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21 DE OUTUBRO DE 2014
ALTMAN:
“AÉCIO DEIXARIA O
BRASIL SEM SAPATOS”
Jornalista diz que candidato do PSDB "não deixa dúvidas que gostaria de dar um cavalo de pau na política internacional estabelecida pelo PT"; sob a gestão de FHC, segundo o colunista, ela "funcionava como apêndice dos interesses norte-americanos", mas teve esse processo interrompido quando Lula assumiu o poder; "Abriu-se espaço para uma outra estratégia de crescimento, na qual o Brasil tornou-se peça decisiva", ressalta; Breno Altman resgata o episódio em que o diplomata do governo tucano Celso Lafer tirou os sapatos ao chegar aos EUA, diante de exigências das autoridades de segurança, aceitando assim "o ultraje colonial contra o país que deveria representar com altivez", para dizer que Aécio Neves pretende fazer o mesmo com o governo brasileiro; leia a íntegra
BRENO ALTMAN
Ideias, debates e confrontos
O diplomata Celso Lafer, chanceler durante o governo
Fernando Henrique Cardoso, teve seus minutos de fama em 2002. Diante de
exigências das autoridades de segurança, ao chegar nos Estados Unidos em missão
oficial, o ministro tucano tirou os sapatos. De meias, aceitou o ultraje
colonial contra o pais que deveria representar com altivez.
Este episódio virou
símbolo de uma época.
A política internacional brasileira funcionava como
apêndice dos interesses norte-americanos, submetida à estratégia econômica do
governo tucano.
A dinâmica do desenvolvimento não era determinada pela
expansão do mercado interno, mas pela atração incondicional de capitais
internacionais.
Privatizações e juros estratosféricos eram os principais
elementos financeiros de sedução. Uma diplomacia submissa, sem sapatos, o
instrumento político para conquistar o favorecimento das potências ocidentais.
O Brasil, naquela época, tinha como principal projeto a
integração na Área de Livre Comércio das Américas, a ALCA. Proposto pela Casa
Branca, esse bloco eliminaria todas as barreiras alfandegárias e
extra-alfandegárias nos mercados ao sul do Rio Grande, com exceção de Cuba.
A indústria norte-americana, beneficiada pela capacidade
tecnológica e o poderio financeiro, ganharia um novo mercado com 500 milhões de
consumidores potenciais, além de acesso mais fácil a matérias-primas e
mão-de-obra barata. As demais nações consolidariam um perfil extrativista e
agroexportador.
Tal modelo, calcado no aprofundamento dos laços de
dependência, era de interesse do agronegócio e do capital financeiro local. O
primeiro grupo lucraria com a abertura comercial. O segundo, com a
intermediação de negócios, o crédito ao consumo e o financiamento das trocas
internacionais. Estas eram, e continuam sendo, as frações de classe mais
vinculadas ao PSDB.
Alguns setores industriais conseguiriam sobreviver, mas o
Brasil estaria condenado a perder sua cadeia produtiva, vítima da
desnacionalização, com a exportação de empregos industriais para o norte do
continente. Mesmo a agricultura de alimentos, menos competitiva que a de grãos,
estaria sob perigo de sucumbir às grandes corporações.
Iniciativas regionais
Este processo foi bloqueado com a eleição de Hugo Chávez e
Lula, logo seguida por novas vitórias progressistas na América Latina. A ALCA
foi fulminada no novo cenário. Abriu-se espaço para uma outra estratégia de
crescimento, na qual o Brasil tornou-se peça decisiva.
Talvez em nenhuma outra questão foi tão profunda a mudança
conduzida pelas administrações petistas. O centro da política internacional
passou a ser o esforço para a integração autônoma da América Latina, como
espaço prioritário para a consolidação da própria economia brasileira.
Nos últimos doze anos, além da expansão do Mercosul,
assistimos a criação da União de Nações Sul-Americanas (Unasul) e da Comunidade
dos Estados Latinoamericanos e Caribenhos (Celac). O comércio e o investimento
dentro do bloco subcontinental cresceram fortemente, abrindo fronteiras para um
caminho de desenvolvimento através do qual os países sulistas preservem e
ampliem sua soberania industrial, alimentar e financeira.
As iniciativas regionais foram complementadas pela construção
de pontes com a África e a Ásia, além do fortalecimento de relações com as
demais nações emergentes.
A principal conquista dessa ofensiva foi a consolidação do
BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) como aliança geopolítica.
A criação de um banco comum dessa coalizão, decidida na Cúpula de Fortaleza, em
julho deste ano, pode ajudar a romper com a hegemonia das potências ocidentais
sobre instituições financeiras que controlam o crédito mundial.
Ao longo dos últimos doze anos, o Brasil multiplicou por
quatro suas exportações e quintuplicou seu intercâmbio comercial. Diversificou
parceiros e encontrou novos mercados. Apesar das enormes dificuldades
internacionais, começou a lenta transição entre o predomínio da venda de bens e
serviços para a centralidade da exportação de capitais e tecnologia.
Os avanços não foram apenas econômicos ou regionais. O país
vem desempenhando papel de relevo na luta pela superação do mundo unipolar que
emergiu do colapso soviético.
Ganhou destaque o empenho pelo direito dos povos à
autodeterminação, contra as guerras de agressão, pela democratização das
instituições internacionais, contra o neocolonialismo e pela defesa ambiental.
Propósito restauracionista
Infelizmente este temário pouco foi discutido na atual
campanha presidencial. Mas o PSDB não deixa dúvidas que gostaria de dar um
cavalo de pau na política internacional estabelecida pelo PT.
Seu principal
porta-voz para esta agenda, o diplomata Rubens Barbosa, tem deixado claro os
fundamentos da orientação que gostaria de implantar.
Alegando defender “uma política externa pragmática, fugindo
das ideologias”, o ex-embaixador brasileiro em Washington sustenta que o país
não deve mais “ficar amarrado ao Mercosul”. A opção seria estabelecer
unilateralmente acordos de livre-comércio com a União Europeia, o Japão e os
Estados Unidos.
Também critica a relação dos governos petistas com Cuba e
seu afastamento da abordagem norte-americana sobre direitos humanos, sempre
funcional para deslegitimar processos nacionais que fogem do controle da Casa
Branca e se chocam contra seus interesses.
A linguagem melíflua mal esconde o propósito
restauracionista. A verdade é que o programa tucano representa alternativa
antagônica ao curso seguido por Lula e Dilma em política internacional.
A eventual eleição de Aécio Neves teria fortes
consequências regionais, provavelmente abalando o atual desenho geopolítico
latino-americano e enfraquecendo o diálogo sul-sul.
Não é à toa a torcida
descarada e pró-tucano das elites financeiras internacionais e seus meios de
comunicação.
Os centros imperialistas de poder não querem outra coisa: o
Brasil, novamente sem sapatos, facilitaria enormemente a manutenção de sua
hegemonia planetária.