Sou inteiramente solidário com Miriam Leitão e Carlos Alberto
Sardemberg, que tiveram seu perfil na enciclopedia Wikipedia alterado a partir
de um computador conectato a rede do Palácio do Planalto.
O grave, no episódio, é a geo-política.
É inaceitável que um instrumente que pertence ao
patrimonio público seja utilizado em benefício de interesses políticos
particulares.
Cabe investigar e apurar as responsabilidades, como o
governo já anunciou que irá fazer.
Mas discordo da própria Miriam Leitão quando ela diz:
“É ingenuidade acreditar que uma pessoa isolada,
enlouquecida, resolveu, do IP da sede do governo, achincalhar jornalistas.(…)
Alguém deu ordem para que isso fosse executado. É uma política. Não é um caso
fortuito. E o alvo não sou eu ou o Sardenberg. Este governo desde o princípio
não soube lidar com as críticas, não entende e não gosta da imprensa
independente. Tentou-se no início do primeiro mandato Lula reprimir os
jornalistas através de conselhos e controles. A ideia jamais foi abandonada.
Agora querem o “controle social da mídia”, um eufemismo para suprimir a
liberdade de imprensa.”
Com isso, tenta-se
confundir o Planalto, imóvel frequentado por centenas de funcionários e
visitantes, todos os dias, com o “Planalto” como instituição política e comando
do governo.
Faltam indícios minimamente consistentes para se sustentar essa teoria da
conspiração, o que não ajuda quem quer esclarecer mas serve a quem quer
confundir — quando falta um mês e meio para a eleição presidencial.
Um funcionário do governo é orientado a falar mal de Miriam Leitão e Sardemberg
para suprimir a liberdade de imprensa?
Calma.
A afirmação (“alguém deu ordem”) é tão leviana que chega a lembrar uma
observação fabricada contra Sardemberg pelos militantes da Wikipedia.
É aquela no qual se tenta associar sua visão de política econômica ao fato de
que um de seus irmãos ocupa um cargo de direção na Bolsa de Valores.
Nós sabemos que a
proximidade entre o jornalismo e o mercado financeiro já despertou diversos
debates de natureza ética, em especial em Wall Street.
Mas, a menos que se possa demonstrar uma relação de causa e efeito entre os
interesses de um irmão e os comentários do outro, uma insinuação dessa natureza
é precipitada e maldosa.
Acho que Sardemberg
e Miriam dizem e escrevem aquilo que dizem e escrevem porque estão convencidos
de que devem dizer o que dizem e escrevem.
Isso não os impede de falar e escrever coisas que julgo erradas e divulgar
ideias falsas.
É pertinente lembrar um fato maior.
O salto tecnológico
da internet abriu imensas possibilidades de emancipação e liberdade para a
espécie humana e também criou oportunidades para controles indevidos, repressão
e banditismo.
No mesmo instante
em que você lê estas linhas, alguém pode estar acionando um esquema para me
xingar, mentir e caluniar.
Acontece sempre e
todo dia e a Wikipedia, enciclopedia aberta aos internautas, é parte desse
mundo. Existem cidadãos que consideram seus comentários em blogues como parte
de sua condição de cidadãos do seculo XXI.
Outros são profissionais da calunia, cabos eleitorais eletrônicos.
Como qualquer
cidadão vacinado, com título de eleitor em dia, sei que as grandes candidaturas
presidenciais – todas – têm esquadrões subterrâneos na internet, que operam em
graus variados de clandestinidade.
Só não acredito que atuem com nome e endereço, assinando recibo a cada
intervenção indevida.
Num antecedente que
guarda alguma semelhança com este caso, anos atrás um funcionário do Planalto
que tinha acesso a um twiiter presidencial foi apanhado pelo próprio governo
quando divulgou uma ironia contra um adversário.
A mensagem não chegou a permanecer um minuto no ar. Tratada como gesto
imperdoável, foi eliminada em seguida. O responsável foi forçado a pedir
demissão na hora.
