PUBLICADO EM 27/09/13
Os políticos
estamos cegos para as ruas
Cristovam Buarque
Os políticos brasileiros estão endividados com os eleitores, sem
bússola para o futuro, sitiados pela população e indiferentes diante da
indignação.
Endividados
pelo passivo acumulado por décadas de descaso com os interesses do povo, por
ações, omissões ou incompetência.
Depois de mais de cem anos de República,
construímos um país rico na renda nacional, mas pobre na renda per capita e
injusto na sua distribuição; dividido entre privilegiados e excluídos;
ineficiente em seus serviços públicos, como saúde e transporte; atrasado na
educação de suas crianças; um país violento, onde 100 mil compatriotas morrem
anualmente na violência das ruas, em assaltos ou acidentes de trânsito.
E, não
menos grave, uma imensa dívida financeira e moral pelo desvio de bilhões de
reais drenados pela corrupção. A dívida vem da insensibilidade social e ética
que leva à corrupção nas prioridades da política e no comportamento dos
políticos.
A
população percebeu essa dívida, indignou-se e está nas ruas cobrando o passivo
de décadas, sobretudo dos governos mais recentes, que prometeram pagar a dívida
dos anteriores.
Essa indignação mantém os políticos sitiados, metafórica e
literalmente, pela desconfiança, pelo desprezo, pela ocupação de prédios e
ruas. Isso não teria sido possível sem a autonomia das pessoas e dos movimentos
sociais, que não precisam mais de líder, partido, sindicato, jornal, rádio ou
televisão.
Com a democratização propiciada pela internet, a população,
especialmente a jovem, é capaz de fazer uma guerrilha cibernética que ocupa
pontos estratégicos e inviabiliza o bom funcionamento da sociedade. A dívida e
a indignação, por meio da internet, sitiaram os políticos.
Isso
seria menos grave se, diante desse quadro, os políticos tivessem um rumo a
apontar, em direção ao futuro distante e ao atendimento das reivindicações
imediatas. Mas, além de endividados e sitiados, estão perplexos, desarvorados,
sem bússola, desbussolados.
Percebe-se que o rumo do crescimento econômico não
é sustentável ecologicamente, não satisfaz ao bem-estar da população nem engana
mais a consciência da opinião pública; as propostas utópicas de direita ou de
esquerda faliram...
Esse
quadro assustador ainda poderia merecer algum otimismo se, apesar de
endividados, sitiados e desbussolados, os líderes não estivessem indiferentes.
Mas a sensação é a de que há uma total insensibilidade dos que fazem a política
em relação à dimensão do que acontece nas ruas.
Cada manifestação é vista como
única, de grupos restritos em ações isoladas; não se percebe que há uma
dinâmica e uma lógica, com base em profunda raiva e instrumentos mobilizadores
de extrema eficiência.
O
maior problema, talvez, é que, além de endividados, desbussolados, sitiados e
indiferentes, não vemos o tamanho, nem as causas, nem a força da indignação.
Estamos cegos.