O PT seria espancado se pregasse o cesarismo
anunciado por Beto Albuquerque.
Embora não tenha
sido bem clara sobre a natureza de suas preocupações com propostas do programa
de governo de Marina Silva, a presidente Dilma indicou que seus temores são
relacionados com a economia: a instabilidade, a desindustrialização, a quebra
da matriz energética e derivados.
Relativamente à
economia, Marina já ajoelhou e beijou a cruz para o mercado. Vem dizendo o que
o setor financeiro, a indústria e até o agronegócio querem ouvir, contrariando
o próprio discurso recente. Já se comprometeu com o tripé câmbio livre-metas de
nflação-superavit, prometeu o BC independente. O risco maior do governo de uma
candidata que na prática não tem partido político, está alojada em uma sigla de
baixa densidade e expressão e vem se revelando avessa às coalizões, num
presidencialismo que não pode prescindir delas, é fundamentalmente político.
Como destaca o
Brasil247, o vice de Marina, deputado Beto Albuquerque, fez ontem as
declarações mais graves de toda a campanha eleitoral. Se Lula, Dilma ou
qualquer candidato petista pregasse algo parecido com o que disse o vice de
Marina Silva, Beto Albuquerque, estariam sendo espancados verbalmente e
chamados de “populistas”, “chavistas”, “bolivarianistas” e outros “istas” que
podem ser resumidos pela categoria “cesarista”: governante que, como os césares
de Roma, dispensa a mediação dos partidos e das instituições e procura se
entender diretamente com o povo.
Se a “nova
política” que Marina e PSB pregam descambar para a “anti-política” anunciada
ontem por Beto, estamos feitos: “Depois de eleger Marina, temos de ir para as
ruas e dar a ela a cobertura para que possa exigir do Congresso as mudanças
necessárias ao país”, disse o companheiro de chapa.
Todos os
governantes que tentaram peitar o Congresso, desde a monarquia parlamentar de
Dom Pedro, deram-se mal. Exceto os ditadores: Vargas no Estado Novo e os
militares no pós-64. Washington Luís foi varrido pela Revolução de 30, Jânio
renunciou e não voltou, Collor levou o impeachment. Jango, sem maioria
parlamentar, foi “tolerado” até o momento em que, no comício da Central, em 13
de março, apelou ao povo para que o ajudasse a aprovar as reformas pressionando
o Congresso. Veio o golpe.
A coalizão que
apoia Marina, composta basicamente por PSB e PPS, hoje tem 30 deputados: 24 do
PSB e seis do PPS. Se as duas bancadas dobrarem de tamanho no pleito do dia 5,
pela força do efeito-Marina, serão 60. Ah, “mas eu vou governar com os melhores
de cada partido”, tem dito ela, falando especificamente em “melhores do PT e do
PSDB”. Indivíduos não formam coalizões nem garantem maiorias.
Para chegar aos 257
deputados na Câmara, sem o quê ninguém governa, ela teria que recorrer ao que
chama de velha política: fazer alianças, compartilhar o poder, ceder cargos e
negociar as políticas a serem votadas. Estará Marina disposta a isso? Beto
informa que preferem apelar às ruas para dobrar o Congresso.
O PSDB bem sabe o
que significa a falta de estrutura e base política para governar. Mesmo sabendo
que ganharia a eleição de 1994 com a força do Real, Fernando Henrique tratou de
firmar aliança com o PFL. Estava certo, o PFL foi importante para a sua
governabilidade. Agora, boa parte dos tucanos “marinam” discretamente
acreditando que o governa lhes cairia no colo. Ainda assim, o PSDB hoje é um
partido de 44 deputados. Se dobrar a bancada, uma coligação PSB-PPS-PSDB ainda
estará longe da maioria. Os outros teriam que ser coagidos pelas ruas.
Afora o Congresso,
a estabilidade política exige capacidade de negociar também com os diferentes
segmentos da sociedade civil: empresários, sindicatos, corporações etc. Marina
tem dito que quer “ouvir”. Sua mecenas Neca Setúbal diz que ela difere de Dilma
porque ouve. Ouvir é uma coisa, negociar e conciliar é outra. Na hora dos
confrontos de força e interesse, ela cederá ou chamará o povo?
“Perco o pescoço
mas não perco o juízo”, disse Marina quando trombou definitivamente com o
Governo Lula, recusando-se a flexibilizar posições do Ministério do Meio
Ambiente em relação às licenças para acelerar as obras de construção das
hidrelétricas da Amazônia, fundamentais para aumentar a oferta de energia.
Se na Presidência
ela repetir e praticar este bordão, estará mesmo arriscando o pescoço. Mas não
será só o dela. Será o nosso, o da democracia que os brasileiros vêm
construindo, com todos os vícios e virtudes de nosso sistema político, que
precisa mesmo de reformas, mas dentro da normalidade institucional, pela via da
negociação.
Um presidente que
sai forte das ruas deve aproveitar o momento em que transpira força e
legitimidade para conduzi-la. Fernando Henrique, Lula e Dilma perderam o
“timing”, a lua de mel passou, não deram prioridade à reforma política. Depois
já era tarde. Mas o que Beto Albuquerque anuncia é outra coisa. É o cesarismo,
com qualquer nome contemporâneo que se queira lhe dar.
Tereza Cruvinel atua no jornalismo político desde 1980, com passagem por diferentes veículos. Entre 1986 e 2007, assinou a coluna “Panorama Político”, no Jornal O Globo, e foi comentarista da Globonews. Implantou a Empresa Brasil de Comunicação - EBC - e seu principal canal público, a TV Brasil, presidindo-a no período de 2007 a 2011. Encerrou o mandato e retornou ao colunismo político no Correio Braziliense (2012-2014). Atualmente, é comentarista da RedeTV e agora colunista associada ao Brasil 247.
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