dos partidos, a imprensa deveria ser capaz de convidar o eleitor a pôr os pés no chão e avaliar a procedência de cada um dos argumentos, a viabilidade de cada proposta, a sustentabilidade de cada estratégia, ajudando a sociedade a separar as pirotecnias verbais das ações realmente possíveis para um mandato no Poder Executivo. 
Onde as candidaturas procuram beneficiar-se das paixões, do encantamento e da devoção - emoções naturais, repita-se, nas disputas democráticas - a imprensa cumpriria o seu papel se procurasse iluminar o que há de factível nos sonhos bons e nas bravatas perversas. 
Enquanto os candidatos tendem a inflar em si mesmos e nos seus seguidores a capacidade de mudar o mundo, ou, pelo menos, o País, os jornalistas deveriam ocupar-se de alertar o público para as inviabilidades e para os méritos das conclamações eleitoreiras. 
Se o candidato - tomemos o exemplo de Barack Obama - pode legitimamente embarcar no slogan "Yes, we can", a imprensa deveria levantar a mão, na hora, e perguntar: 
Mas com que dinheiro? 
Com que legislação? 
Com que servidores públicos?
Numa eleição como a que se aproxima, podemos experimentar diretamente o valor de uma redação verdadeiramente apartidária. 
O serviço público que ela pode prestar é, numa palavra, inestimável. A pergunta, então, passa a ser a seguinte: a imprensa brasileira está à altura desse dever institucional? Ela é apartidária? Ou melhor, existem núcleos de fato independentes dentro da vasta instituição da imprensa no Brasil? 
E esses núcleos conseguem imprimir, inspirar e liderar os padrões de qualidade do debate público, exigindo dos postulantes a cargos eletivos um ordenamento de propostas factível e verificável?
As respostas para isso estão em aberto. Os principais órgãos informativos do Brasil terão de provar, agora, em 2014, que são dignos da função que a democracia lhes reserva. E não será fácil provar. Se você quiser alguns indicadores para saber se a prova está sendo feita (ou não), aí vão eles:
A cobertura do julgamento do mensalão tucano terá de ser tão detalhista e obstinada como foi a do mensalão do PT.
A separação entre as páginas de opinião e as páginas de reportagens factuais terá de ser administrada com um zelo paranoico.
A origem de recursos de cada projeto de cada programa de governo deverá ser verificada no nível do centavo, uma vez por semana (no mínimo).
O espaço (objetivo) e a ênfase (que envolve elementos valorativos) dados a cada candidato majoritário deverão obedecer a critérios de proporcionalidade claros, públicos e verificáveis.
A propósito: qual o plano de cobertura eleitoral de cada veículo jornalístico? Você conhece? Quais as perguntas centrais para cada um? Como você, eleitor, poderá comparar as declarações entre os vários candidatos sobre os mesmos tópicos? Como você poderá verificar de que forma os interesses dos principais doadores se refletem nas propostas de cada candidatura?
O ano de 2014 se abre como um desafio do tamanho do mundo para a imprensa brasileira. Os veículos que se renderem ao comodismo de atuar como panfletos apontados contra os inimigos dos amigos verão a sua credibilidade minguar ainda mais. 
Os que insistirem em recusar o pluralismo e em contrabandear opinião (e preconceitos) sob o disfarce de informação objetiva perderão terreno e perderão lugar - e isso não no futuro longínquo, mas no ano que vem. Os que acreditam que ainda podem adotar dois pesos e duas medidas sem que ninguém perceba ficarão falando sozinhos. Hoje as pessoas do público sabem tanto quanto o jornalista. Estão vendo tudo. 
Os reizinhos da imprensa estão nus, ridiculamente nus. A cada dia mais, o que separa o jornalista profissional do cidadão genérico não é mais a quantidade de informação que o primeiro guarda sem que o segundo saiba. 
O que distingue o jornalista, atualmente, é a capacidade - e o dever - de lançar perguntas a partir de um ponto de vista independente, que não se deixa inibir pela agenda posta pelos partidos. 
O público vai rechaçar, cada vez mais, os renitentes que procuram, por meio de subterfúgios e campanhas difamatórias, direcionar indevidamente a formação da opinião pública, para entregar vantagens impróprias aos amigos.
O desafio está posto. Está aí, na cara de todos nós. Haverá quem finja que ele não existe. Esperemos que alguns, pelo menos alguns, tenham a lucidez de enfrentá-lo com boa-fé e desprendimento.
*Eugênio Bucci é jornalista e professor da ECA-USP e da ESPM. 

DO BLOGUEIRO: OS GRIFOS NO TEXTO SÃO DE MINHA INTENÇÃO.


