Flávio Aguiar *
A
campanha nacional e internacional contra o Brasil e os brasileiros
disseminou três tipos de detratores do nosso país: abutres, coveiros e goiabas.
1. Os abutres
São os mais ideológicos de todos. No plano internacional têm
sido puxados por The Economist e Financial Times. Para eles o Brasil se
assemelha a uma valiosa carniça a ser saqueada. O valor da carniça aumentou
muito desde as descobertas na camada atlântica do pré-sal.
Muitos deles mantém uma pretensa
elegância, muito própria para quem gosta de usar ternos de grife no trabalho.
Seu estilo preferido é o prosaico analítico, com direito, vez por outra, a
certos sarcasmos pesados, que eles vêem como mera ironia, como a de comparar a
nossa presidenta a Groucho Marx.
Adoram elogiar o México e a Aliança do
Pacífico, como “respostas” ao Brasil e o Mercosul. No fundo, no fundo, o que
queremé garantir o máximo possível de renda para o capital rentista e a parte
do leão das riquezas brasileiras, passadas, presentes e futuras para ele. Às
vezes animam gente mais grosseira, como no caso das vaias VIP, no Itaquerão.
Mas aí começamos a entrar no segundo grupo.
2. Os coveiros
De um modo geral, são aqueles detratores que, no fundo, bem
no fundo, acham que nasceram no país, na latitude e na longitude erradas, além
do fuso horário trocado.
Latitude errada: nasceram no hemisfério
sul. Longitude errada e fuso horário trocado: a hora da nossa capital não é a
mesma de Washington, nem de Londres, nem de Paris. Grosso modo, dividem-se em
dois grupos. O primeiro simplesmente detesta o país em que nasceu. Não suporta
olhar pela janela e ver bananeiras ao invés de pine trees. Detesta até ver
palmeiras ao invés de palm trees.
São os detratores de sempre, os que se
ufanam da Europa e dos Estados Unidos e que pensam que o nosso povo é
desqualificado para ser um povo. Sua abrangência é nacional, mas também
aparecem alguns no plano internacional.
Ouvi durante seminário recente aqui em
Berlim que o Brasil é um país que não tem cultura, só tem música e samba. Não
sei exatamente o que a pessoa em questão, que não era brasileira, entendia por
“cultura”, “música” e “samba”, mas sei muito bem o que ela entendia por
”Brasil”: um bando de gente nu por fora e por dentro, mais ou menos como os
primeiros europeus viam os índios quando chegaram para conquistá-los e
dizimá-los.
São e serão os coveiros de sempre. O
segundo grupo pegou carona na campanha dos abutres. Gosta de falar mal do
Brasil de agora, este que aí está, com pleno emprego e melhora na repartição de
renda. Quer dar a volta no relógio e no calendário, nos ajustar de novo ao
tempo em que pobre era miserável e miserável não era nada. Acha que pode
garantir de novo os aeroportos só para si. Mas é um grupo que gosta de falar
também em generalidades.
Se dentro do Brasil, usa o pronome nós
(“nós somos corruptos”, “nós somos violentos”, “nós somos ineficientes”, etc.),
mas é um “nós” que tem o valor de “eles”, pois só vale da boca para fora.
É uma verdadeira proeza gramatical. Pois
o distinto coveiro deste grupo se apresenta, explícita ou implicitamente, como
uma exceção. Os estilos preferidos variam: vão do insulto grosseiro à
lamentação sutil.
Os coveiros deste grupo costumam ter um
alvo preciso, que copiam dos abutres: no momento atual, a eleição de outubro.
Já os coveiros do primeiro grupo não têm alvo preciso, a não ser o de fazer
compras em Miami (alguns) ou passear de bonde ou ônibus nas capitais europeias
enquanto faz campanha contra corredores de ônibus nas cidades brasileiras.
3. Os goiabas
Este é um grupo mais variegado. Seu estilo varia entre a
euforia e a lamentação. Mas são plagiadores profissionais. Copiam sem restrição
tudo o que lhes é servido pelos abutres e os coveiros. Repetem
entusiasticamente: “o gigante acordou em junho do ano passado”.
Ou chorosamente: “a Copa do Mundo no
Brasil tirou dinheiro das escolas e dos hospitais”. E repetem firmes outras
condenações peremptórias, como “a de que os estádios ficarão necessariamente
ociosos depois da Copa”.
São muito numerosos, barulhentos, tanto
dentro como fora do país. Também repetem-se muito entre si mesmos, achando que
estão sendo originais. Gostam de dizer que estão “mostrando o verdadeiro
Brasil” ao nos detratar como um país imóvel, que não tem entrada nem saída.
Os grupos ficaram martelando – mais os coveiros, os goiabas
e, mas com a reza em voz baixa a seu favor vinda dos abutres internacionais e
também com as vezes a reza em voz alta dos abutres nacionais – que a Copa não
ia dar certo, que seria um fracasso, que os aeroportos iam entrar em colapso,
que as cidades (e o metrô de S. Paulo no dia da abertura) iriam parar, etc.
Deram com os burros n’água. Cavaram a própria cova e
esqueceram de levar uma escada de saída. Ainda esperam que “algo”, alguma
catástrofe, qualquer coisa, aconteça até o final da Copa. Depois deste final,
vão tentar uma de duas: se o Brasil ganhar a Copa, vão dizer que o nosso povo é
um bando de babacas que só sabem correr atrás da bola quando vêem uma. Se o
Brasil perder, vão insistir na idéia de que o governo jogou dinheiro fora.
Vamos ver o que vai acontecer.
Antes de encerrar, quero esclarecer que “abutres”,
“coveiros”, “goiabas” e até “burros n’água” são apenas metáforas literárias,
que não deve ser lidas literalmente. Nada tenho contra os abutres que, como os
urubus, ajudam a manter a limpeza no seus espaços; nem contra a operosa classe
dos coveiros, tão socialmente valiosos como qualquer outra profissão laboriosa;
muito menos contra as goiabas, frutas deliciosas como tantas outras; e
certamente nada contra os pacientes burros da vida real, que nada têm de burros.
Burros,
neste último sentido, apesar de alguns se acharem espertalhões,
são os
“abutres”, os “coveiros”, e os “goiabas”.
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Flávio Aguiar |
* Nasceu em Porto Alegre
(RS), em 1947, e reside atualmente na Alemanha, onde atua como correspondente
para publicações brasileiras. Pesquisador e professor de Literatura Brasileira
da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, tem mais de trinta
livros de crítica literária, ficção e poesia publicados. Ganhou por três vezes
o prêmio Jabuti da Câmara Brasileira do Livro, sendo um deles com o romance
Anita (1999), publicado pela Boitempo Editorial. Também pela Boitempo, publicou
a coletânea de textos que tematizam a escola e o aprendizado, A escola e a
letra (2009), finalista do Prêmio Jabuti, Crônicas do mundo ao revés (2011) e o
recente lançamento A Bíblia segundo Beliel. Colabora com o Blog da Boitempo
quinzenalmente, às quintas-feiras.