Enquanto Marina Silva caminha para sua segunda
candidatura presidencial, a ser oficializada pelo PSB nos próximos dias, seus aliados
fazem o possível para apresentá-la como concorrente da chamada terceira via.
Imaginar que Marina Silva pode ser enfeitada com características
que envolvem uma concepção peculiar de luta política, um método de alcançar
seus objetivos — e não apenas traços de personalidade — pode até ajudar o
esforço de quem procura transformar a ex-ministra do Meio Ambiente em herdeira
natural de Eduardo Campos, político conhecido pela capacidade de agregar e
somar.
Mas também ajuda a alimentar uma ilusão, apoiada mais em aparência
do que em consistência. Para ser uma verdadeira “terceira” opção entre dois
pólos, seria preciso imaginar Marina numa posição equidistante entre PT e PSDB.
É claro que isso
está longe de acontecer.
Com ela, o PSB pode até pegar o lugar de Aécio Neves num
eventual segundo turno mas estará cada vez mais perto do PSDB. Não temos três
vias. Mas 2 vias contra 1.
Falar em terceira via é uma forma de encobrir a política
com a qual Marina se identifica. Seu lançamento, como candidata que se encontra
no PSB por razões circunstanciais, não pode encobrir uma situação de linha
auxiliar tucana — mesmo
admitindo que, como mostra pesquisa do DataFolha
divulgada hoje, ela possa se transformar em principal.
Marina deixou o governo Luiz Inácio Lula da Silva em maio
de 2008. Sua saída foi apresentada na época por Paulo Adário, diretor de
Campanhas do Greenpeace, como uma prova do “descaso do governo Lula com a causa
ambiental e também com a proteção da Amazonia.” Na realidade, Lula abriu a
porta de saída para Marina quando se convenceu que ela passara a utilizar o
ministério para pavimentar sua própria candidatura presidencial em vôo
individual, à margem de suas articulações, que conduziram ao lançamento da
candidatura Dilma Rousseff.
O lance final que levou Marina a deixar o governo foi um
ato de desprestígio – Lula entregou para Roberto Mangabeira Unger, ministro sem
nenhuma base política maior, a coordenação do Plano Amazonia Sustentável, no
qual Marina estivera envolvida profundamente por um longo período. Essa decisão
foi o lance final de uma sucessão conflitos marcados por uma postura que pode
ser definida com várias palavras – mas nunca pelos termos empregados para falar
do estilo Eduardo Campos ou mesmo de Luiz Inácio Lula da Silva.
Dias antes, os aliados de Marina haviam transformado uma Conferência
do Meio Ambiente, em Brasília, num ato de lançamento informal de sua
candidatura, improvisando um coro “Marina Presidente” que causou surpresa em
muitos dos
presentes – e ajudou a entender porque na última hora o
próprio Lula cancelou sua aparição no evento.
A primeira grande concessão de Lula a Marina terminou em decepção,
na verdade. Envolvia o poder de deliberação no Comissão Nacional Técnico de
Biossegurança, criada em 2005, com função de dar a palavra final sobre tudo o
que envolve
saúde humana, organismos vivos e meio ambiente. Atendendo
a um pleito da então ministra do Meio Ambiente, Lula assegurou que seus dois
representantes naquele órgão teriam o poder de voto sobre decisões, mesmo que
tomadas por maioria. A idéia era criar um clima para forçar a negociação e o
acordo.
Não funcionou. Os representes do Meio Ambiente preferiam
vetar a negociar, provocando uma revisão no estatuto do CNTBio que diminuiu o
poder de barganha dos ambientalistas.
Quando o governo foi discutir a construção da usina de
Santo Antonio, no Rio Madeira, apareceram dois debates relevantes, embora de
natureza diferente. Um deles, envolvia o nível de retenção da represa, que
poderia comprometer os reservatórios planejados. O outro, envolvia a
sobrevivencia de um tipo de bagre, característico do Madeira. Estudos técnicos
mostraram que era possível encontrar soluções aceitáveis para os dois problemas
– mas Marina atuou no sentido de criar impasses duradouros em vez de abrir o
caminho para soluções, postura que lembrava o que ocorria no governo Fernando
Henrique, quando causas ambientalistas eram usadas para esvaziar investimentos
públicos capazes de comprometer a política de
austeridade do ministro da Fazenda Pedro Malan.
Essa postura se radicalizou após a saída de Marina do
governo.
Ela se distanciou do pensamento econômico desenvolvimentista,
que está na origem dos esforços para elevar o progresso humano e distribuir
renda, para aproximar-se de
economistas que priorizam o mercado, para quem a
preservação da natureza serve de argumento para paralisar o crescimento e diminuir
o consumo, postura que num país como o Brasil, gera as consequencias ruinosas
que todos conhecemos.
Num país marcado pela nefasta tradição do pensamento
único, a campanha de 2014 apresenta uma situação incomum de polarização
política, marcada por candidaturas que, bem ou mal, com nitidez maior ou menor,
expressam o conflito de grandes interesses presentes na sociedade – pobres
contra ricos, 99% contra 1%, e assim por diante.
Você não precisa achar que um dos lados só faz o que é
certo.
Não. Muitas vezes erra, por incompetência, por falta de
visão, pelas duas coisas, também. Mas é preciso compreender que, conforme o seu
ponto de vista, uma vitória do outro lado trará, necessariamente, resultados
ainda piores para os interesses que
você julga mais importantes.
Diversos comentaristas costumam deplorar essa divisão do eleitorado
com frases sentimentais, cultivando a mitologia do “governo para todos”, acima
dos grandes conflitos — como se isso fosse possível na vida real e não somente
no palanque. Mas
eu não acho que a polarização seja um processo necessariamente
ruim, pois lembra que nosso sistema político não pode ser concebido como uma
geléia.
Ajuda o eleitor a participar de uma eleição que não é um concurso
de personalidades nem torneio de retóricas belas e vazias — mas uma disputa em
torno de prioridades e interesses profundos. A questão é saber quais interesses
podem falar pelo conjunto da sociedade e trazer benefícios para a maioria.
Este é o ponto.