FCO.LAMBERTO FONTES
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27 de Dezembro de 2015
"Cadê
o prejuízo?",
Pergunta Gurgacz
Elaborado nos últimos dias de 2015, o relatório do Senador Acir
Gurgacz (PDT-RO) está destinado a se transformar no primeiro texto base da
política brasileira em 2016. Resposta à resolução do Tribunal de Contas da
União que propõe a rejeição das contas do governo Dilma em 2014, o documento é
uma aula de administração pública, conhecimento jurídico – e respeito pelas
regras do Estado Democrático de Direito. Também oferece novidades fulminantes
contra a decisão do TCU.
Lembrando que qualquer acusação
de irregularidade contra a presidente da República “ deve ser comprovada, e não
presumida”, ele observa na página 67: “apesar de recomendar a rejeição (das
contas), em nenhum momento do TCU especificou o efetivo prejuízo causado às
contas públicas pela conduta presidencial.” Não é uma omissão qualquer.
Entre as quatro hipóteses
previstas legalmente para a rejeição das contas da presidente, três se referem
a desfalques, desvios e atos de natureza criminal ou pelo menos ilegal. (A
outra hipótese pune o governante que simples deixar de enviar ao Congresso um
relatório sobre suas contas).
Ao se mostrar incapaz de definir sequer o “efetivo prejuízo
causado às contas públicas pela gestão presidencial,” o documento do TCU
valoriza uma narrativa que pretende descrever um suposto sistema de desvios e
irregularidades, mas não aponta fatos para justificar o que pretende.
Privilegia a trama, sem apresentar a prova.
Com paciência e detalhamento –
o relatório tem 243 páginas, com gráficos e tabelas que tornam a argumentação
mais compreensível – Gurgacz sustenta que as contas de Dilma em 2014 devem ser
aprovadas “com ressalvas.”
Essa classificação é um termo
técnico, usado para definir uma gestão onde podem ter ocorrido falhas e
deslizes de natureza formal, mas que não causaram prejuízo aos cofres públicos.
Para permitir um debate ponderado sobre as contas, o documento
recorda que em 2011 o TCU apontou 25 falhas e deslizes formais, quase o dobro
daquilo que se aponta nas contas de 2014 – e nem por isso concluiu que as
contas deveriam ser rejeitadas, como agora se pretende.
A principal crítica de Gurgacz
envolve a postura do TCU, que acusa de tentar assumir um papel de protagonista
num debate no qual deveria manter-se em função secundária, de assessoramento do
Legislativo, como determina a Constituição. Com essa observação, o
senador coloca o debate no plano correto – da democracia.
Diz que, ao pedir a rejeição
das contas de Dilma, o TCU de extrapola suas atribuições legais, de órgão de
assessoria do Legislativo, fugindo ao espírito da Constituição democrática de
1988.
Chega a denunciar, na página 63, uma “quebra de princípios da
igualdade e independência entre os poderes.” Lembra que, não cabe ao TCU julgar
um governo e muito menos fazer recomendações a deputados e senadores, pois seu
trabalho é muito mais modesto, de outra natureza: apenas emitir um “parecer
prévio”, apoiado em fatos objetivos e dados técnicos, sem tentar “influenciar”
a decisão dos parlamentares.
Sem demonstrar, em nenhum momento, o mais leve desrespeito pelo tribunal
e sua atividade, empregando, por todo tempo, uma linguagem adequada, ele
recorda, entre outras, uma observação de Marco Aurélio Mello, em 1992, que
define o TCU como “simples órgão auxiliar da esfera opinativa.”
As diversas referências à
Constituição de 1988 não constituem um truque retórico. Sem esconder-se atrás
de eufemismos que poderiam prejudicar a clareza do raciocínio, o senador
argumenta que com a postura assumida no exame das contas de 2014 o TCU em 2015
permitiu-se “julgar tudo o que considera conveniente.”
