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FEVEREIRO 2015
Agrotóxicos e agroecologia:
uma questão técnica? Não!
Paradigmas diferentes em disputa.
Entrevista
especial com Fernando Carneiro,
biólogo da
Associação de Saúde Coletiva - Abrasco.
Patricia
Fachin e
Andriolli
Costa,
do
IHU Online
A nova composição do Congresso Nacional e a chegada de Kátia
Abreuao Ministério da Agricultura estão deixando alguns pesquisadores da
área da saúde e do meio ambiente, “preocupadíssimos”.
Entre eles, Fernando Carneiro, da Associação de Saúde Coletiva -
Abrasco, que atualmente coordena o GT de Saúde e Meio Ambiente da
instituição. Segundo ele, as recentes mudanças no quadro político indicam que
“as perspectivas de uma desregulamentação na legislação dos agrotóxicos são
enormes”.
Entre as alterações
prováveis, ele menciona a possibilidade de “que se quebre todo o marco regulatório para favorecer a entrada de agrotóxicos no Brasil” e “de que
se retire o papel da Anvisa e do Ibama para concentrá-los no Ministério da
Agricultura, que já tem o comando do agronegócio”.
Na avaliação do
pesquisador, a nomeação de Kátia Abreu para o Ministério da Agricultura “é uma escolha parecida com
a que Lula fez quando escolheu seu primeiro ministro, Roberto Rodrigues.
A diferença é que Kátia Abreu é uma liderança com um trânsito
político e ela tem projetos que passam desde a privatização da Embrapa, como a
negação da reforma agrária como pauta para o país”.
Na entrevista a seguir,
concedida à IHU On-Line via Skype, diretamente da Universidade
de Coimbra, em Portugal, Carneiro também comenta as reações de
resistência da sociedade civil ao uso de agrotóxicos no país. De acordo com
ele, “a resistência mais organizada está se dando através da Campanha Nacional Contra os Agrotóxicos
e pela Vida, que foi lançada no Dia Mundial da Saúde há três anos, e
reúne mais de 200 entidades.
Trata-se de uma
resistência interessante, uma grande novidade, porque além de reunir movimentos
sociais, reúne ONGs e órgãos de Estado como a Fiocruz e o Incra. Essa é uma
grande força em termos de uma grande campanha da sociedade civil”.
Confira a entrevista.
IHU On-Line - Existe resistência da sociedade civil aos agrotóxicos? Ela é representativa?
Confira a entrevista.
IHU On-Line - Existe resistência da sociedade civil aos agrotóxicos? Ela é representativa?
Fernando Carneiro – Existe uma resistência que é histórica do movimento de agricultura alternativa, que foi
bastante representativa nos anos 1980, e que gerou a lei de agrotóxico do
Brasil, considerada moderna para os parâmetros atuais.
A resistência mais
organizada está se dando através da Campanha
Nacional Contra os Agrotóxicos e pela Vida, que foi lançada no Dia Mundial da Saúde há três anos, e reúne mais de 200
entidades.
Trata-se de uma resistência interessante, uma grande novidade,
porque além de reunir movimentos sociais, reúne ONGs e órgãos de Estado como a Fiocruz e o Incra.
Essa é uma grande novidade
em termos de uma grande campanha da sociedade civil.
IHU On-Line - Por que,
mesmo com tal resistência, o país permanece líder no consumo de agrotóxicos?
Fernando Carneiro – Existe uma escolha por parte dos últimos governos, principalmente
dos federais, pela opção do agronegócio. Na medida em que prioriza que a
balança comercial seja equilibrada pela exportação de commodities, o governo
acaba fazendo uma opção pela reprimarização da economia. Isso aconteceu e vem
crescendo desde o final do governo Fernando Henrique, governo Lula e Dilma.
Esse é um processo muito perigoso, porque há uma desindustrialização e um incentivo a commodities minerais e agrícolas, que têm um valor muito menor na relação de trocas do comércio internacional. Então, o Brasil ficou dependente desse modelo, que é baseado no grande uso de insumos químicos.
