Publicado em 02/12/2013
A ESTRANHA HISTÓRIA DO HELICÓPTERO
DOS PERRELLA, LOTADO DE COCAÍNA
De vez em quando, este escriba se interessa
por helicópteros de políticos.
E acaba descobrindo coisas interessantes.
Vamos ver?
Por Reinaldo Azevedo
Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, é uma
espécie de revista Caras do direito penal. Todos os famosos, colunáveis e
celebridades o têm como advogado: de mensaleiro a Roberto Carlos, passando por
uma penca de políticos graúdos de Brasília, o amigão de José Dirceu não deixa
escapar ninguém.
Oferece sua retórica e suas gravatas
coruscantes a clientes que poderiam estar sempre dentro de uma banheira, com um
copo de suco bem amarelo nas mãos, rodeados de maçãs argentinas. Por que as
pessoas comem maçãs em banheiras, não tenho a menor ideia. Cada uma com suas
fantasias, né?
Adiante.
Kakay também é um colunável,
é bom que fique claro. Não há advogado que apareça na TV com tanta frequência,
com seus óculos sempre muito convincentes.
Nessa faina diária, acaba, muitas
vezes, falando o que lhe dá na telha ou endossando o que dá na telha daqueles
que o contratam. E foi assim que a família Perrella, julgando estar se livrando
de um problema, acabou se complicando. E com o auxílio de seu advogado.
Qual é o busílis?
O helicóptero da
Limeira Agropecuária, empresa que pertence ao deputado estadual Gustavo
Perrella (Solidariedade-MG), a uma irmã e a um primo, foi flagrado pela Polícia
Federal transportando 445 quilos de cocaína.
Gustavo é filho do senador Zezé Perrella
(PDT-MG). Inicialmente, o Perrellinha afirmou que o piloto pegara o helicóptero
sem autorização. Desmentido pelo advogado do rapaz, mudou a história. Teria
dado um “ok”, versão endossada por Kakay, para que o outro dissesse um voo
fretado — para ganhar uns trocos, vocês sabem…
Este rapaz, Gustavo Perrella, fazia o
povo mineiro pagar o salário do seu piloto e o combustível do seu helicóptero.
E foi aí que Gustavo e Kakay pisaram
no tomate. Segundo as regras da Anac, aeronaves privadas — de pessoas ou
empresas — não podem fazer voos comerciais, serviço privativo de táxi aéreo.
Por isso, a agência decidiu abrir uma investigação. Na operação, piloto,
copiloto e dois receptadores foram presos.
A propósito:
Rogério Antunes, o
piloto, estava lotado no gabinete de Gustavo; era seu “assessor” e tinha um
salário de R$ 1.700 pago pela Assembleia. Não para por aí: o deputado gastou R$
11,2 mil de sua verba indenizatória para abastecer o helicóptero; Zezé, o pai —
também ex-presidente do Cruzeiro —, torrou outros R$ 11,1 mil da verba do
Senado. O aparelho, reitere-se, pertence à empresa da família.
Tudo muito estranho
Este que escreve não entraria num
helicóptero nem debaixo de porrete. Se é pra voar, nada menos do que um jato —
um amigo piloto lamenta a minha ignorância e a minha descrença nas leis da
física; essa descrença só existe a alguns mil metros do solo, deixo claro…
Muito bem! A história despertou a minha curiosidade.
O helicóptero da Família Perrella é
um Robinson 66 (R-66). Não que eu esteja a fim de comprar um, mas fiz a lição
de casa para vocês. É dos mais baratinhos. Por US$ 970 mil, vocês podem comprar
um. Quem entende da área diz ser uma aeronave ideal para transportar pequenas
cargas. Entendo.
Em seu depoimento, o piloto afirmou
que o aparelho já saiu de Avaré, em São Paulo, carregando a droga. Fez uma
viagem relativamente curta até o Campo de Marte. Dali seguiu para Divinópolis,
em Minas, região onde fica a sede da empresa dos Perrella. Da cidade mineira,
rumou para a fazenda no Espírito Santo, onde foi surpreendido pela Polícia
Federal.
Trajetória de helicóptero
O peso máximo para um R-66 sair do
chão é 1.225 quilos — ocorre que só a aeronave pesa 581 quilos. Sobram 644.
Desse total, devem-se descontar 224 kg do combustível. Sobraram 420. Notem: só
a carga de cocaína (445 kg) já ultrapassou esse limite. Há ainda os dois
pilotos — calculemos 140 quilos. A conta não fecha. Restaria uma possibilidade:
o helicóptero não estar com a carga completa de combustível. Quanto teria de
ser? Vamos pensar:
peso da aeronave – 581 kg
peso dos pilotos – 140 kg
peso da cocaína – 445 kg
soma – 1.166
Sobraram apenas 59 quilos para o
combustível. Com 224 kg, segundo pesquisei, a autonomia do R-66 é de três
horas, voando a 220 km/h. Assim, pode-se percorrer, chegando ao limite da pane
seca (os prudentes não ousam tanto) 666 km.
Huuummm… Regra de três: se, com 225
kg de combustível, pode-se voar 660 km, com 59 kg, voa-se, no máximo, 173,8 km.
Pois é…
Vejam lá a rota do
helicóptero. Entre Avaré e o Campo de Marte (também fui pesquisar), em linha
reta, já são 265,8 km. Entre o Campo de Marte e Divinópolis, há 513 km —
chega-se bem perto da autonomia do aparelho se tivesse saído com o tanque
cheio. De Divinópolis até a fazenda no Espírito Santo, sempre em linha resta,
há 393 km. Nada nessa conta fecha.
A minha hipótese é que o piloto pode
não estar contando toda a verdade. O mais provável é que esse aparelho tenha
sido abastecido em vários pontos ao longo da trajetória. E intuo que a droga
entrou no helicóptero foi em Divinópolis mesmo, não em Avaré.
Encerro
Paulinho da Força, presidente do
Solidariedade, se negou a afastar Gustavo Perrella do partido. Em nota, disse
que quer evitar prejulgamento e coisa e tal. Pois é… Num país normal, o uso de
dinheiro público para abastecer o helicóptero que pertence a uma empresa e a
contratação de um piloto como assessor parlamentar já liquidariam uma carreira
política — especialmente quando o tal helicóptero é adaptado para carregar
cargas, como é o dos Perrella.
A propósito: qual é a carga habitual?
Essa história não fecha, quer nos
seus aspectos, digamos, narrativos, quer na matemática.