Opinião
11 de fevereiro de 2014
A denúncia que tardava
O Estado de S.Paulo
Em meados de 2005, pouco depois de o então deputado
federal Roberto Jefferson revelar a existência de um esquema de suborno de
parlamentares com dinheiro público para aprovar projetos de interesse do
governo do presidente Lula - o escândalo do mensalão, assim chamado pela
frequência dos pagamentos -, veio à tona a denúncia de que, em 1998, a campanha
à reeleição do então governador tucano de Minas Gerais, Eduardo Azeredo,
desviou R$ 3,5 milhões (ou R$ 9,3 milhões em valores atualizados) de duas
empresas estaduais, Cemig e Copasa, além do banco oficial Bemge.
Inevitavelmente, o esquema ficou conhecido como mensalão mineiro. Apesar das
diferenças entre os dois casos, o nome pegou porque o seu pivô era o mesmo, o
publicitário Marcos Valério de Souza. Tanto que, em 2007, o então
procurador-geral da República, Antonio Fernando Silva, afirmou que o mensalão
mineiro foi o "laboratório" do similar federal.
De fato, Valério tomou empréstimos bancários e
transferiu os respectivos valores para o caixa da campanha de Azeredo. Depois,
saldou as dívidas com recursos das citadas estatais, destinados, no papel, ao
patrocínio de eventos esportivos. No mensalão propriamente dito, o publicitário
branqueava o dinheiro público desviado para as suas empresas mediante a
contratação de empréstimos bancários fictícios. Na última sexta-feira, Azeredo
foi denunciado pelo atual procurador, Rodrigo Janot, por peculato e lavagem de
dinheiro. Numa iniciativa incomum, ele pediu 22 anos de prisão para o político.
Por sinal, absurdos 16 anos se passaram desde os fatos e mais de 4 desde que o
ministro Joaquim Barbosa, o primeiro relator da matéria, defendeu a abertura de
processo no Supremo Tribunal Federal (STF) contra os acusados detentores de
foro privilegiado. Azeredo, atual deputado federal e ex-presidente do PSDB,
compara-se ao ex-presidente Lula, que ficou fora da Ação Penal (AP) 470.
"Eu também não posso ser responsabilizado."
Pode sim, porque neste caso há provas
"absolutamente suficientes", sustenta Janot, de que o governador em
busca do segundo mandato "participou decisivamente" da operação de
desvio de dinheiro do Estado, cuja lavagem "teve a participação direta,
efetiva, intensa e decisiva" de Azeredo. Além disso, existem evidências de
relacionamento próximo entre o tucano e o publicitário. Entre julho de 2000 e
maio de 2004, eles se falaram por telefone pelo menos 57 vezes. Na sua petição
de 84 páginas, o procurador compara Azeredo não a Lula, mas ao ex-ministro José
Dirceu, que divide com Valério o pódio dos principais condenados do mensalão e
celas separadas no Presídio da Papuda, no Distrito Federal. Assim como o
"capitão do time" do governo Lula, Janot argumenta, Azeredo cuidou de
se preservar, "nunca se pondo ostensivamente à frente do esquema e
permanecendo em segundo plano, em clara tentativa de ocultar sua participação
nos delitos".
Ele tem 15 dias para apresentar as alegações finais
em sua defesa. Depois, em data ainda indefinida, o ministro Luís Roberto
Barroso, relator da respectiva ação penal, de número 536, encaminhará o seu
parecer ao plenário da Corte. Outra AP, a 606, tem como réu o senador Clésio
Andrade, do PMDB, companheiro de chapa de Azeredo em 1998. A extrema lentidão
do processo salvou a pele de outro denunciado, nesse caso por peculato e
formação de quadrilha, o então petebista Walfrido dos Mares Guia,
vice-governador de Minas na gestão do tucano e, mais tarde, duas vezes ministro
no governo Lula. Ele se safou por ter completado 70 anos em novembro de 2012. A
partir dessa data, o prazo para a prescrição dos crimes de que foi acusado caiu
à metade - e já se esgotou. Em abril, pelo mesmo motivo, o tesoureiro da
campanha de Azeredo, Cláudio Mourão, poderá requerer a alforria. Marcos Valério
enfrenta no STF uma ação civil por improbidade administrativa; a ação por peculato
e lavagem corre numa vara criminal de Minas, porque o processo foi desmembrado.
O essencial, a esta altura, é recuperar o que for
possível do tempo desperdiçado. Os mensaleiros de Brasília, com a exceção de
Roberto Jefferson, já cumprem as suas penas.
O julgamento dos
seus precursores ainda nem começou.