Publicado em 02/12/2013
STJ julga processo
contra primo de Aécio Neves
Processo que gerou a aposentadoria
do desembargador do TJMG,
por venda de sentença para soltar traficante,
tem como principal acusado o primo de Aécio
O caso da apreensão do helicóptero
carregado com 450 quilos de cocaína pertencente à empresa do deputado Perrella,
filho de Zezé Perrella e um dos políticos mais próximos do senador Aécio Neves,
não é o primeiro episódio que envolve traficantes de droga sob o qual Aécio
interfere junto aos grandes veículos da mídia—escrita, falada, televisada e
digital— em busca da não divulgação.
Em 2011, descobriu-se que um
desembargador atualmente aposentado, um advogado e o primo de Aécio Neves,
Tancredo Tolentino, transformaram o Tribunal de Justiça de Minas Gerais em um
balcão de negócios, vendendo sentenças que libertaram traficantes de droga que
operavam no estado. Conforme consta na denúncia apresentada pelo Ministério
Público Federal ao Superior Tribunal de Justiça.
A denúncia, à qual o Novo Jornal teve acesso, traz o
encadeamento da ação dos denunciados em três casos, e é repleta de trechos de
depoimentos em que os próprios acusados, com exceção do desembargador, contam
detalhes do esquema de venda das decisões judiciais.
O desembargador denunciado Hélcio
Valentim de Andrade Filho, presidia a 7ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça
mineiro até ser aposentado, por decisão da Corte Especial do STJ. Além do
desembargador, o MPF denunciou outras 13 pessoas por corrupção passiva e ativa,
mas somente quatro podem ser considerados protagonistas da trama narrada na
denúncia: o desembargador já citado, o advogado Walquir Rocha Avelar Júnior, o
comerciante Tancredo Aladim Rocha Tolentino e a também comerciante Jaqueline Jerônimo
Silva.
De acordo com a mesma, (clique
aqui para ler à íntegra) , os quatro tinham papéis bem
definidos no esquema. Jaqueline recrutava os presos interessados em comprar a
liberdade. O advogado Walquir, que também é vereador da cidade de Oliveira
(MG), passava a representá-los judicialmente e contatava o comerciante Tancredo,
conhecido como Quêdo, que fazia a intermediação do negócio com seu amigo, o
desembargador Hélcio Valentim.
Com o dinheiro em mãos, o juiz
orientava o advogado para entrar com pedido de Habeas Corpus quando estivesse
em plantão judicial, nos finais de semana. Então, determinava a expedição de
alvarás de soltura dos presos. Nos três casos narrados na denúncia assinada
pelo subprocurador-geral da República Eitel Santiago, as liminares foram
negociadas para favorecer presos por tráfico de drogas.
O MPF descreve duas negociações que
resultaram na liberdade de três presos e outra que foi abortada, porque os dois
presos não tinham o valor de R$ 360 mil de propina, pedido pelos participantes
do esquema. Segundo a acusação, “a Polícia Federal somente conseguiu desvendar
três casos, mas o quadrilheiro Quêdo relatou que a quadrilha atuou noutros
casos”.
Carros vermelhos
O primeiro caso relatado pelo
Ministério Público na denúncia é o da liminar concedida pelo desembargador
Hélcio no dia 6 de fevereiro de 2011, um domingo, para os presos Braz Correa de
Souza e Jesus Jerônimo Silva. Segundo a denúncia, a liminar custou R$ 240 mil,
que foi dividido entre os acusados. O dinheiro foi pago pela mãe de Souza, Rosa
Conceição Durante Souza, e pela filha de Jesus Silva, Jaqueline, que passou a
integrar o esquema.
As liminares foram pagas com a
transferência de duas caminhonetes, uma Saveiro e uma Strada, ambas vermelhas,
avaliadas em R$ 90 mil, conforme disse em depoimento à Polícia Federal o
próprio advogado Walquir. A diferença de R$ 150 mil foi depositada por Rosa
Conceição na conta de uma funcionária de Quêdo, entre os dias 1º e 4 de
fevereiro. Ou seja, dois dias antes da concessão da liminar.
O Ministério Público narra que R$ 45
mil foram entregues pessoalmente pelo advogado a Quêdo. Do valor, R$ 40 mil em
espécie foram entregues nas mãos do desembargador, em um envelope de papel
pardo, na Fazenda Getúlio, em uma cidade chamada Cláudio, no interior de Minas
Gerais. A informação foi prestada pelo próprio Quêdo em depoimento à Polícia
Federal.
Ainda ao depor para a PF, o
comerciante afirma ser amigo do desembargador há mais de quatro anos e ter
pedido vários favores a ele. “Ao obter sucesso, lhe dava certa quantia em
dinheiro, apenas como forma de agradecimento”, disse no depoimento.
Nos dias que antecederam a concessão
da liminar e um dia depois da libertação dos presos, o desembargador Hélcio e o
comerciante Quêdo trocaram diversos telefonemas. “Toda essa comunicação entre
os acusados tinha o objetivo de sincronizar a impetração do Habeas Corpus com a
data do plantão do denunciado Hélcio Valentim”, descreve a denúncia.
"85 bilhetes"
O Ministério Público descreve um
segundo caso semelhante ao primeiro. No dia 15 de maio de 2011, também um
domingo em que o desembargador Hélcio estava de plantão, foi concedida por ele,
uma liminar determinando a soltura do preso Leandro Zarur Maia. O preso foi
arregimentado, segundo a acusação feita por Jaqueline, visto uma liminar já
obtida em favor do pai mediante o pagamento.
A denúncia narra que, desta vez, o
preço cobrado pela decisão judicial foi de, pelo menos, R$ 85 mil, dos quais,
novamente, R$ 40 mil foram entregues ao desembargador em mãos, em outro
envelope pardo.