Este episódio
mostra que, seja por compreender a necessidade de separar entre interesses
públicos e particulares, ou apenas por não desconhecer o risco que o uso sem
critério da rede do Planalto pode trazer para o governo, ninguém confunde os
computadores do Palácio com as máquinas privadas de um internauta no livre
exercício de seus direitos.
Mas é claro que
posso estar enganado, o que torna prudente aguardar pela apuração.
Por enquanto, falar que “este governo desde o princípio não soube lidar com as
críticas, não entende e não gosta da imprensa independente” é insistir numa
tese conveniente para a propaganda da oposição. Falta combinar com os fatos.
Foi o governo Lula
que desenvolveu critérios técnicos (a chamada “mídia técnica”) para a
distribuição de verbas publicitárias, que antes eram repartidas ao sabor
subjetivo da area de comunicação – e todo mundo achava natural até ali, porque
eram conversas entre amigos do golfe, dos jantares e da política.
Nem no auge das
denúncias da AP 470, que deixaram o governo em carne viva, o Planalto fez
movimentos no sentido de retaliar veículos que se jogaram de corpo e alma numa
campanha para criminalizar ministros e aliados – atitude olímpica que chegou a
gerar um compreensível inconformismo entre o PT e seus amigos. Em vez de
“suprimir a liberdade de imprensa”, como diz a teoria da conspiração, o
Planalto fez questão de manter contratos e pagamentos.
Quando se perguntou
a Joaquim Barbosa por que o mensalão PSDB-MG não era apurado pelo STF com o mesmo
empenho – e o mesmo barulho — do que o esquema de Valério e Delúbio, ele
apontou para os jornalistas. Disse que não demonstravam o mesmo interesse pelos
dois casos. Eu acho que Joaquim errou no argumento.A Justiça não deve e não
pode pautar seu trabalho pela cobertura dos jornais.
Mas é claro que
relator da AP 470 falava a verdade.
Os grandes jornais nunca demonstraram o mesmo empenho para conhecer o mensalão
original.
Pressionaram com
denúncias sem fim, no caso do PT. Aliviaram com o silêncio, no caso do PSDB
mineiro.
A revelação de que
o ex-ministro Pimenta da Veiga, atual candidato ao governo de Minas na chapa
tucana, recebeu 300 000 reais do esquema jamais despertou o espírito
investigativo de nossos reporteres. Olha só. Era uma soma seis vezes superior
aos 50 000 que o ministério público acusou João Paulo Cunha de ter recebido.
Pimenta recebeu
esse dinheiro depois da campanha de 2002, quando Aécio Neves ganhou o governo
de Minas Gerais e boa parte dos condenados da AP 470, como os publicitários Cristiano
Paz e Ramon Hollerbach, participavam da caravana que carregou sua candidatura.
Uma visão
equilibrada das relações entre poderes públicos e a mídia mostra que em Minas
Gerais, os jornais e jornalistas têm uma postura conhecida de docilidade
absoluta diante do governo. Coisa de ditadura albanesa nos tempos do comunismo.
Você pode acreditar que se trata de um silêncio voluntário, fruto de uma
avaliação isenta das realizações de sucessivas administrações estaduais.
Ou não – e você pode imaginar por quê.
Perguntinhas de repórter
inocente: por que nossos paladinos da liberdade de imprensa tem verdadeira
fixação em apontar para um falso bolivarianismo petista em vez de denunciar o
controle da mídia pelo Estado mineiro?
Não sabem o que se passa num Estado habitado por 20 milhões de brasileiros, que
abriga o terceiro PIB do país?
Isso não interessa aos eleitores que tomarão o caminho das urnas em outubro?
Esta é a pergunta, jornalistas e não-jornalistas.
Paulo Moreira Leite é diretor do 247 em Brasília. É também autor do livro "A Outra História do Mensalão". Foi correspondente em Paris e Washington e ocupou postos de direção na VEJA, IstoÉ e Época. Também escreveu "A Mulher que Era o General da Casa".