Publicado em 27/12/2013
Advogado diz
que morte de modelo
tem ligação com mensalão
tucano
Miraglia deixou a defesa de Nilton Monteiro
após ter a casa invadida
por delegados da Polícia Civil de MG que
buscavam um documento falso
Por Lúcia Rodrigues
para o Viomundo.
Um homem acuado e com medo de
morrer. É assim que o advogado Dino Miraglia se define.
Até 21 de agosto ele advogava para Nilton Monteiro,
o delator do mensalão tucano, que está preso no complexo penitenciário de
segurança máxima Nelson Hungria, em Contagem, região metropolitana de Belo
Horizonte, acusado de ser falsário.
Nilton tinha intimidade com o ninho tucano em Minas
Gerais. Participou de esquemas. Para figurões do PSDB, trata-se de um
chantagista que decidiu ganhar dinheiro com informação, o que ele contesta.
O advogado Miraglia deixou a defesa de Nilton
Monteiro após ter a residência invadida por um grupo de dez delegados da
Polícia Civil de Minas Gerais que buscavam, segundo ele, um documento falso. O
episódio lhe custou um casamento de décadas, 26 anos de união e seis, de
namoro. Assustadas com a operação policial, que envolveu até helicóptero,
mulher e filha resolveram se afastar dele.
A esposa já o havia advertido diversas vezes para
recusar ações que atingissem políticos mineiros. Dino não ouviu os conselhos e
continuou advogando para o delator do mensalão tucano.
A invasão da polícia para cumprimento de mandado de
busca e apreensão foi a gota d’água para a família. Antes disso, ele já havia
sido ameaçado de morte várias vezes devido à atuação nessas causas.
Apesar de não citar o nome de quem o ameaçou com
uma pistola ponto 40, o advogado deixa transparecer que se trata de Márcio
Nabak, delegado-chefe do Departamento Estadual de Operações Especiais, o
Deoesp, de Minas Gerais.
O policial seria aliado de políticos denunciados no
mensalão tucano, segundo o delator do esquema, Nilton Monteiro.
O advogado diz que a invasão policial teve forte
impacto psicológico na família.
“Mula” da corrupção tucana
No currículo profissional, Dino acumula ainda a
defesa da família da modelo Cristiana Aparecida Ferreira assassinada, em agosto
de 2000, nas dependências de um flat no centro de Belo Horizonte, por um
ex-namorado, Reinaldo Pacífico de Oliveira Filho.
É um caso bizarro. Inicialmente a morte da modelo
foi considerada “suicídio”.
Isso
apesar desta descrição do corpo de Cristiana:
Quando nova perícia foi feita, a polícia passou a
dizer que Cristiana foi vítima de crime passional.
Mas o advogado Dino sustenta que tratou-se de
queima de arquivo.
Segundo ele, Cristiana tinha papel central no
esquema de corrupção do PSDB em Minas Gerais.
Era ela quem transportava o dinheiro das transações
do mensalão tucano.
Na linguagem popular, Cristiana era “mula” do
esquema de corrupção.
O advogado acusa o ex-ministro do Turismo e das
Relações Institucionais, Walfrido dos Mares Guia, um dos réus do mensalão
tucano, de ser o mandante do crime.
De acordo com ele, Walfrido teria mandado matar
Cristiana porque ela “sabia demais”.
“A morte da modelo foi encomendada”, frisa.
No julgamento do acusado de matar Cristiana, o
ex-ministro e ex-vice-governador de Minas (no mandato de Eduardo Azeredo,
1995-1999) foi convocado a depor como testemunha, mas não compareceu. Alegou
que estava em viagem aos Estados Unidos.
Acusado pelo crime, Reinaldo Pacífico de Oliveira
Filho, um ex-namorado da vítima, está solto até hoje, apesar de ter sido
condenado por júri popular a 14 anos de prisão e de a segunda instância ter
ratificado a decisão.
“Nunca vi corno de garota-de-programa” que mata
dois anos depois do fim do relacionamento, diz o advogado.
Segundo Dino, o assassino está em liberdade graças
a um habeas corpus concedido de ofício pela ministra do STJ, o Superior
Tribunal de Justiça, Laurita Vaz.
De acordo com o advogado, Cristiana aparece numa
lista de pagamentos supostamente compilada pelo publicitário Marcos Valério,
como beneficiária de mais de R$ 1,8 milhão.
