terça-feira, 29 de janeiro de 2013

QUANDO SE TEM COMPETÊNCIA E VIVÊNCIA, A HISTÓRIA SE TORNA UMA NARRATIVA DA REALIDADE PERMANENTE, EM TODOS OS TEMPOS E ÉPOCAS:

novojornal .: Editorial II - Publicado em 29/01/2013


MINAS PARADOXAL


Por Geraldo Elísio 

“O Brasil não pagará a sua dívida externa com o sangue do povo brasileiro”. – Tancredo Neves  quando eleito presidente da República numa resposta quase frontal à primeira ministra inglesa Margareth Thatcher.
Minas Gerais vive um paradoxo entre a sua tradição (?) e a sua modernidade (?) sem se livrar dos seus complexos coloniais. A contradição e a traição parecem ter profundas raízes fincadas no solo das montanhas deste coração de ouro – sangrando – num peito de ferro carcomido pela ferrugem. Paradoxalmente um Estado milionário que é a razão de nosso pauperismo inclusive moral.
Vamos nos ater somente à história contemporânea. O ex-governador Francelino Pereira dos Santos, um dos raros políticos honestos que eu conheço era visto como a sucursal do inferno em virtude de ter chegado ao Palácio da Liberdade via eleição direta numa opção pessoal do general Ernesto Geisel. Pesava também na balança o crime de Francelino ter nascido na cidade de Angical, no Piauí.
Presidente nacional da Arena, então o maior partido do ocidente, Francelino, o secretário geral da agremiação, o gaúcho Nelson Marchezan, e o baiano Prisco Viana participavam de um périplo envolvendo os estados de Sergipe, Pernambuco e Bahia. Acompanhavam-nos os jornalistas Armando (Armandão) Lacerda, Albérico Cordeiro, que depois se elegeu deputado federal por Alagoas e prefeito da cidade de Arapiraca, naquele estado, eu e a jornalista Leda Flora, na época trabalhando no Estado de São Paulo.
Em um jantar em Itabuna, região cacaueira da Bahia, Francelino num momento mais calmo, Leda Flora e eu assentados ao lado dele, seguros pelos pulsos, a turma do cerimonial nos fuzilando com os olhares, mas sem perceber que era o próprio presidente nacional da Arena que nos prendia ali revelou que seria o escolhido para o Palácio da Liberdade, acrescentando que o general Geisel tinha dito a ele que Minas é muito maior do que Barbacena, numa alusão ao tradicionalismo envolvendo a polêmica entre os Bias Fortes e os Andradas, mesmo Zezinho Bonifácio ser o líder dele na Câmara dos Deputados.
Em outra ocasião já falei disso, da mesma forma que contei ao retornarmos de Santo Amaro da Purificação para Salvador, depois de um comício favorável ao candidato arenista Genebaldo Corrêa, um dos Anões do Orçamento, pela madrugada o carro que transportava a Leda Flora e a mim capotou na madrugada chuvosa e somente fomos chegar mais tarde ao Othon Hotel, na praia da Ondina, praticamente recém inaugurado, assustando toda a comitiva que já sabia do acidente. Graças ao Senhor do Bonfim ninguém se feriu.
Hoje Francelino Pereira dos Santos tem os seus méritos reconhecidos e um de seus filhos, Luís Márcio, esposou a senhora Andréa Neves, reafirmação de que as questões afetivas são capazes de superar quizilas políticas e restaurar verdades históricas.
E olha que em 1982 com o início da redemocratização o doutor Tancredo Neves encarnou o santo guerreiro contra o ex-senador e ministro Eliseu Resende, o dragão da maldade, apoiado por Francelino. Com o passar do tempo coube ao então governador Aécio Neves, irmão de Andréa, restaurar a imagem de Eliseu Resende elegendo-o senador da República. É de se observar que este particular histórico apresenta maior gravidade.
Disputando contra Tancredo Neves o governo de Minas, em 82, num pronunciamento feito através da rádio da cidade de Machado, no sul de Minas, Eliseu pediu ao povo para não votar em Tancredo porquê ele era velho. Hélio Garcia, candidato a vice de Tancredo Neves reagiu e publicou no jornal O Estado de Minas um cheque de alto valor mostrando que Eliseu viciava a campanha e o chamou de infante corrupto. Aécio democraticamente não guardou mágoas e a questão foi superada. Tenho guardada comigo até hoje a fita cassete com a voz de Eliseu Resende fazendo o apelo ao povo de Minas Gerais para não votar em um homem velho para o governo de Minas. Quando o neto de Tancredo o elegeu para o Senado, por sua vez ele já estava velho e doente.
