FCO.LAMBERTO FONTES
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11 / 08 / 2016
A hora é muito mais de Schiller
e menos de FHC e Merval Pereira.
Mais Estado de
Liberdade com soberania popular
e menos ajustes do
capital financeiro.
Johann Christoph von Schiller morreu ainda jovem, aos 46 anos, em maio
de 1805, em Weimar, vinte e sete anos antes de Goethe.
Este teve uma longa vida de 82 anos —
contemporâneo de Schiller — e deixou, juntamente com ele, obras extraordinárias
para formação da cultura democrática e iluminista europeia.
A obra mais popular de Schiller, há
mais de 50 anos publicada em quadrinhos no nosso país pela saudosa Editora
Brasil-América, foi “Guilherme Tell”.
Nela o autor celebrava a coragem e a
determinação contra a ordem estabelecida pela aristocracia feudal, ainda
dominante em grande parte do continente europeu.
Guilherme
Tell, Ivanhoé, Robin Hood, Miguel Strogoff – mitos da cultura democrática
pré-iluminista – sempre povoaram nosso imaginário heroico infanto-juvenil dos anos
cinquenta.
Outro livro lapidar de Schiller foi “A
educação estética do homem”.
Nele Schiller defendeu que a
sabedoria e o sentimento – corretamente ajustados para saber contemplar de
maneira adequada uma obra de arte – possibilitariam aos seres humanos chegarem
a um “estado moral”, que lhes permitiria “exercer todas as suas virtudes
cidadãs”.
A “educação estética” do ser humano,
portanto, transformar-se-ia numa “educação política”, que determinaria a
superação dos egoísmos e das vaidades, das violências e das desigualdades inerentes
à sociedade então vivida.
Seria, para ele, a sociedade ideal, aquela integrada por homens
“educados”, condição prévia para extinguir toda a opressão e a exploração.
Schiller estava para a educação assim como Merval Pereira está para o mercado.
Schiller era um idealista, na verdade. Mas um idealista que sabia projetar verdades, independentemente do método escolhido para concebê-las.
Schiller era um idealista, na verdade. Mas um idealista que sabia projetar verdades, independentemente do método escolhido para concebê-las.
É possível construir uma sociedade
justa, sem uma educação estética que abranja as grandes massas de cidadãos em
liberdade? Dito de outro modo: é possível construir uma sociedade democrática,
tendente à igualdade social, sem conhecimento, sem educação, sem uma cultura
que democratize o conhecimento para todas as classes sociais?
De Sartre a Raymond
Aron, de Marx a Lassale, de José Ingeñeros a Paulo Freire, de Luis Felipe
Alencastro a Merval Pereira (cito este, sem ironia, porque ele se tornou,
depois que entrou para a Egrégia Academia, um intelectual mais importante que
Fernando Henrique, para a direita brasileira)
- de um extremo ao outro - a
resposta seria “não”.
As divergências, porém, para chegar a estas possibilidades educativas são profundas. Para isso acontecer, na doutrina de Schiller, seria necessário a sociedade passar para um “Estado de Liberdade”, saindo do “Estado de Necessidade”, vigente à época.
As divergências, porém, para chegar a estas possibilidades educativas são profundas. Para isso acontecer, na doutrina de Schiller, seria necessário a sociedade passar para um “Estado de Liberdade”, saindo do “Estado de Necessidade”, vigente à época.
Para ele, o homem “físico, real,
corresponde(ria) ao Estado Natural, oposto ao homem do Estado Moral”,
pois o primeiro se formaria espontaneamente no tempo – nas forças da natureza,
que hoje corresponderiam ao mercado – e o segundo “se forma(ria) na ideia”, a
partir da vontade, portanto, no projeto por ele concebido: o primeiro Estado
seria constituído pelo poder “natural” do mais forte, o segundo pela decisão da
generosidade.