Valério foi recentemente condenado pelo STF por
conta do papel que desempenhou no mensalão petista: segundo a acusação, as
empresas dele forjaram contratos de publicidade para encobrir desvio de
dinheiro público em benefício do PT e de aliados.
O mesmo tipo de ação é atribuída a Valério no
mensalão tucano, que é de 1998, quando Eduardo Azeredo fracassou na tentativa
de se reeleger governador de Minas e FHC se reelegeu presidente.
Dino pediu o apensamento dos papéis nas quais a
modelo é mencionada ao processo do mensalão tucano, que corre no STF e já
inclui a chamada lista de Furnas.
Esta lista é uma relação detalhada de
constribuições de campanha feitas com dinheiro que funcionários da estatal
teriam arrancado de fornecedores da empresa.
Vários nomes se repetem nas duas listas — a de
Valério e a de Furnas.
O objetivo da ação do advogado é mostrar a relação
entre a morte da modelo e o esquema de corrupção tucano.
Segundo laudo da Polícia Federal, a lista de Furnas
não foi forjada.
Já a lista de Marcos Valério, que Dino Miraglia
encaminhou ao ministro Joaquim Barbosa para anexar ao processo do mensalão
tucano, não tem laudo de autenticidade da PF.
O documento entregue a Barbosa seria uma cópia, o
que impede perícia.
Medo
no ar
Dino Miraglia relutou em conceder entrevista. Visivelmente
assustado, lançou mão de subterfúgios para protelar o encontro, que ocorreu no
começo da tarde do último dia 5.
O primeiro contato da reportagem ocorreu em 2 de
dezembro, por meio de celular, e parecia normal.
Do outro lado da linha, o advogado informava que
estava em São Paulo e que retornaria à capital mineira naquela noite. Marcou o
encontro para o dia seguinte, às 10 horas da manhã, em seu escritório.
Pela porta de vidro opaco da sala de espera do
gabinete de advocacia, vimos o vulto de um homem alto sair.
Minutos depois, a secretária recebeu um torpedo de
Dino dizendo que não poderia comparecer ao escritório, porque teria de atender
flagrante envolvendo um cliente.
Depois de várias outras tratativas telefônicas,
quando já não contávamos com a entrevista, o advogado surpreendentemente
concordou, questionando com voz de preocupação: “Você pode vir aqui,
agora (para o escritório)?”
O medo de Dino não é infundado. A política mineira
é sui generis. Em nossa passagem por Belo Horizonte, constatamos situações que
parecem justificar o receio. Alguns dos entrevistados só concordaram em falar
em off (sem se identificar publicamente). No caso de uma das fontes, chegou às
suas mãos, enquanto conversava conosco, um calhamaço de papéis com transcrições
de diálogos de conversas grampeadas pela polícia mineira.
O monitoramento de adversários políticos em Minas
faz lembrar o regime de exceção vivido durante a ditadura militar.
Roger Libório
Há crimes que, pela repercussão, geram um esforço
de investigação impressionante – a ponto de, em poucos dias, serem elucidados.
E há outros que só são apurados após muita insistência. O caso da modelo
Cristiana Aparecida Ferreira, morta em agosto de 2000 num flat em Belo
Horizonte, em Minas Gerais, pertence à segunda categoria.
Passados dois anos e meio do assassinato, foi
apenas na semana passada que se conheceu oficialmente a causa da morte —
Cristiana foi sufocada com um objeto de pano, que pode ter sido um travesseiro
ou um lençol enrolado.
Ela foi agredida e as marcas da violência foram
registradas em seu corpo. Para chegar a essa conclusão foi preciso reanalisar
as fotos da vítima, exumar o cadáver e fazer uma necropsia. O primeiro laudo,
que atestava ‘suicídio’, revelou-se uma grosseira peça de ficção. Os
médicos-legistas responsáveis pelo documento, Remar dos Santos e Tyrone Abud
Belmak, não se pronunciam.
O Ministério Público (MP) agora investiga por que
foi montada a farsa, típica dos anos da ditadura.
Cristiana, morena de 1,78 metro, queria fazer
carreira de modelo, mas, aos 24 anos, havia conseguido apenas se tornar uma
figura popular entre os ricos e famosos da capital mineira.
