FCO.LAMBERTO FONTES
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publicado 05/11/2015
Judiciário brasileiro:
caro e ineficiente
O
Judiciário brasileiro, o mais caro do mundo, consome 1,2% do PIB nacional,
mas
seus integrantes querem mais privilégios e mordomias
Renato S.
Cerqueira/ Futura Press/ Estadão Conteúdo
O governo vetou o reajuste.
Os servidores pressionam
Caixa-preta é uma definição recorrentemente
associada à Justiça brasileira, por conta do corporativismo que encobre os
desmandos. Caixa-forte seria outro termo apropriado. Em 2014, o sistema
consumiu 68,4 bilhões de reais em verbas públicas, o equivalente a 1,2% das riquezas
produzidas pelo País no período.
A conta inclui as repartições federais,
estaduais, trabalhistas, eleitorais e militares.
E não leva em conta o Supremo
Tribunal Federal e seus 577 milhões de reais de orçamento. Trata-se do
Judiciário mais caro do mundo, ou ao menos do Ocidente. E não se farta. Quer
mais dinheiro, não para acabar com a ineficiência e a morosidade dos tribunais, mas para
engordar contracheques desde sempre generosos.
O recorde de
gastos está detalhado na pesquisa “Abrindo a caixa-preta: três décadas de
reformas do sistema judicial do Brasil”, uma parceria entre Luciano da Ros, professor da
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, e Matthew Taylor, da Universidade
Americana, de Washington.
O trabalho completo só ficará pronto em 2016, mas Ros
publicou uma prévia. Em “O custo da Justiça no Brasil: uma análise
exploratória”, há uma comparação das despesas entre países. O gasto é de 0,32%
do PIB na Alemanha, de 0,28% em Portugal, de 0,19% na Itália, de 0,14% na
Inglaterra e de 0,12% na Espanha. Nos Estados Unidos, 0,14%. Na América do Sul,
a Venezuela consome 0,34%, o Chile, 0,22%, a Colômbia, 0,21%, e a Argentina,
0,13%.
A folha de
pessoal é a principal causa do altíssimo custo. No Judiciário, há gente e
mordomias demais.
O pagamento de 434.932 funcionários, entre juízes e servidores, mordeu 89,5%
das despesas totais em 2014. O salário médio alcança 10,8 mil mensais. Apesar
disso, a fatia de 1,2% no PIB é a mais baixa em seis anos, motivo, segundo Ros,
de estar em curso uma ofensiva por mais recursos.
Servidores de
tribunais cercam o Congresso há semanas em uma pressão pela derrubada do veto
presidencial à lei que reajustava o holerite da turma entre 53% e 78%. Se a lei
vigorar, o Judiciário ficará 5 bilhões de reais mais caro a partir de 2016. O
custo dobrará de 2018 em diante.
No mesmo Legislativo, avança um projeto do
STF, datado de agosto, que reajusta em 16% o salário dos 11 ministros da Corte.
As excelências passariam a receber 39.293 reais mensais. Detalhe: o salário dos
ministros, hoje em 33.763 reais, foi corrigido há menos de um ano.
Aumentar os
vencimentos do STF tem potencial para provocar um efeito dominó. Desde 2003, o
salário dos ministros da corte é referência para a remuneração máxima no setor
público. Na prática, a teoria é outra. A começar pelo próprio guardião das
leis. Inúmeros são os subterfúgios usados para proporcionar à magistratura
vencimentos acima do teto. Dados disponíveis na internet mostram gente ilustre
a estourar o limite.
O juiz Sergio Moro, da Operação Lava Jato, recebeu
82.370 reais em setembro.
O presidente da Associação dos Magistrados
Brasileiros, José Ricardo dos Santos Costa, 41.262 reais.
O da associação dos
juízes federais, Antonio César Boechenek, 34.787 reais.
O pagamento
acima do teto resulta dos chamados “penduricalhos”. Auxílios, indenizações,
gratificações e uma penca de adicionais não definidas como “salário” e adotados
do Oiapoque ao Chuí.
No Rio Grande do Sul, paga-se um “auxílio-táxi” de 123,80
reais. Goiás instituiu em 2013 um “auxílio-livro” de 3,2 mil anuais.
No Rio de
Janeiro, há desde setembro um “auxílio-educação” de 953 reais por filho de
juiz.
Em 2011, o Conselho Nacional de Justiça, cuja missão é vigiar o
Judiciário, criou um “auxílio- alimentação” e uma licença remunerada para cursos
no exterior, entre outros.
Tudo serve de
pretexto.
No início do mês, o STF aprovou uma “diária” de 5,4 mil mensais a ser
paga a 17 juízes que trabalham como auxiliares dos ministros. Justificativa: os
magistrados precisam deixar seus lares para trabalhar.
