No
dia 20 de fevereiro de 2014 aconteceu um evento em Belo Horizonte que ilustra a
conduta da grande mídia. Esta mídia sempre incansável em afirmar sua
independência e perseverante em refutar acusações de um claro e cristalino
partidarismo político continua a ser a mesma mídia incapaz de transpor à
realidade esse seu credo que com o passar dos anos se torna retumbante eco de
um discurso vão e vazio.
Mas o que aconteceu
em Belo Horizonte na data mencionada? Uma visita de cortesia do ex-governador
de Minas Gerais, presidente do PSDB, senador da República e presidenciável
tucano Aécio Neves ao ex-presidente do PSDB, ex-governador de Minas Gerais,
ex-senador da República e agora, ex-deputado federal Eduardo Azeredo.
Acompanhando Aécio Neves estiveram também, dentre outros, Antônio Anastasia e o
pré-candidato tucano ao governo de Minas, Pimenta da Veiga.
A repercussão na
grande mídia foi pífia.
Algo bem próximo do
“inexistente zero” quanto ao valor-notícia do evento.
Onde o estardalhaço
no Jornal Nacional da TV Globo? Onde os editoriais inflamados da Folha de
S.Paulo, Estado de São Paulo e O Globo? Onde as virulentas abordagens - ditas
políticas - nas colunas dos oráculos da grande imprensa representados por
Merval Pereira, Eliane Cantanhêde e Josias de Sousa?
A visita do
presidente do PSDB ao ex-presidente do PSDB recebeu destaque mínimo no jornal
Estado de São Paulo e apenas não “passou batido” nas engrenagens que dizem o
que é (e o que não é) notícia no Brasil graças ao empenho de dezenas de
cidadãos-jornalistas que proliferam na blogosfera e por menos que meia dúzia de
sites de jornalismo na internet.
E ponto.
A reunião entre
os próceres tucanos aconteceu menos de 24 horas após Eduardo Azeredo
apresentar carta de renúncia ao mandato parlamentar exercido na Câmara dos
Deputados. Carta reunindo 596 palavras onde Azeredo destaca de importante o
seguinte:
1. considera a pena
de 22 anos de prisão proposta para ele pelo Procurador-Geral da República
Rodrigo Janot como“hedionda denúncia da Inquisição (mais) do que uma peça
acusatória do Ministério Público”;
2. adianta logo de
início a fragilidade de sua saúde com a sentença “minhas forças já se exaurem,
com sério risco para a minha saúde e para a integridade de minha família”;
3. antecipa que com
o ato de renúncia recebido na Câmara Federal, deixa de ter foro privilegiado
que lhe garantia o direito de ser julgado pelo STF e entrevê que a Ação Penal em
que figura como réu retornará a julgamento em primeira instância em “meu amado
estado de Minas Gerais”;
4. deixa
subentendido que sendo interrompido o julgamento na Suprema Corte do país, uma
vez que não exercerá mais mandato público, aguardará o seu julgamento “certo de
que, na serenidade que deve presidir os veredictos, fique definitivamente
comprovado que não tenho culpa pelas acusações que sofri”;
5. entende que
renunciando ao mandato evita que “o meu nome continue sendo enxovalhado, que
meus eleitores sejam vítimas, como eu, de mais decepções, e que sejam atingidos
o meu amado estado de Minas Gerais e o meu partido, o PSDB.”
Convido os caros
leitores a refletirem se fosse outra a situação, outra a personalidade
visitada, outro o partido político em evidência, outros os visitantes ilustres.
E também se a data retrocedesse exatos 9 anos, retroagindo ao último mês de
dezembro de 2005. Mas, praticamente similares tanto as circunstâncias quanto o
objeto do evento - visita de cortesia em correligionários na vida política.
Nesse caso
hipotético os leitores, telespectadores e ouvintes de emissoras de rádio
saberiam que:
“No dia 2 de
dezembro de 2005, ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, acompanhado do
governador do Acre, Jorge Viana, e do presidente nacional do PT, Ricardo
Berzoini, realizou visita de cortesia ao ex-presidente do PT e ex-chefe da Casa
Civil, José Dirceu, um dia após ter seu mandato parlamentar cassado pela Câmara
dos Deputados.”
Mas, 10 em 10
pessoas saberiam que evento dessa natureza receberia tratamento “jornalístico”
profundamente diferenciado, muitas seriam as ilações, inúmeras as tintas do
escândalo, irreprimíveis os ânimos político-partidários dos profissionais da
notícia que se vêem como paladinos da isenção e do respeito à pluralidade de
pensamento.
Provavelmente
fariam uso de adjetivos desabonadores a todos personagens envolvidos:
“O chefe oculto do
mensalão petista visita o capo das falcatruas” teria sido o nome da coluna do
Reinaldo Azevedo (revista Veja) ;
“Mais uma reunião
de quadrilheiros?” poderia ser o título de alguma coluna do Merval Pereira
(jornal O Globo);
“Comparsas” seria o
lacônico título de editorial do jornal Folha de S.Paulo.
Além disso a foto
da visita seria capa:
“DESAVERGONHADOS –
Como um presidente da República desce tão baixo ao visitar meliante petista
denunciado pelo PGR e logo após a cassação do mandato?”, seria provavelmente a
manchete da capa da revista Veja, editada pelo Grupo Abril. E ao fundo da
manchete avermelhada a estrela do PT.
Mas como o fato
dessa semana envolveu o grão-tucanato, o falante presidenciável tucano e o
elegante deputado que renunciou ao mandato para impedir o STF de ser célere em
um julgamento que sempre teve tudo – menos celeridade! – a grande imprensa se
faz, literalmente, de morta.
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Comentário
Meu caro Daniel, deve o
cordeiro se queixar do lobo quando o pastor foi relapso e o deixou sozinho? Por
que se espantar com a natureza dos donos da imprensa no Brasil e no mundo? Eu
me espantaria se eles começassem a defender os pobres, os interesses nacionais
e a democracia. Não os culpe por sua natureza! Culpe aqueles que tem o poder de
modificar esta situação e se calam, e se amofinam!