23.fevereiro.2014
“Os juízes
podem muito,
mas não podem
tudo”
Para juiz federal, a corrupção está enraizada na
vida do brasileiro
por Mateus Coutinho e Fausto
Macedo
A nova Lei
Anticorrupção, em vigor desde janeiro, não vai acabar com a cultura dos
desmandos com dinheiro público no País. A avaliação é do juiz federal Ali
Mazloum.
Para ele, a
Lei 12.846/2013, que prevê punição para as empresas, tem o objetivo de
intimidar corruptos e corruptores. Mas destaca que a maior parte dos processos
de corrupção em curso na Justiça não mira as empresas, apenas as relações
pessoais entre corruptor e funcionário público corrompido.
“A
corrupção faz parte de usos e costumes e não se acaba com ela por meio de leis,
por mais rigorosas que sejam”, afirma.
Juiz
federal em São Paulo desde 1992, professor de Direito Constitucional, Direito
Penal e Direito Processual Penal, Mazloum é autor de “Crimes do colarinho
branco” e “Crimes contra o Sistema Financeiro Nacional”, entre outros livros.
Um dos
idealizadores da criação das Varas Especializadas em crimes financeiros e de
lavagem de capitais, ao lado do ministro Gilson Dipp, do Superior Tribunal de
Justiça (STJ), ele implantou na 7.ª Vara Criminal Federal o ‘processo-cidadão’,
pelo qual a ação criminal tem duração máxima de 10 meses.
ESTADO: O QUE MUDA, DE FATO, COM A NOVA LEI
ANTICORRUPÇÃO?
JUIZ FEDERAL ALI MAZLOUM: Acredito que haverá mudanças com
a nova lei anticorrupção, em face da inovadora responsabilização nos planos
civil e administrativo da pessoa jurídica envolvida com atos de corrupção
contra a administração pública. O empresário que costuma se valer de suborno
para obter vantagens em seus negócios pode se dar muito mal. A
responsabilidade, que é objetiva, independe de prova de culpa, pode levar a
empresa a uma condenação de até 20% de seu faturamento bruto, além da obrigação
de reparar o dano causado, com perdimento de bens e valores iguais ao montante
da vantagem auferida, chegando a possível suspensão ou interdição das
atividades, e até mesmo dissolução compulsória da empresa. Ademais, a empresa
ficará sujeita a proibição de receber incentivos ou subsídios de órgãos
públicos. As penas são graves e devem pesar no processo de tomada de decisão do
empresariado, pois as consequências são drásticas.
ESTADO: VAI INTIMIDAR OS CORRUPTOS?
ALI MAZLOUM: A Lei 12.846/2013 tem o propósito de intimidar corruptos e corruptores.
Entretanto, é bom salientar que a maior parte dos processos de corrupção que
hoje tramitam na Justiça não tem como pano de fundo a figura da empresa,
comercial, industrial e de serviços. Referem-se a relações de natureza pessoal
entre corruptor e funcionário corrompido, como é o caso do agente que oferece
vantagem ao funcionário para a obtenção de um alvará, ou para livrar-se de
multa. Portanto, a lei por si só não vai acabar com a cultura da corrupção que
vigora em nosso País. A lei não muda comportamentos. É como esperar que a
construção de mais presídios, sem investimento nas pessoas, pudesse reduzir a
violência. Deve-se, antes de tudo, investir no ser humano.
ESTADO: POR QUE A CORRUPÇÃO É ENDÊMICA NO BRASIL?
ALI MAZLOUM: A corrupção está enraizada na vida do brasileiro. Faz parte de usos e
costumes e não se acaba com ela com leis, por mais rigorosas que sejam. Deve-se
mudar toda uma cultura que se formou ao longo de séculos, quando os primeiros
imigrantes vinham ao Brasil para explorar riquezas, leva-las aos seus países de
origem, sem nunca se comprometerem com o futuro deste País. Isso precisa mudar.
É preciso investir em educação de qualidade, em período integral, durante pelo
menos trinta anos seguidos. As gerações que formaremos com essa nova educação
poderão mudar nosso país, alterar perniciosas práticas políticas encrustadas no
cotidiano dos três poderes da República. A causa da corrupção está no baixo
nível educacional, e é isto que deve ser atacado. Existe uma omissão histórica
do Estado com relação ao menor, e se não investirmos nele, continuaremos
enxugando gelo.
ESTADO: O QUE OS JUÍZES PODEM FAZER PARA LIVRAR O
PAÍS DA CORRUPÇÃO, ‘MAL DE PROFUNDAS RAÍZES’, COMO DISSE O CHEFE DA POLÍCIA
FEDERAL RECENTEMENTE?
ALI MAZLOUM: Os juízes podem muito, mas não podem tudo. Os magistrados são formadores
de opinião e podem, através de suas sentenças, traçar um norte capaz de guiar a
sociedade, de modo a melhorar a forma como as pessoas e as instituições se
relacionam. Os juízes devem, através de trabalho transparente, denunciar as
mazelas existentes em todos os três poderes e pressionar por mudanças, por uma
educação melhor. As sentenças devem ser didáticas e pedagógicas, o que já seria
um grande passo nesse processo de transformação que se faz necessário.