25 DE JANEIRO DE 2014
CRISTOVAM BUARQUE
DEPOIS DOS ROLEZINHOS
DEPOIS DOS ROLEZINHOS
Graças à internet, os rolezinhos desnudam o sistema de
apartação implícita, sem leis. Quem não quiser conviver com os shoppings ou com
as redes sociais
deverá mudar de planeta ou viajar para o passado
Os
rolezinhos têm sido tratados como um tema cultural: o porquê de os jovens
preferirem agitar shoppings, tirando a tranquilidade dos frequentadores e
trabalhadores, em vez de praticarem outras atividades juvenis, tais como
namoro, estudo, esporte, arte ou mesmo consumo. E as soluções propostas têm
sido baseadas na esfera legal e policial. Não se viu um debate sobre as
causas estruturais que permitiram estas mobilizações aflorarem: os shoppings e
a internet.
Os shoppings ofereciam a
natural busca de conforto nos trópicos e a necessária proteção em uma sociedade
violenta nas ruas, mas também a disfarçada segregação social que caracteriza o
Brasil. Independentemente das causas que levam os jovens aos rolezinhos, eles
não ocorreriam sem estes dois fatos irreversíveis na realidade: a existência de
shoppings e a disponibilidade da rede social. Sem os shoppings, não haveria
como ocupá-los, sem as redes não haveria como fazê-lo.
A sociedade tem três alternativas: conviver com os rolezinhos
como uma prática cultural, um carnaval fora de época e lugar; oferecer outras
diversões aos jovens; ou buscar solução na explicitação da apartação, com leis
que escolham os frequentadores. Esta medida será indecente moralmente e
ineficiente socialmente. Ainda se consegue fazer isso nos clubes, condomínios,
escolas de qualidade e hospitais caros, mas em shopping será impossível
justificar moralmente tal medida. Além disso, as soluções policiais pela força,
cercando shoppings, ou pela espionagem, bisbilhotando as redes sociais, serão
impossíveis.
Até recentemente, a segregação se fazia com a conivência dócil
dos excluídos, como se dizia então: os negros e os pobres sabem seus lugares.
Não era necessário, como na África do Sul, explicitar em leis as calçadas e os
banheiros só para brancos. No Brasil, a separação era automática, cada um sabia
seu lugar. Com o aumento da população urbana, foi preciso separar fisicamente
as classes, nos shoppings e condomínios, com cercas e crachás, mas ainda sem
necessidade da explicitação em leis. Antes houve propostas para proibir
legalmente a entrada de imigrantes indesejados, mas bastava a apartação
descrita no livro: “O que é apartação, o apartheid social brasileiro”, de 1994.
Graças à internet, os rolezinhos desnudam o sistema de apartação
implícita, sem leis. Quem não quiser conviver com os shoppings ou com as redes
sociais deverá mudar de planeta ou viajar para o passado. Daqui para frente, os
shoppings existirão e terão um papel positivo no conforto social, mas a
“guerrilha cibernética” é uma realidade com a qual vamos conviver. Ou assume-se
a segregação explícita, ou promove-se a miscigenação social.
E, para isso, o caminho é a escola. A segregação racial se fez
nas alcovas, a segregação social se faz nas escolas. O único caminho decente e
sustentável para o bom funcionamento dos espaços urbanos é a promoção da escola
de qualidade em horário integral, com ofertas culturais para os jovens.