Esse é um processo muito perigoso, porque há uma desindustrialização e um incentivo a commodities minerais e agrícolas, que têm um valor muito menor na relação de trocas do comércio internacional. Então, o Brasil ficou dependente desse modelo, que é baseado no grande uso de insumos químicos.
A própria monocultura é um
sistema desequilibrado, que exige muito agrotóxico. Mas muitas pessoas estão
ganhando com a implantação desse modelo. Como você pode ver, a presidente da
Confederação Nacional da Agricultura hoje é a Ministra da Agricultura.
Isso demonstra que pessoas
ligadas ao agronegócio já controlam o aparelho do Estado, financiamentos, e aí
fica uma luta entre Davi e Golias.
IHU On-Line – Como compreender
a escolha de Dilma pelo nome de Kátia Abreu para o Ministério da Agricultura?
Fernando Carneiro – É uma escolha parecida com a que Lula fez quando escolheu seu
primeiro ministro, Roberto Rodrigues.
A diferença é que Kátia Abreu é uma liderança com um trânsito
político e ela tem projetos que passam desde a privatização da Embrapa, como a
negação da reforma agrária como pauta para o país.
À medida que temos uma
ministra que tem colunas em jornais, ela passa a ter uma capacidade de
influência maior do que tinha o ministro anterior, que também era ligado ao
mesmo setor.
Nos últimos anos a
agricultura no Brasil tem sido atrelada ao agronegócio, mas agora chegou ao
poder a representante mais poderosa do agronegócio no Brasil.
IHU On-Line - Ainda há
falta de informação sobre os danos causados pelos agrotóxicos, que levam a uma
maior disposição a aceitar os riscos de seu uso tanto por produtores quanto por
consumidores? Como as campanhas agem para resistir ao agrotóxico?
Fernando Carneiro – Circula pouca informação sobre os riscos que os agrotóxicos podem causar. O máximo que já vi na televisão foram
orientações sobre lavar as frutas e verduras antes de consumi-las. Mas sabemos
que existem agrotóxicos que são sistêmicos e somente a lavagem dos vegetais não
é suficiente para eliminar as substâncias tóxicas.
Não há, em contrapartida,
por parte do Estado brasileiro, um investimento em campanhas de informação.
Quando chega o carnaval, há uma série de campanhas sobre os riscos da Aids, mas nunca existiu uma
campanha sobre os riscos do uso de alimentos contaminados por agrotóxicos pelo
Ministério da Saúde.
A novidade para este ano é o lançamento de uma cartilha informativa sobre os riscos dos agrotóxicos. Acabei de participar da revisão técnica dessa cartilha do Programa Nacional de Redução do Uso de Agrotóxicos.
A novidade para este ano é o lançamento de uma cartilha informativa sobre os riscos dos agrotóxicos. Acabei de participar da revisão técnica dessa cartilha do Programa Nacional de Redução do Uso de Agrotóxicos.
Esse programa faz parte do Plano Nacional de Agroecologia e quem está conduzindo a elaboração da cartilha é a Articulação Nacional de
Agroecologia.
A Associação Brasileira de Saúde
Coletiva - Abrasco e a Fundação Oswaldo Cruz - Fiocruz também estão apoiando esse processo de
divulgação da cartilha, que será amplamente distribuída no país.
IHU On-Line – A cartilha
será divulgada para toda a população, ou inicialmente entre os agricultores?
Fernando Carneiro – Inicialmente a tiragem é da ordem de dez mil cartilhas, e o
público inicial serão os agricultores, mas acreditamos que posteriormente ela
possa ser distribuída para os profissionais de saúde. À medida que conseguirmos
mais apoio, pretendemos ampliar a distribuição.
IHU On-Line – Por que o
governo, e especialmente a Anvisa, demoram e resistem tanto para banir
substâncias que já são proibidos em outros países?