O primeiro se imporia pela força, o
segundo optaria por querer viver, socialmente, em equilíbrio e igualdade e a
ideia moral -que ordinariamente registra uma ideia que o indivíduo faz de si
mesmo — promoveria, através da vontade, uma sociedade baseada na solidariedade e
na justiça.
A Revolução Francesa se fez pela
força precedida pela ideia; a Revolução Alemã não se fez nem pela força
precedida pela ideia, nem pela força das ideias morais.
Que o digam Marx,
Lassale, Goethe e Schiller: Seu resultado “moderno” foi o nazismo e a implementação
da democracia política plena, na Alemanha, só foi possível como decorrência da
sua derrota na 2a, Grande Guerra.
Schiller tinha razão quanto à força
constitutiva da ideia em qualquer processo histórico, mas se iludiu da
possibilidade de que os homens pudessem construir uma vontade moral comum,
puramente a partir da estética, sem luta e sem dissenso.
Independentemente de que sejam verdadeiras ou não -parcialmente ou integralmente — as informações transmitidas pelo oligopólio da mídia até o presente, sobre os agentes políticos do país (independentemente de que tenham sido absoluta ou relativamente manipuladas), as últimas notícias que circulam de que tanto Temer como Serra receberam dinheiro vivo, por fora das contribuições declaradas e legais, deslegitimam, em termos formais, em definitivo, toda a representação política nacional.
Independentemente de que sejam verdadeiras ou não -parcialmente ou integralmente — as informações transmitidas pelo oligopólio da mídia até o presente, sobre os agentes políticos do país (independentemente de que tenham sido absoluta ou relativamente manipuladas), as últimas notícias que circulam de que tanto Temer como Serra receberam dinheiro vivo, por fora das contribuições declaradas e legais, deslegitimam, em termos formais, em definitivo, toda a representação política nacional.
E mais, comprovam que o poder golpista, desencadeado com a ideia moral
de luta contra corrupção, está completamente falido e é essencialmente mentiroso.
E que o país não será unificado em
torno do Presidente interino nem este terá sua legitimidade reconhecida pela
ampla maioria do “soberano” verdadeiro, na democracia, o povo constituinte.
O duplo tratamento que o oligopólio
da mídia dá, de um lado para Dilma e Lula e, de outro, para a Confederação de
Investigados e Denunciados que hoje governa o país – no que refere a sua
responsabilização política — mostra, na verdade, que a intenção do
impedimento da Presidenta foi, tanto o apressamento para o “ajuste” como
a esperança de barrar os processos contra a corrupção, não a luta contra esta.
Os agentes principais da corrupção
continuam na cena política, e mais, continuam gerindo os seus interesses agora
plenamente agrupados no Estado.
Isso determina que a única ideia
moral, na atualidade -transformada em movimento político- capaz de oxigenar o
ambiente democrático, bloquear a exceção não declarada que envenena o ambiente
político nacional e aguça a crise econômica, é a ideia da devolução à soberania
popular, do mandato presidencial, se ele for interrompido pelo “impeachment”.
Mais importante do que prever se isso
será possível, ou não, este movimento em defesa de um Plebiscito ou em defesa
de uma Emenda para eleições diretas - que interrompam a ilegitimidade formal e
material do Governo Temer - é a defesa de uma forma democrática (poder-se-ia
dizer uma estética democrática), que inaugure uma nova hegemonia no âmbito das
soluções para as crises da democracia representativa: elas devem ser
resolvidas, sempre, com mais democracia, não com menos democracia.
A hora, portanto, é muito mais de Schiller e Goethe e menos de Fernando
Henrique e Merval Pereira.
Mais Estado de Liberdade com soberania popular e menos Estado de
Necessidade com os ajustes do capital financeiro.
Créditos da
foto: reprodução
*Tarso Genro foi Governador do Estado do Rio Grande do Sul, prefeito de
Porto Alegre, Ministro da Justiça, Ministro da Educação e Ministro das Relações
Institucionais do Brasil.