Mais
cedo do que se poderia imaginar, mas inevitável como reflexo de suas concepções
políticas, agora Marina Silva tenta censurar a propaganda política de Dilma
Rousseff. Ela entrou com ação na Justiça Eleitoral para impedir a divulgação de
anúncios que criticam sua proposta de independência do Banco Central.
Para
Marina, a censura não chega a ser um novidade curricular. Para quem se julga
sob proteção divina, é difícil resistir a tentação de negar aos outros aquilo
que se quer para si mesmo. Marina acaba de conseguir a retirada do ar do site
Muda Mais.
Eu
acho — e creio que não é uma opinião pessoal — que é preciso ter um pensamento
muito autoritário para, em pleno século XXI, discriminar direitos de homens e
mulheres por causa da maneira como fazem sexo.
Mais
preocupante, contudo, é o fato de que o procurador-geral da República, Rodrigo
Janot, tenha acolhido o pedido de Marina. Teria sido coerente com leis de um
país que realiza eleições livres e proíbe a censura esclarecer que a Justiça
não tem por que envolver-se numa questão que é a matéria prima de uma campanha
— o confronto de idéias e concepções. Não há calúnia nem difamação no caso.
Não
estamos falando da boazuda que vende cerveja.
Em
política, você pode achar que as reações de determinadas pessoas são
“emocionais ou passionais.” Mas também pode achar que são racionais, em função
das consequências conhecidas de uma determinada proposta. No caso da
independência do Banco Central, ela permitiu políticas nefastas várias partes
do mundo. É natural que provoque indignação e até mais do que isso.
A
obra recente de Paul Krugman e Joseph Stiglitz, economistas laureados com o
Nobel, insuspeitos de qualquer desvio emotivo em seus estudos, demonstra que a
Europa transformou-se num cemitério, depois de 2008, porque o Banco Central
Europeu estava no comando de uma equipe de fanáticos do Estado Mínimo. Eles
usaram o regime de autonomia para cortar benefícios sociais, aprofundar o
desemprego. Derrubaram governos de países mais frágeis, comprometeram a
recuperação daqueles que pareciam mais fortes.
Tudo
para proteger um sistema financeiro que Stiglitz define, precisamente, como o
único cassino do mundo onde o dono nunca perde. Taí, João Santana: faltou
pensar na jogatina. Stiglitz autorizava, embora pudesse parecer menos
respeitoso ainda do que os gravatões em volta de um computador.
Emocional? Passional?
Indo à raiz da desregulamentação financeira e dos investimentos em derivativos
que estão na origem do colapso de Wall Street, é possível encontrar as
maquinações de Alan Greenspan, presidente do Federal Reserve, o BC
norte-americano, também autônomo. Janot escreve que “a cena criada na
propaganda é forte e controvertida, ao promover, de forma dramática, elo entre
a proposta de autonomia do Banco Central e o quadro aparente de grande
recessão, com graves perdas econômicas para as famílias.”
A
ligação entre autonomia do Banco Central e recessão não é invenção de
marqueteiros. É sustentada por análises e argumentos, números e pesquisas. É
possível discordar — mas aí cabe contrapor uma opinião, outra visão. Não cabe
interditar o debate porque Marina não gosta e o PGR não concorda.
Estamos falando de uma questão essencial da eleição. Marina queria que a
mensagem chegasse aos banqueiros, na esperança de receber seus votos e suas
contribuiçõe$. Mas não quer que seja discutida pelo povão, que pode transformar
essa alegria no patamar de cima em festa inútil.
No
Brasil, o BC tem liberdade para definir juros, cambio e outras variáveis
fundamentais da economia. Mas, antes e depois de cada decisão, seu presidente
reúne-se com o presidente da República para explicar as razões e motivos. O
presidente da República pode concordar ou não com os argumentos do
interlocutor. Caso se verifique uma divergência instransponível, ele pode
demitir o presidente do BC. Faz parte de suas atribuições, como autoridade
eleita, que representa a vontade da população.
É para isso que se fazem campanhas, não é mesmo?