em
09/09/2014 na edição 815
LEITURAS DE ‘VEJA’ & ASSOCIADOS
‘Pool’ da delação
compromete isenção da mídia
Por Alberto Dines
A
delação premiada é recurso legítimo para apressar o processo penal. Pressupõe o
respeito a algumas exigências, a principal é o sigilo absoluto.
A
divulgação do teor das confissões põe em risco a vida do próprio acusado ou de
seus cúmplices, facilita a destruição de provas e estimula a fuga dos
delatados. Desrespeitada a cláusula do sigilo, o pacto da delação corre o risco
de ser invalidado a pedido de uma das partes, do Ministério Público ou da
Justiça.
Veja deveria
ter pensado nisso antes de publicar no formato de reportagem o resumo das 42
horas de gravação do depoimento na Polícia Federal do ex-diretor de
Abastecimento da Petrobras, Paulo Roberto Costa.
A paranóia sensacionalista pelo “furo”
pode produzir efeitos adversos, inclusive beneficiar a fonte do vazamento.
Na “Carta ao Leitor” da edição 2390 (de
10/9, pág.13), o responsável pela revista, sem identificar-se, procura atribuir
a responsabilidade aos “delegados da PF e procuradores [do MP]”.
Puro despiste, visível cortina de fumaça.
Delegados ou procuradores seriam
facilmente identificáveis; o tal resumo estava pronto, serviu de base para as
tais 42 horas de interrogatórios e foi oferecido como brinde à Veja. Nele estão nomeados 12
personagens, entre eles um ministro, dois ex-governadores, deputados, senadores
e a cúpula do Legislativo federal. É apenas uma amostra – a revista menciona a
presença de um número bem maior de figurões: três governadores, seis senadores
e 25 deputados.
Padrões
indesejáveis
Na realidade não houve vazamento, houve
troca de favores. Razões não faltam: a) chantagem para garantir maiores
benefícios penais ao delator; b) advertência para dissuadir os interessados em
“apagar” Paulo Roberto Costa; e, c) interromper o processo da delação,
adiando-o para depois das eleições.
Veja aprendeu
a correr riscos e fez uma escolha. Inconcebível e indesculpável é que o grosso
da grande imprensa tenha embarcado cegamente numa perigosa aventura em que o
seu prestígio e credibilidade podem ficar seriamente comprometidos.
Com o grosseiro compartilhamento de
informações desprovido de qualquer complemento investigativo, a fina flor da
nossa mídia atrelou-se a um modus
operandi que em seminários e
ágapes corporativos geralmente desaprova.
Nivelou-se por baixo sem constrangimento
e sem vacilações.
O pool formado no último fim de semana a
reboque de Veja confirma uma vocação concentradora de
nossa imprensa incompatível com o conceito de pluralismo e justifica as
cruzadas xiitas contra o PIG, Partido da Imprensa Golpista.
A
sucessão de escândalos envolvendo a Petrobras não pode servir de paradigma para
um vale-tudo que empurra o nosso jornalismo para os padrões das redes sociais,
e dos quais dificilmente se libertará.
Para depois
Foram imediatas as reações ao material
divulgado por Veja & Associados. Já no domingo (7/9),
PT e o PSB exigiram acesso ao texto da delação.
No dia seguinte foi a vez da Petrobras e
das duas CPI do Congresso.
Dificilmente conseguirão quebrar o sigilo
de um processo de delação acompanhado pela Procuradoria Geral da República e
pelo Supremo Tribunal Federal.
Mas podem adiar a sua conclusão para
depois das eleições.