06 de janeiro de 2014
Jornalismo
é contraponto

Carlos Alberto Di Franco* O Estado de S.Paulo

Entramos em ano eleitoral. Campanhas milionárias, promessas surrealistas e imagens produzidas fazem parte do marketing dos políticos. 
Assiste-se, frequentemente, a um show de efeitos especiais capazes de seduzir o grande público, mas, no fundo, vazio de conteúdo e carente de seriedade.
O marketing, ferramenta importante para a transmissão da verdade, pode ser transformado em instrumento de mistificação. Os programas eleitorais, mais uma vez, venderão uma bela embalagem, mas, de fato, tentarão fugir da discussão das ideias. Nós, jornalistas, somos (ou deveríamos ser) o reverso a essa tendência.
Jornalismo é contraponto. Cabe-nos a missão de rasgar a embalagem e desnudar os candidatos. Só nós, estou certo, podemos minorar os efeitos perniciosos de um espetáculo audiovisual que, certamente, não contribui para o fortalecimento de uma democracia verdadeira e amadurecida.
Por isso uma cobertura eleitoral de qualidade é, antes de mais nada, uma questão de foco. É preciso declarar guerra ao jornalismo declaratório e assumir, efetivamente, a agenda do cidadão. Não basta um painel dos candidatos, é preciso cobrir a fundo as políticas públicas que mexem com a vida das pessoas. É importante fixar a atenção não nos marqueteiros e em suas estratégias de imagem, mas na consistência dos programas de governo.
O nosso papel é ouvir as pessoas, conhecer suas queixas, identificar suas carências e cobrar soluções dos candidatos. Não se pode permitir que as assessorias de comunicação dos políticos definam o que deve ou não ser coberto. O centro do debate tem de ser o cidadão, as políticas públicas, não mais o político, tampouco a própria imprensa. Na prática, não obstante a teoria da agenda-setting (Maxwell McCombs e Donald Shaw, formuladores da hipótese, afirmam que o debate público é determinado pelas pautas dos jornalistas) atribuir à imprensa uma influência decisiva na determinação da agenda do público, tal poder, de fato, passou a ser exercido pelos políticos. O jornalismo de aspas, pobre e simplificador, repercute o Brasil oficial, mas oculta a verdadeira dimensão do País real. Precisamos fugir do espetáculo e fazer a opção pela informação. Só assim, com equilíbrio e didatismo, conseguiremos separar a notícia do lixo declaratório.
Outros desvios éticos podem comprometer a qualidade da cobertura eleitoral. Sobressai, entre eles, o perigoso jornalismo de dossiê. Os riscos de instrumentalização da imprensa são evidentes. Os protagonistas do teatro político não medirão esforços para fazer a mídia, à sua revelia, destilar veneno nos seus adversários. Por isso é preciso revalorizar, e muito, as clássicas perguntas que devem ser feitas a qualquer repórter que cumpre uma pauta investigativa: checou? Tem provas? A quem interessa essa informação? Trata-se de eficiente terapia no combate ao vírus da leviandade.
O esforço de isenção, no entanto, não se confunde com a omissão. O leitor espera uma imprensa combativa, disposta a exercer seu intransferível dever de denúncia. A sociedade quer um quadro claro, talvez um bom infográfico, que lhe permita formar um perfil dos candidatos: seus antecedentes, sua evolução patrimonial, seu desempenho em cargos atuais e anteriores, etc. Impõe-se também um bom levantamento das promessas de campanha. É preciso mostrar os eventuais descompassos entre o discurso e a realidade. Trata-se, no fundo, de levar adiante um bom jornalismo de serviço.
Os políticos, pródigos em soluções de palanque, não costumam perder o sono com o rotineiro descumprimento da palavra empenhada. Afinal, para muitos deles, infelizmente, a política é a arte do engodo. Além disso, contam com a amnésia coletiva. O jornalismo de qualidade deve assumir o papel de memória da cidadania. Precisamos falar do futuro, dos projetos e dos planos de governo. Mas precisamos também falar do passado, das incoerências e das ambiguidades.
Armação da imprensa.
Distorção da mídia.
Patrulhamento de jornalista.

Quantas vezes, caro leitor, você registrou essas reações nas páginas dos jornais? Inúmeras, estou certo. 


Recentemente, um condenado do mensalão se referiu à imprensa que desencadeia a pressão popular contra homens públicos aéticos e governantes corruptos comparando-a, com cinismo, à "ditadura militar". 


Tais declarações, característica de políticos apanhados com a boca na botija, não devem preocupar. Afinal, todos, independentemente do seu colorido ideológico, procuram o bode expiatório para justificar seus crimes, deslizes e malfeitos. A culpa é da imprensa! O grito é uma manifestação de desprezo pela verdade.
Personalidades públicas, inúmeras, têm procurado usar a mídia. Afirmam e depois, cinicamente, desmentem o que afirmaram. Nós não podemos ficar reféns desse jogo. Os meios de comunicação existem para incomodar. Um jornalismo cor-de-rosa é socialmente irrelevante. A imprensa, sem precipitação e injustos prejulgamentos, tem o dever de desempenhar importante papel na recuperação da ética na vida pública. Nosso compromisso não é com as celebridades, mas com a verdade, com a informação bem apurada, com os leitores. E nada mais.
O Brasil está passando por uma profunda mudança cultural. A corrupção, infelizmente, sempre existirá. Mas uma coisa é a miséria do homem e outra, totalmente diferente, é a indústria da corrupção que está aí. Esta, sem dúvida, deve e pode ser combatida com os instrumentos de uma sociedade civilizada. Transparência nos negócios públicos, ética e competência são as principais demandas da sociedade. Memória e voto consciente compõem a melhor receita para satisfazê-las.
*Carlos Alberto Di Franco é doutor em comunicação pela Universidade de Navarra e diretor do departamento de comunicação do Instituto Internacional de Ciências Sociais. 
E-mail: difranco@iics.org.br.