Da mesma forma como em 1986 Minas rachou de cima abaixo, a população dividida entre Itamar Franco e Newton Cardoso, o primeiro igualmente a representar o santo guerreiro e o segundo o dragão da maldade. Porém os eleitores não sabiam de um acordo político assinados entre os dois políticos, redigido pelo professor Ivan Barbosa, coordenador político da campanha de Itamar, em casa do ex-deputado estadual João Jaciel Pereira, um dos integrantes do Bloco da Virada, revoltados com Tancredo ter chamado para compor o seu governo o ex-ministro Ronaldo Costa Couto e o ex-secretário Rogério Mitreaux. O objetivo do acordo era derrubar Hélio Garcia, porém mais tarde serviu de pano de fundo às frustrações de Itamar Franco ao ver recusado o nome do poeta e advogado Roberto Medeiros para secretário de Indústria e Comércio de Minas Gerais.
Na verdade durante toda a sua existência de político Itamar foi o maior adversário político de Tancredo Neves e, por ocasião da recusa em aceitar o nome de Roberto Medeiros, Itamar se utilizou de um verso do samba de Medeiros com o compositor juizforano Armando Gonçalves, o Mamão para externar a sua insatisfação: Fiz um estandarte com as minhas mágoas, estrofe esta contida no samba Tristeza Pé no Chão em magistral interpretação da cantora Clara Nunes. A declaração foi feita a mim na porta do antigo Hotel Del Rei, quando Itamar retornou do Palácio das Mangabeiras lamentando não ter ido de terno e gravata falar com o doutor Tancredo, ouvindo a recusa. O doutor Tancredo tinha razão porque o combinado era a apresentação de uma lista tríplice e não um nome solo. Quem se beneficiou do imbróglio foi o então deputado federal Sílvio Abreu, sobrinho do general Hugo Abreu, um dos responsáveis em colocar fim à Guerrilha do Araguaia, no comando dos pára-quedistas do Exército Brasileiro. Sílvio era eleito por Juiz de Fora.t
Mas coube a Itamar Franco superar os ódios que o doutor Tancredo Neves dizia que ele guardava na geladeira para usar no dia seguinte e eleger justamente o neto de Tancredo para dois mandatos à frente do governo de Minas Gerais.
Para muita gente, entretanto, igualmente Fernando Henrique Cardoso, o fraudador da dívida externa brasileira segundo o delegado da Polícia Federal, Protógenes Queiroz, hoje deputado federal pelo PC do B de São Paulo, e Aécio Neves são as heranças malditas de Itamar. Políticos que se enquadram ao perfil da concertacion preconizada pelo grupo do papa do neoliberalismo Milton Friedman, a partir do momento em que o sanguinário Augusto Pinochet entrou em desgraça junto com a brutal ditadura que vigeu no Chile, onde por sinal Friedman, segundo a jornalista e ativista canadense Naomi Klein, autora do livro The Shock Doctrine: The Rise of Disaster Capitalism (em português A Doutrina do Choque: a Ascensão do Capitalismo de Desastre), incentivou empresas a se aproveitarem dos desastres naturais, das guerras ou outros choques culturais para avançar políticas de liberalização econômicas. Óbvio com  o objetivo de garantir as vantagens do mercado.
O que produz empobrecimento da população, enriquecimento de uma minoria de capitalistas sem escrúpulos e normalmente tumultos apagados pelos governos com o uso da força. Klein especifica exemplos citando as ditaduras do Chile, Brasil e Argentina e a China com a repressões impostas depois dos conflite da Praça da Paz Celestial. Assim vemos como micro histórias podem gerar acontecimentos profundos para o futuro de todo nós, cabendo aos jornalistas levar ao povo tais análises e informações.
Talvez por esta razão adversários mais ferrenhos dos irmãos Aécio e Andréia Neves dizem que a diferença entre Minas Gerais e o Himalaia é que os himalaios convivem com o Abominável Homem das Neves e os mineiros com os Abomináveis Meninos dos Neves.
Este espaço é permanentemente aberto ao democrático direito de resposta a todas as pessoas e instituições aqui citadas.

geraldo.elisio@novojornal.com


 Minas Gerais vive um paradoxo entre a sua tradição (?) e a sua modernidade