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publicado 20/02/2015
ESCÂNDALO
MUNDIAL
'Isso
é uma piada',
diz
professor da USP sobre
silêncio
da Globo no caso HSBC
Em
entrevista à Rádio Brasil Atual, Vladimir Safatle afirma que ao guardar nomes
de brasileiros com contas em Genebra a grande imprensa transforma o jornalismo
"em uma grande brincadeira"
Safatle:
“É
inaceitável o tipo de silêncio tácito que está ocorrendo,
salvo
raríssimas exceções muito pontuais"
|
São Paulo – O HSBC é um exemplo privilegiado de como
corporações
que estão no limite da criminalidade impõem
na economia
internacional seus interesses.
O professor de filosofia da Universidade de São
Paulo (USP) Vladimir Safatle indica a instituição financeira como exemplo de
promiscuidade entre mercado financeiro, política e mídia, com raízes no crime,
em entrevista à Rádio Brasil Atual.
“Desde sua criação, o banco tem as piores credenciais
possíveis. Essa instituição bancária foi criada em 1860, depois da última
guerra do Ópio entre Inglaterra e China, quando os ingleses forçaram a abertura
dos portos chineses para que o tráfico da droga continuasse”, relata.
“Os chineses
resolveram impedir o comércio de ópio porque a população já estava entrando em
um processo de ser dizimada pela droga. Então, o banco foi criado exatamente
para financiar o tráfico de drogas, entre outras coisas. E ele cresceu, a
partir dos anos 70, comprando bancos dos Estados Unidos e da Europa, muitos dos
quais tinham carteiras extremamente problemáticas", diz Safatle.
"Foi o caso do banco do finado Edmond Safra, que tinha
entre seus clientes traficantes de diamantes e negócios com a máfia russa. O
Safra foi assassinado em uma situação, no mínimo, bastante misteriosa. Seu
banco iria ser comprado pelo American Express e o negócio foi desfeito por causa
de problemas internos."
Esse foi o processo de
crescimento do banco, segundo o professor.
"Comprou o Bamerindus aqui, um banco que estava com
problemas enormes. E não só isso, quer dizer, ele é reincidente, faz anos que o
banco tem sido julgado por várias instâncias mundiais, exatamente por esses
seus negócios com tráfico, negócios ilícitos. Foi declarado culpado nos Estados
Unidos por um caso que envolvia tráfico com colombianos e mexicanos. Só que
pagou uma mixaria de um milhão e novecentos mil dólares de multa.”
O que ocorre com o
HSBC não é novo, é uma prática comum, para Safatle: “E não é para estigmatizar
o banco, mas para esclarecer o que é o sistema financeiro internacional. São
corporações que estão acima dos governos.
Não só não se quebra como não se regulamenta um banco como
o HSBC, porque ele está tão acima dos governos que o seu diretor à época desses
chamados Swiss Leaks era pastor anglicano e hoje é ministro do David Cameron,
no governo britânico."
O professor ressalta
que se percebe uma relação incestuosa entre o sistema financeiro e a classe
política. "É o diretor do banco que vira ministro de um gabinete da
Inglaterra, que, com certeza, não vai desenvolver políticas que sejam estranhas
ou contra os interesses do sistema financeiro que ele representa muito bem.
A imprensa começou a questionar o ministro e ele não dá
resposta alguma, porque ele sabe que está numa situação de ser completamente
intocado, não há nada que possa acontecer com essas pessoas", lamenta.
Para o filósofo, todo
mundo fica completamente exacerbado por problemas como tráfico de drogas, de
armas, guerras. "Se não existissem esses bancos, que têm como uma suas
finalidades lavar esse dinheiro, com certeza o problema não seria dessa
magnitude em hipótese alguma. Só há crime nessa magnitude porque há um sistema
financeiro que é completamente conivente, cresceu dentro desse meio.”
Ele destaca que não é
só a tráfico de drogas que o HSBC está ligado, mas que há também fraudes de
evasão fiscal, no momento em que a economia mundial e os estados estão em
crise, tentando segurar o que restou de bem-estar social. “Os países da União
Europeia socorreram bancos falidos.
Então, quando os bancos cometem crimes, o que se espera é
que os responsáveis sejam punidos, presos, mas não é isso o que ocorre”,
observa.
Safatle lamenta que a
imprensa brasileira não noticie os fatos, ao contrário da europeia. “É
inaceitável o tipo de silêncio tácito que está ocorrendo, salvo raríssimas
exceções muito pontuais. Na imprensa francesa ou britânica, mesmo nos Estados
Unidos, foi dito que vão utilizar esses dados para tentar reaver o dinheiro.
"Nesses casos, a imprensa apresentou os nomes: "O Le
Monde, que mobilizou um
pouco tudo isso, chegou a brigar com seus acionistas porque um deles fez uma
declaração dizendo que achava um absurdo que o jornal expusesse esses nomes. Ou
seja, a imprensa fez o seu papel. No caso brasileiro é inacreditável".