Com autorização judicial, a PF gravou
conversas telefônicas e obteve mensagens de texto enviadas por celular (SMS)
entre Walquir e Quêdo. Em uma das mensagens, enviada pelo advogado ao
comerciante em 20 de abril — quase um mês antes da concessão da liminar — ele
informa já estar com os “85 bilhetes”. No dia seguinte, o advogado ligou para
Quêdo para perguntar se havia recebido a mensagem. O comerciante confirmou o
recebimento e disse que já tinha mostrado para “o homem”, que seria o
desembargador, que estava ao seu lado.
De fato, no dia 20 de abril, o
desembargador Hélcio viajou de Belo Horizonte para a cidade de Cláudio e se
encontrou com o intermediário da venda das decisões na cachaçaria de
propriedade de Quêdo. O encontro foi filmado pela Polícia Federal e faz parte
de um dos anexos da denúncia. O dinheiro foi entregue ao desembargador em um
sítio na cidade de Carmo da Mata, também no interior de Minas Gerais.
Da mesma forma que ocorreu no
primeiro caso, nos dias que antecederam a concessão da liminar os quatro
acusados trocaram vários telefonemas, também listados na denúncia. O Ministério
Público afirma que para garantir o acordo, o desembargador ligou para uma
escrevente do Tribunal de Justiça de Minas Gerais na sexta-feira, 13 de maio, e
ordenou que os pedidos protocolados no dia 14 fossem distribuídos ao
desembargador Judimar Biber e os que chegassem no dia 15, fossem distribuídos
para ele.
A informação foi prestada pela
escrevente em depoimento à Polícia Federal: “Que, na sexta-feira, antes do
final de semana do dia 14 de maio, a depoente recebeu uma ligação telefônica do
desembargador Hélcio, orientando a depoente de que no final de semana as ações
protocoladas no sábado seriam dirigidas ao desembargador Judimar Biber e no
domingo a ele próprio; Que, pelo que a depoente se recorda, o desembargador
Hélcio teria dito que tinha um compromisso no sábado”.
O advogado Walquir afirmou à PF que
em uma de suas conversas com Quêdo, ele afirmou que havia tomado “uma sacolada
do homem”. Segundo o advogado, era uma cobrança para que eles se cientificassem
que não havia corréus no processo de Leandro, evitando que outros presos, que
não pagaram pela liminar fossem beneficiados.
Viagem cancelada
No terceiro caso narrado pelo
Ministério Público Federal, a liberdade dos presos não se consumou porque eles
não conseguiram os R$ 360 mil pedidos pelo advogado Walquir. Consta denúncia
que os irmãos Thiago e Ricardo Bucalon, também presos por tráfico de drogas,
“souberam que alguns ‘sucessos’ obtidos pelo advogado Walquir, e o contrataram
para que comprasse a decisão concedendo-lhes a liberdade”.
Ainda segundo a narrativa do MPF, o
advogado procurou Quêdo, que consultou o desembargador Hélcio. Com a resposta
afirmativa para dar curso à negociação, foi estipulado o valor de R$ 180 mil
para cada um dos irmãos. Em depoimento à PF, Walquir informou que Quêdo pediu
R$ 300 mil. E que ele próprio acrescentou R$ 60 mil, taxa referente à sua
participação no esquema.
A Polícia Federal constatou que,
apesar do negócio não ter dado certo, o desembargador Hélcio acessou o
andamento processual do processo dos irmãos Bucalon pouco depois da negociação
não se concretizar. Em outra mensagem de texto enviada de Walquir para Quêdo,
ele informa: “Meu chefe, eu tive com aqueles 2 meninos de Ribeirão, cancela a
viagem dos 2. Não vão ter dinheiro. Depois te explico”.
De acordo com o Ministério Público,
também neste caso, apesar da negociação não ter chegado ao final, estão
consumados os crimes de corrupção passiva e ativa. “A doutrina e a
jurisprudência advertem que a corrupção é crime formal, consumando-se com a
mera oferta (a postura ativa) ou sua aceitação (a postura passiva).
Jus Postulandi
A denúncia do Ministério Público
Federal é resultado das investigações da chamada operação Jus Postulandi,
deflagrada pela Polícia Federal em junho de 2011. Na ocasião, Walquir e Quêdo
foram presos e o desembargador conduzido até o STJ, onde foi ouvido pelo
ministro Massami Uyeda, relator do processo. Depois disso, por unanimidade, a
Corte Especial do STJ decidiu afastar o desembargador do cargo.
Além de pedir o recebimento da
denúncia contra os 13 acusados, o MPF pede que o STJ prorrogue o período de
afastamento do desembargador de suas funções no prazo fixado em 360 dias. O
subprocurador-geral da República, Eitel Santiago, também pede que o STJ
determine a Quêdo, Jaqueline e Walquir o comparecimento periódico perante a um
juiz federal para justificarem suas atividades,assim como a proibição de saírem
de suas cidades sem prévia autorização e o recolhimento domiciliar noturno e em
dias de folga.
“As medidas justificam-se por serem
alternativa menos gravosa que a prisão preventiva dos acusados, e por
dificultarem que eles atuem com o propósito de embaraçar a apuração dos fatos
no curso da ação penal, que será certamente instaurada”, sustenta o Ministério
Público.
Após três anos tramitando no STJ, de
forma silenciosa o processo encontra-se pronto para ir a julgamento. Tudo
ocorreu sem qualquer divulgação pela grande imprensa, e com pequena importância
dada pelo primo de Aécio ao processo, que sequer nomeou um advogado, obrigando
o relator ministro Napoleão Nunes Maia Filho a convocar um defensor público
para representá-lo. Informações advindas do Conjur.
Documentos que fundamentam a matéria: