Collor, Eduardo Cunha, e Renan Calheiros, como as mexericas e
poncãs, são variedades da mesma espécie.
Triste e ácido retrocesso. Azedas alianças.
Nesses tempos
ácidos, enquanto o país é sacudido por um sem-fim de pressões e previsões
pessimistas, enquanto todo mundo trata de buscar explicações para o que não
entende, enquanto a sanha golpista, baseada sobretudo na ignorância política e
histórica mais gritante, se mostra em seu apogeu, é preciso pensar com calma.
Enquanto toneladas de informações desencontradas
são despejadas dia sim e outro também sobre os brasileiros, e a Justiça se mostra
capaz de um exibicionismo suicida, enquanto se mantêm presos empresários de
altíssimo calibre com o argumento de que são suspeitos, suspeitíssimos de
tenebrosas transações, embora nada justifique a prisão antes da condenação,
pois enfim, enquanto acontece tudo isso, o Rio de Janeiro (e oxalá o resto do
Brasil: não me dei o trabalho de pesquisar...) vive uma insólita temporada de
tangerinas. Feiras, mercados, supermercados, ambulantes que ofertam de tudo nos
sinais de trânsito, ostentam uma formidável oferta.
E aí começam minhas dúvidas. Há os que oferecem
tangerinas, da mesma forma que há os que propõem mexericas, mixiricas, poncãs,
ponkans, e por aí vai. Claro que sabemos todos que num país vasto como o nosso,
os regionalismos encontram solo fértil e sólido. Meus amigos do sul, por
exemplo, dizem bergamota.
Desalentado pela falta de explicação para boa parte
dos males que despencam sobre nossas pobres cabeças, decidi consultar o sábio
mais à mão, o doutor Google. E me deparei com dados que me levaram à seguinte
conclusão: no fundo, seja lá o nome escolhido, estamos falando de pequenas
variedades da mesma fruta. Por mais que apresentem diferenças significativas,
estamos falando sempre da tangerina. Portanto, é ela a fruta-mãe, a origem
básica.
A diferença está na espessura da casca, na
densidade do óleo. As variedades todas são descendentes de uma fruta nascida
originalmente na Ásia, e, mais especificamente, na região onde hoje se
encontram países que sugerem exotismos pungentes, como a Índia, a China, a
Birmânia, a Malásia.
Olhando o quadro que vivemos hoje no Congresso que
tem como principal característica ser o de menor nível (ético, político, moral)
desde a retomada da democracia, fica um tanto mais fácil traçar a analogia
entre a tangerina e o cenário brasileiro.
Sim, sim, é desalentador. Mas como para mudar a
realidade é preciso, acima de tudo e em primeiro lugar, enxergar de forma clara
essa realidade, a única saída é ir em frente.
Há poucos dias, um artigo do respeitável veterano
mestre Jânio de Freitas (respeitável muito mais por mestre que por veterano;
afinal, sobram por aí veteranos que nem pela amplidão de sua trajetória merecem
respeito algum) recordava algumas figuras que agora mesmo estão no centro das
discussões: Eduardo Cunha, Renan Calheiros e Fernando Collor de Melo.
Cunha e Calheiros têm poder de fogo suficiente para
continuar hostilizando o governo e chantagear, com a ameaça de paralisar o
Congresso, qualquer passo destinado a sair do atual impasse em que nos
encontramos.
São eles as figuras-chave de um Congresso onde,
entre outras tantas aberrações, agora mesmo aparece um desmiolado propondo que
se desenvolva alguma técnica que seja capaz de detectar, no feto abrigado no
útero materno, tendências criminosas. E, quando isso ocorrer, que se determine
que a mãe seja impedida de trazer semelhante criatura à luz. Ou seja, seria o
aborto seletivo, a eugenia sonhada por Hitler aplicada de maneira
irreversível.
Cunha e Calheiros são as figuras-chave que decidem
se deve-se ou não dar
continuidade de voo a bizarrices como as propostas
pelo esbugalhado mental
deputado Jair Bolsonaro, para não mencionar o vasto
e inacreditável batalhão de
pastores e bispos eletrônicos, inventores de
seitas baseadas na ignorância e na
miséria alheias e cujo objetivo único e
essencial está em suas próprias algibeiras
e alforjes.
Pois
é: mexerica, mixirica, poncã, ponkan, não passam de variedades da mesma
tangerina. Buscando-se a origem de Renans e Cunhas, chega-se à tangerina,
chamada Fernando Collor de Melo.
Um era o menino-prodígio preferido pelo
apetite voraz de Paulo César Farias, o PCFarias eliminado por um tiro oportuno
quando estava na cama ao lado de uma moça talvez não tão oportuna, mas que teve
o mesmo final trágico e jamais esclarecido.
O outro era o braço direito (e a mão direita, e
talvez até mesmo o bolso direito) de Collor de Melo. Soube romper no momento
exato, algo típico dos vilões: quando a imagem do patrono começou a ruir.
Vale repetir: não passam, bem com seus congêneres
menos visíveis, de variantes da mesma tangerina.
Uma coisa, porém, é especialmente intrigante: como
essa variedade consegue sobreviver tanto tempo? Cunha, o de menor expressão, se
fez forte usando os mesmos métodos de seus patronos. Calheiros, o de expressão
maior, se fez fortíssimo da mesma forma, só que mais visível. Chegou a ser
ministro da Justiça – da Justiça! – de Fernando Henrique Cardoso.
Quanto a Collor de Melo, é um fenômeno fenomenal.
Em 2008, foi eleito para a Academia Alagoana de Letras, o que mostra a que
ponto chegou o analfabetismo na terra do mestre soberano Graciliano
Ramos.
No Senado, continua agindo como se ainda fosse
aquele que alguma vez julgou ser, uma espécie de faraó de si mesmo.
No Rio de Janeiro, como na política nacional, o que
chama a atenção é como se alastrou a oferta de mexericas. Ou mixiricas. Ou
poncãs. Ou ponkans. No fundo, o que se alastra é o poder da tangerina.
Triste e ácido retrocesso. Azedas alianças.
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