O Brasil é, a
princípio, o nono país em número de contas nessa filial genebrina do HSBC. São
8.667 contas, das quais 55% são contas de nacionais, ou seja, são mais de 4 mil
pessoas.
"A pergunta que eu
gostaria de fazer é quem são essas pessoas. O sujeito não abre uma conta em um
banco suíço com esse histórico à toa. Quem são as pessoas que fizeram evasão
fiscal, fraude fiscal e coisas dessa natureza?”, questiona.
Alguns nomes de
brasileiros que possuem contas no HSBC com depósitos sem origem comprovada na
agência em Genebra foram conhecidos por intermédio de sites angolanos.
“Aí apareceu o nome do rei do ônibus do Rio de Janeiro, o
nome da família Steinbruch, que é do grupo Vicunha. Essas pessoas cometeram
crimes, quais foram os crimes?
É muito estranho que não só a imprensa, mas, ao
que parece, a própria Receita Federal adiou a análise de coisas desse
tipo."
Para Safatle, isso demonstra
um dado muito evidente: "A elite rentista brasileira é completamente
blindada, sabe que é e tem uma relação incestuosa entre poder político e
estrutura de comunicação, que faz com que em última instância seja um grupo só,
de uma forma ou de outra, que sabe que pode fazer o que quiser, porque sabe que
não existe nenhuma possibilidade de a Justiça pegar, a não ser existam embates
internos, em brigas internas, aí sim vão pegar um ou outro".
O professor da USP se
pergunta como ampliar essa discussão oculta na imprensa tradicional.
“Os nomes
que vazam dessa lista de brasileiros com contas no HSBC em Genebra são de
envolvidos na Operação Lava Jato, da Polícia Federal.
Quer dizer, os nomes são divulgados dependendo do interesse
do meio de comunicação. Só são esses os nomes dos 4 mil correntistas, só são
esses dez ou 15 que tiveram problemas? Isso é uma brincadeira.”
A extrema gravidade da
história exige que se faça algo. “Se tem algo que destrói a moralidade é a
parcialidade, é você começar a perceber que há um uso estratégico do discurso
sobre a moralidade, porque é um uso que serve simplesmente para você voltar
suas atividades contra seus inimigos.
Nesse momento, a moralidade perde completamente seu valor.
Eu diria que na política
brasileira isso acontece a torto e a direito, é um traço característico da
política brasileira."
Safatle lembra:
"A moralidade exige a simetria completa dos julgamentos. É julgar todos da
mesma forma, independente do que vá acontecer. Isso falta dentro da política
brasileira.
É por isso que não se consegue fazer com que essas indignações se
transformem em saltos qualitativos da política. E aí vira simplesmente um jogo
em que se tenta colocar um ou outro contra a parede.”
Safatle identifica que
há um processo de desgaste constante do governo pela mídia e, por isso, os
nomes envolvidos em negócios ilícitos no HSBC são seletivos. “Se a gente
quisesse mesmo fazer uma limpeza geral no que diz respeito ao caso Petrobras,
por exemplo, todos denunciantes falaram: 'Olha, desde 1997 eu recebo propina'.
Ou seja, tem um dado estrutural, não existe um caso de
governo ou de partido, é um caso de estrutura, em que vai todo mundo. E nessa
situação o mínimo que se espera é que se mostre claramente a extensão do
processo e a necessidade geral de punição. Mas isso nunca ocorre, isso desgasta
toda a força da indignação moral”, lamenta. “Todo mundo que conhece um pouco da
sociedade brasileira sabe que lá você vai encontrar alguns dos nossos
empresários mais conhecidos, alguns dos políticos mais conhecidos.”
Quanto ao silêncio que a Rede Globo dedica ao caso do HSBC,
Safatle comenta:
"Isso é uma piada, é completamente inacreditável. Eu
gostaria que eles explicassem muito claramente qual é a noção deles de notícia,
porque é surreal. Você pode pegar as páginas do The Guardian, jornal britânico,
ou do francês Le Monde, e
a televisão de maior audiência não dá nada? O que é isso? Eles transformam o
jornalismo em uma grande brincadeira".
Para a
secretária-geral do Sindicato dos Bancários de São Paulo, Osasco e Região, Ivone Maria da Silva, é uma "vergonha" que esse
caso só apareça em alguns sites e blogs e seja ignorado pelos grandes meios de
comunicação, que não têm interesse em divulgar os nomes de brasileiros que
estão nessa lista com depósitos sem origem comprovada no HSBC em Genebra.
“Um dos clientes que já apareceu na lista foi o Clarín, da Argentina. Não vamos
ficar surpresos se os meios de comunicação aqui do Brasil também aparecerem na
lista, ou se os donos desses meios estiverem guardando dinheiro lá fora para
não pagar impostos. Talvez por isso essa lista não seja divulgada. Começaram a
soltar os nomes seletivamente, e por isso surgem os nomes relacionados com a
Lava Jato. Mas tinha que soltar o nome de todo mundo”, diz.