Quando foi morta — aparentemente por um ex-namorado
ciumento, que perdeu a carona na ascensão social e nas amizades importantes da
moça –, o MP teve de enviar à polícia diversos ofícios pedindo a apuração do
caso. ‘Requisitamos várias diligências, mas elas nunca foram feitas’, conta o
promotor Luís Carlos Martins Costa.
Quando a polícia encaminha um cadáver para o IML,
tem de preencher uma ficha pedindo vários tipos de exame — basta marcar um ‘x’
em cada um deles. Pode-se procurar, por exemplo, indícios de agressão física e
violência sexual.
O corpo de Cristiana foi encontrado na cama apenas
de sutiã, sem calcinha e com vários hematomas, mas os investigadores
solicitaram apenas exame toxicológico, anotando ao lado: ‘Suspeita de
suicídio’. Na cena do crime não havia nada que sugerisse isso, como vidro de
raticida, seringa ou bilhete de despedida.
O boletim de ocorrência foi lavrado em 6 de agosto.
Somente no dia 11 de dezembro, quatro meses depois, foi instaurado um inquérito
policial. Ele passou por vários delegados e muitas trapalhadas — um
ex-namorado, o empresário Luiz Fernando Novaes, chegou a ser preso e depois
solto por falta de provas. A conclusão final, porém, foi novamente de
‘auto-extermínio’.
O Ministério Público teve de investigar sozinho,
colher 41 depoimentos e pedir a exumação do cadáver.
O ex-namorado Reinaldo Pacífico, contra quem Cristiana
já registrara um boletim de ocorrência por agressão, vinha perseguindo a
modelo. Sujeito misterioso, ganhava a vida como detetive particular mas se
apresentava como ‘juiz criminal’. Ele tornou-se o principal suspeito depois que
uma testemunha — agora sob proteção federal — admitiu tê-lo ouvido confessar o
crime.
Parece difícil, contudo, que Pacífico tenha sido
capaz de agir sozinho na etapa seguinte do crime — a de embaralhar pistas e
transformar sinais de um assassinato brutal em suicídio.
Essa tarefa exige a cumplicidade de policiais, além
da boa vontade da cúpula da máquina de segurança de Minas Gerais — recursos
pouco acessíveis na mala de truques de um detetive particular.
Por isso a promotoria agora quer apurar o que levou
a polícia e os legistas a conduzirem a investigação de forma tão relapsa. ‘Há
indícios de supressão e de alteração de documentos’, diz Martins Costa.
Entre outros papéis, sumiu o depoimento de um dos
irmãos da vítima, Cláudio Ferreira, que havia dado a lista de todas as pessoas
importantes com as quais Cristiana teria se relacionado. ‘O delegado chamou o
rapaz alguns dias depois, disse que o depoimento não tinha validade e o
questionou novamente, orientando para não citar nomes’, acusa o promotor.
Entre os famosos mencionados pela família de
Cristiana estava Jairo Magalhães Costa, diretor do Banco Real, o único a
admitir ter tido um caso com a moça.
Mas uma irmã da vítima, Simone Ferreira,
testemunhou dizendo que ela ‘estava se encontrando’ com Djalma Moraes,
presidente da Cemig.
Ele é casado, nega qualquer relacionamento com a
modelo e declarou que a viu apenas duas vezes — foram apresentados pelo
ex-secretário da Casa Civil Henrique Hargreaves.
Em outro depoimento, uma amiga de Cristiana disse
que ela apregoava um breve caso com o ex-governador Newton Cardoso, que
declarou jamais tê-la visto na vida. E vários parentes afirmaram que Cristiana
era amiga próxima do ministro do Turismo, Walfrido Mares Guia, para quem
trabalhava e viajava freqüentemente.
Num depoimento tomado às vésperas da posse na
equipe de Lula, Mares Guia disse que a conhecia de vista. Para uma pessoa tão
pouco relacionada, é surpreendente que tenha conseguido ser recebida no Palácio
da Liberdade, quando chegou a ser fotografada ao lado do governador Itamar
Franco — parentes dizem que ela fora pedir um emprego.
Entende-se que pessoas importantes queiram proteger
sua intimidade, especialmente contra boatos que podem não ter fundamento.
Resta saber se foi por influência política que o
primeiro laudo notava ‘ausência de lesões externas macroscopicamente visíveis’
num cadáver com três fraturas e vários hematomas. É um erro tão grosseiro que
lembra os documentos produzidos nos anos de chumbo para mascarar a tortura de
presos políticos.
As informações são do Viomundo.
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