Durante a aprovação, o
ministro Luiz Fux, com uma verve
sindicalista, disse que “a magistratura é uma atividade espinhosa que merece
valorização em relação a todas as outras categorias”.
O percentual de processos sem decisão chega a
71%.
Créditos: Rodrigo Paiva/ Folha Press
Essa auto-imagem do juiz
nativo explica muito da proliferação dos penduricalhos.
Os togados parecem se
sentir cidadãos especiais.
Em outubro de 2014, o presidente do Tribunal de
Justiça de São Paulo, José Roberto Nalini, disse em entrevista à TV Cultura que
só “aparentemente” o magistrado brasileiro ganha bem. “Ele tem de comprar
terno, mas não dá para ir toda hora a Miami comprar terno, a cada dia da semana
ele tem de usar um terno diferente, uma camisa razoável, um sapato decente, ele
tem de ter um carro.”
Um contraste com o entendimento em outros países.
Entrevistado para o livro “Um país sem excelências e mordomias”, da jornalista
brasileira Claudia Wallin, moradora na Suécia há 12 anos, Goran Lambertz, um
dos 16 ministros da Corte Suprema sueca, disse que “luxo pago com o dinheiro do
contribuinte é imoral e antiético”.
Ao comentar os privilégios dos colegas
brasileiros foi impiedoso: “É absolutamente inacreditável que juízes tenham o
descaramento e a audácia de ser tão egocêntricos e egoístas a ponto de buscar
benefícios como auxílio-alimentação e auxílio-escola para seus filhos. Nunca
ouvi falar de nenhum outro país onde juízes tenham feito uso de sua posição a
este nível para beneficiar a si próprios e enriquecer”.
A mordomia da
moda é um auxílio-moradia de 4.377,33 reais mensais.
Foi determinada pelo STF
em setembro do ano passado, graças a uma liminar de Fux.
Em abril de 2013, a
associação dos juízes federais, a Ajufe, havia ingressado no Supremo com uma
ação a favor do auxílio. Invocava isonomia. Se a benesse vigora para promotores
e procuradores de Justiça, conforme uma lei de 1993, por que não para eles?
Fux
mandou pagar não só aos representados da Ajufe, mas a todos os magistrados,
16.927 em todo o País.
Custo da liminar para o Erário: 900 milhões de reais por
ano.
Procurado via assessoria de imprensa do STF, Fux não se manifestou sobre o
futuro da ação.
A liminar do ministro
detonou um rastilho de pólvora.
Dias depois, o Conselho Nacional do Ministério
Público resolveu liberar o pagamento geral e irrestrito do auxílio-moradia a
todos os seus integrantes. Um casal de procuradores recorreu ao Superior
Tribunal de Justiça para receber um auxílio cada, apesar de morarem juntos.
O
pedido foi atendido provisoriamente pelo relator, Napoleão Maia, que entre outras
justificativas invocou trechos da liminar de Fux. Um manifesto liderado pelo
ex-procurador-geral da República Claudio Fonteles condena a “visão profissional
estritamente mercantilista” por trás do auxílio-moradia e classifica este como
tentativa de “ludibriar o teto constitucional”. “Auxílios, gratificações e
modalidades outras de penduricalhos de tal jaez ofendem tratamento
remuneratório democrático”, afirma o texto.
Filas lotadas, uma regra.
Créditos: Rodrigo Paiva/ Futura Press
Outro penduricalho na crista
da onda é uma gratificação para juízes federais, trabalhistas e militares por
acúmulo de função. O mimo é devido a quem assumir casos de um colega ou atuar
em outra vara ou corte.
Enriquecerá em até um terço o salário das excelências.
A categoria arrancou a benesse na marra. Em setembro do ano passado, houve uma
espécie de greve contra o acúmulo de processos. Semanas depois, o Congresso
aprovou a gratificação, sancionada em janeiro por Dilma Rousseff.
A gratificação
foi regulamentada em abril por uma resolução do Conselho da Justiça Federal, o
CJF.
E há quem tenha visto esperteza em excesso na resolução.
Para o procurador
da República Luciano Rolim, o CJF extrapolou os termos da lei e abriu a
porteira para um juiz federal obter ganhos iguais àqueles de um ministro do STF e mais 15 dias
de férias, além da boa vida de 60 dias garantidos.
Em um país com 99 milhões de
processos encalhados, não seria o caso de reduzir as férias a 30 dias, regra
para os demais trabalhadores, em vez de esticá-las?
Entre os
procuradores da Advocacia-Geral da União, também há críticas às artimanhas do
Judiciário contra o teto salarial. Há algumas semanas, o procurador Carlos
André Studart Pereira, assessor da presidência da Associação Nacional dos
Procuradores Federais, pesquisou os contracheques de vários juízes e concluiu:
ultrapassar o teto é regra. “O subsídio dos magistrados é justo e merecido. Os
arranjos institucionais, não”, afirma Pereira, para quem a diária aprovada pelo
STF é “bizarra” e o auxílio-moradia, “patentemente inconstitucional”.
Discretamente, o
governo se insurge contra os penduricalhos.
Com as contas públicas combalidas,
o Palácio do Planalto mandou em setembro ao Congresso uma lei para definir
quais pagamentos precisam ser computados no cálculo do teto e quais podem ficar
de fora. Polêmica à vista. Desde dezembro de 2014, o STF estuda uma nova Lei Orgânica da Magistratura
Nacional, em substituição à atual, de 1979. A minuta em discussão institucionalizaria vários
penduricalhos.
Às vezes, estes
não são apenas “patentemente inconstitucionais”.
Beiram a quebra de decoro.
Em
2009, o CNJ recebeu uma denúncia de que o Tribunal de Justiça de São Paulo
pagava “por fora” juí-
zes que auxiliavam a elaboração de votos dos desembargadores. “Por fora”, no caso, permitia não recolher impostos à Receita e à Previdência, além de mascarar o estouro do teto.
zes que auxiliavam a elaboração de votos dos desembargadores. “Por fora”, no caso, permitia não recolher impostos à Receita e à Previdência, além de mascarar o estouro do teto.
Apurar a denúncia não foi fácil.
O
presidente do TJ à época, Roberto Vallim Bellochi, mostrou-se pouco interessado
em colaborar. Foi ao STF com um mandado de segurança, para não ter de prestar
informações. Mesmo assim, o CNJ concluiu que houve irregularidades e determinou
a suspensão dos pagamentos e a devolução do dinheiro.
A corte paulista recorreu
ao Supremo, comandado à época por Cezar Peluso, ministro que tinha um filho
beneficiado pelo “auxílio-voto”. O relator da ação no STF, Dias Toffoli, concedeu uma liminar favorável ao TJ ainda em 2010.
O
processo está parado em seu gabinete desde 2013.
Procurado via assessoria de
imprensa do STF, Toffoli não se manifestou sobre o futuro da ação.
O caso do
“auxílio-voto” é ilustrativo do que o advogado Marcelo Neves, ex-conselheiro do
CNJ, relator do caso no conselho e hoje professor da Universidade de Brasília,
chama de “corrupção sistêmica” no Judiciário. Para Neves, o CNJ abandonou o
papel de “fiscal do fiscal”. Tornou-se “corporativista” e “capturado por um
pacto mafioso existente entre os poderosos do Judiciário e do Legislativo”.
Ignoraria faltas disciplinares dos magistrados graúdos, como aquelas do TJ
paulista, para se ocupar de bagrinhos da primeira instância em lugares
distantes.
“O CNJ é hoje um órgão sem significado prático, principalmente no controle
da corrupção, altíssima.”
Nancy Andrighi,
Corregedora Nacional de Justiça, discorda.
Segundo ela, não passam de 50 os
processos relevantes que investigam desvios de conduta da magistratura, uma
proporção pequena num universo de 16 mil juízes. “Posso concluir, assim, que a
quase totalidade da magistratura brasileira é composta de juízes honestos e
idealistas”, afirmou por escrito. Em dez anos de existência, o CNJ puniu 72
magistrados. A aposentadoria compulsória, pena mais dura, atingiu 46.
Na verdade,
pode ser considerada um prêmio.
Pendura-se a toga, mas não se deixa de receber
os vencimentos até o fim da vida, graças a um dispositivo constitucional.
Se os tribunais
funcionassem, o pesado fardo financeiro até poderia não ser um problema. Não é
o caso. “Nosso Judiciário é caro e não se reverte em serviços prestados. Ele
não se vê como prestador de serviço público”, diz Luciana Gross Cunha,
coordenadora do Centro de Pesquisa Jurídica Aplicada da Fundação Getúlio Vargas
de São Paulo.
Essa postura, afirma, tem várias explicações.
Uma cultura
nacional que sempre enxergou a Justiça como apartada do Estado. Uma formação
acadêmica exageradamente jurídica por parte dos magistrados.
Juízes que parecem
achar pouco digno preocupar-se com a administração.
A melhora da
gestão seria a mudança mais urgente em um Judiciário à beira do colapso,
acredita a acadêmica. Só no ano passado, 28 milhões de novas causas chegaram
aos tribunais. A taxa de congestionamento, índice que indica quantos casos
nunca tiveram qualquer decisão, chega a 71%.
“O Brasil precisa de uma carreira
de gestor jurídico, como os Estados Unidos fizeram há mais de cem anos”, diz
Luciana Cunha.
Infelizmente, as prioridades são outras.
*Reportagem publicada originalmente na edição 873 de
CartaCapital, com o título "Caro e ineficiente"