18 de fevereiro de 2014
Verdades que
não podem ser
definitivas
Paulo
Roberto de Almeida* - O Estado de S. Paulo
Algumas "teses" passam por
verdades. Como não estou de acordo com algumas delas,
permito-me fazer correções a essas
"verdades inquestionáveis".
1) Este é o pior
Congresso de todos tempos. Não, não é: este é apenas um Congresso
"normal", que reflete as realidades políticas brasileiras, e os
"tempos" ainda não acabaram. Teremos Congressos ainda piores do que
este, pela simples razão de que o Brasil se encontra em plena construção de sua
"democracia de massas". Inevitável, assim, que as antigas
representações elitistas sejam podadas em favor de novos representantes das
classes populares e de setores organizados: sindicatos, igrejas, movimentos
sociais, grupos de interesse setorial, etc. O sistema político é uma importante
modalidade de ascensão social, atraindo arrivistas e oportunistas que têm no
Congresso um excelente vetor de "negócios" de todo gênero.
2) A carga tributária
brasileira já bateu no teto, impossível subir mais. Outro ledo engano. Não há
limite teórico para a carga tributária, embora possa haver limites práticos,
dada a conhecida relação entre taxação e receitas. Quem disse que a carga
tributária não pode aumentar mais não conhece a sanha arrecadatória da nossa
máquina fiscal, uma das mais eficientes do mundo. As despesas contratadas pelo
Estado têm de ser financiadas de alguma forma e o governo vem criando novas
fontes de gastos por meio dos programas sociais. Ou seja, continuaremos pagando
cada vez mais para o Estado cobrir essas "obrigações", que, diga-se
de passagem, são demandadas pela própria sociedade. O povo brasileiro adora o
Estado, implora que o Estado venha em seu socorro com programinhas sociais ou
com alguma nova prestação especial.
3) A corrupção atingiu
limites nunca vistos, não é mais possível continuar assim. Difícil saber, pois
não dispomos de um "corruptômetro" para medir avanços e recuos da
corrupção. Quantos "por cento" do produto interno bruto (PIB) são
intermediados de maneira heterodoxa? Difícil saber, não é mesmo? Não temos base
de comparação, histórica ou atual. O certo é que a corrupção tende a aumentar
quando fluxos de receitas e de pagamentos transitam pelos canais oficiais, uma
vez que transações puramente privadas são vigiadas pelas partes, cada uma
cuidando do seu rico dinheirinho. O dinheiro da "viúva" é um pouco de
todo mundo: existem milhares de programas "essenciais" para o
bem-estar público, objeto de planejamento, discussão congressual, alocação,
empenho, licitação, leilão, concorrência, doação, etc. É evidente que num
sistema assim alguns dos muitos intermediadores encontrarão alguma maneira de
desviar o dinheiro "público" para seu próprio usufruto. Quanto maior
proporção do PIB brasileiro passar pelos canais públicos, maiores serão as
oportunidades de corrupção. A corrupção só diminuirá quando menores volumes de
recursos passarem pelos canais oficiais. Elementar, não é mesmo?
4) A qualidade da
educação já atingiu patamares mínimos, tem de melhorar. Os otimistas incuráveis
acham que a escola pública já piorou o que tinha de piorar e que daqui para a
frente o movimento será no sentido de sua melhoria. Eu acho que ainda não
atingimos o fundo do poço, independentemente do volume de recursos que se jogue
no sistema atual. Existe uma incultura generalizada na sociedade, detectável
nos canais públicos de televisão e nas universidades de modo geral, sem
mencionar as "saúvas freireanas" do Ministério da Educação (MEC).
Resultado paralelo de nossa "democracia de massas" e de um descaso
generalizado com a escola pública, mais e mais pessoas ignorantes ascendem a
posições de mando, com o que continuam contribuindo para a deterioração ainda
maior do ensino, público ou privado. Uma ignorância enciclopédica atinge os
mais variados campos do saber humano; como não existe muita autocrítica, ela
continua impunemente produzindo efeitos deletérios sobre o nosso sistema de
ensino. Acreditem, não há nenhum risco de melhoria da educação brasileira no
futuro previsível.
5) O Brasil está
condenado a ser grande e importante, é o país do futuro. Essas tiradas
patrioteiras nunca me comoveram, pela simples razão de que tamanho não é
documento. A China sempre foi enorme, gigantesca, e decaiu continuamente
durante três ou mais séculos, antes de começar a reerguer-se, penosamente, nas
duas últimas décadas do século 20. Ela está longe, ainda, de ser um exemplo de
prosperidade para o seu povo, mesmo que possa já ser uma potência militar e
venha a ser, brevemente, uma potência tecnológica, também. A Rússia sempre foi
um gigante de pés de barro, seja no antigo regime czarista, seja durante os
anos de socialismo senil, até se esboroar na decadência política e no
capitalismo mafioso, do qual o país ainda não se recuperou.
O Brasil sempre foi
grande, e pobre, não absolutamente, mas educacionalmente paupérrimo,
miserabilíssimo no plano cultural. Somos hoje um país totalmente
industrializado - repito, totalmente - e uma potência no agronegócio, mas não
deixamos de ser pobres, educacionalmente falando. Ainda estamos no século 18 em
matéria de ensino, quando não de cultura. Bem sei que dispomos, atualmente, de um
sistema de produção científica que se situa entre os 20 melhores do mundo, mas
isso "atinge", se tanto, uma mínima parcela da população, uma
superestrutura extremamente fina em termos sociais. O que vale, em última
instância, não é poder econômico absoluto, mas o poder relativo e, sobretudo,
bem-estar e prosperidade para a população, qualidade de vida, e nisso estamos
muito aquém do desejável. O Brasil continuará sendo um gigante de pés de barro
enquanto não resolver problemas básicos no interior de suas fronteiras. Para
mim, ele continua pequeno...
*Paulo Roberto de
Almeida é diplomata e professor universitário (http://diplomatizzando.blogspot.com.br/).