Diz, por exemplo, que o
tribunal chega a “reinterpretar” as normas internas do Banco Central, num
esforço destinado a contestar a metodologia tradicional da instituição para
produzir suas próprias estatísticas fiscais, num exercício padronizado há
décadas, e aceito internacionalmente.
O texto localiza a origem desse
comportamento de quem ignora fronteiras legais a suas atribuições num período
lamentável de nossa história, no Brasil que vivia sob o AI-5.
Lembra que o TCU foi usado pelo regime dos generais para funcionar
como um instrumento de pressão permanente para enquadrar o Congresso, visto
como principal foco de discórdia e atitudes de contestação que, mesmo
limitadas, pretendia-se evitar a qualquer custo.
Num necessário serviço de
reconstituição da memória histórica, o relatório recorda que, nos primórdios da
Constituinte de 1988, quando os rumos da democratização ainda não estavam
claros, fez-se uma tentativa de assegurar que o TCU mantivesse os poderes
políticos acumulados no período anterior.
Esse movimento chegou a prosperar no início dos trabalhos, como um
dos diversos entulhos autoritários – até que, numa reação compreensível da
maioria dos parlamentares, o texto definitivo assegurou as devidas
prerrogativas dos representantes eleitos, aos quais o TCU deve prestar uma
assessoria, limitada a “aspectos meramente formais,” como ensina o mestre Celso
Bandeiro de Mello, uma das vozes mais respeitadas do direito administrativo
brasileiro.
Para sublinhar que o debate
real não envolve problemas de contabilidade, mas opções de política econômica
que dizem respeito ao destino de um país com mais de 200 milhões de habitantes,
a ser resolvido em urnas, pelos eleitores, Gurgacz recorda, na página 8, uma
observação antológica deixada por Aliomar Baleeiro (1905-1978), um parlamentar
da UDN que chegou ao Supremo por indicação de Castello Branco, primeiro
presidente do golpe 64 mas, com o passar dos anos, tornou-se uma referência
liberal na mais alta corte do país.
Em obra clássica sobre administração
pública e sobre o papel dos governantes, Baleeiro observou que é preciso
considerar as mudanças de conjuntura de cada país – e de cada governo – para
entender o ordenamento de despesas e definição de prioridades, o que só reforça
a necessidade de reservar o trabalho de julgar as contas da presidente da
República a um poder político, o Legislativo, e não a um órgão de assessoria
técnica.
“Num país dominado por uma
elite requintada, esta exigirá do governo obras de luxo e de conforto,”
escreveu Baleeiro. Falecido no mesmo ano em que ocorreram as grandes
greves que projetaram a liderança de Luiz Inácio Lula da Silva no plano
nacional, o jurista acrescentou: “se as circunstâncias mudam, e as massas
humildes conseguem a partilha do poder político, as despesas públicas se
dirigirão para a construção de hospitais, maternidades, postos de puericultura,
escolas primárias e outros serviços que de modo geral interessam ao
proletariado.”
É nesse contexto, observa o
senador, que cabe ao Congresso examinar se a presidente “procedeu como devia e,
ainda, como prometeu.”
Pela consistência, o trabalho,
intitulado “Contas Prestadas pela Excelentíssima Senhora Presidente da
República (Exercício 2014)” representa, no plano político, aquilo que o voto do
ministro Luiz Roberto Barroso, do STF, representou no plano jurídico, ao
desmontar, linha por linha, argumento por argumento, o projeto de Eduardo
Cunha, que encaminhava a proposta de impeachment por uma via rápida, leviana e
irresponsável.
Pela qualidade de sua argumentação,
pela importância dos dados que apresenta, é de se imaginar que possa vir a ter
um impacto semelhante entre seus pares, contribuindo para assegurar uma
discussão de bom nível, fundamentada em conhecimento de caso e dados
consolidados.
(Este é o primeiro de um
conjunto de artigos sobre as contas do governo que planejo publicar nas
próximas semanas)