Fernando Carneiro – Essa situação deixa qualquer cientista indignado. As patentes
recebem um registro que é eterno, e mesmo quando começa a se levantar
evidências de que os agrotóxicos podem causar danos à saúde, as empresas criam dificuldades
para dificultar o processo de reavaliação dos produtos que a Anvisa faz.
Quando a Anvisa proíbe o uso de alguma substância, as
empresas entram na Justiça contra o órgão, ou seja, judicializam os processos,
o que os torna ainda mais morosos. Essa tem sido a postura das empresas, o que
tem dificultado o trabalho de órgãos como a Anvisa.
Para você ter uma ideia,
depois que a Anvisa proíbe o uso de agrotóxicos, o órgão
ainda tem de dar um tempo para as empresas acabarem com o estoque dos produtos
no Brasil. Isso é contrassenso: se o agrotóxico ser proibido, como é possível
permitir que ele ainda seja utilizado no país durante um tempo?
IHU On-Line - Recentemente
você declarou que a produção ecológica tem condições de alimentar a população
com qualidade. Ao afirmar isso, quer dizer também em quantidade? Em termos de
produtividade, o sistema convencional poderia ser plenamente substituído pelo
agroecológico?
Fernando Carneiro – Atualmente os
eventos nacionais da Associação Brasileira de Agroecologia (ABA) reúnem
anualmente mais de 4000 pesquisadores que mostram as evidências da capacidade
produtiva da agroecologia.
Na verdade estamos falando de uma mudança de
paradigma, e não apenas de uma questão técnica, ou seja, estamos falando de uma
mudança de modelo que não só não usa veneno, como também distribui melhor a
renda e, portanto, promove a equidade social.
Se fizermos uma análise
como um todo, a agroecologia acaba sendo mais eficiente, porque o agronegócio,
para funcionar, precisa, de fato, de financiamentos públicos, e usa uma
quantidade enorme de insumos que são responsáveis por 30 ou 40% dos gastos da
produção.
Agora, imagina um modelo
de agricultura que elimine esse gasto de 40% com agrotóxicos.
Há relatórios da
ONU para a alimentação que mostram isso. Outro exemplo que nos ajuda a entender
essa questão em termos estatísticos é o censo agropecuário do IBGE, que indica
que a agricultura familiar já é responsável por alimentar 70% dos brasileiros.
Isso demonstra que a produção de alimentos não está associada à produção em
larga escala.
Tanto que a produção brasileira em larga escala tem servido para
alimentar animais na China e nos EUA.
Existe aí um discurso falacioso
do agronegócio de que eles produzem alimentos para acabar com a fome. Isso é
mentira.
IHU On-Line -
Frequentemente vinculamos o uso de agrotóxicos aos grandes latifúndios, mas os
pequenos produtores também são grandes utilizadores destes produtos, o que se
reflete na dificuldade de uma produção agroecológica devidamente certificada. O
que falta para que o uso de tais produtos seja minimizado em favor de
tecnologias sociais?
Fernando Carneiro – Imagina um Brasil em que o que se investe no agronegócio via Embrapa,
fosse investido para desenvolver técnicas para a agroecologia.
Imagina um
Brasil que ao invés de 150 bilhões para a produção do agronegócio, destinasse esse valor
para a agricultura agroecológica. Isso implicaria numa mudança radical dessa
situação. Então, o que precisa é uma mudança política.
IHU On-Line - Nos
supermercados, consumidores costumam dizer que não optam por alimentos da
agricultura ecológica por serem mais caros. O valor agregado de uma produção
agroecológica ainda não é percebido?
Fernando Carneiro – Existe um nicho de mercado, que é bastante elitizado, que
está presente em grandes redes de supermercados, que faz com que os alimentos
orgânicos sejam muito caros. Por isso a nossa recomendação é de que as pessoas
procurem as feiras agroecológicas, como as da reforma agrária, e comprem
diretamente dos produtores.
O Instituto de Defesa
dos Direitos do Consumidor – IDEC tem,
em seu site, um mapa das feiras agroecológicas
do Brasil, no qual o cidadão pode descobrir onde tem uma feira mais
próxima da sua casa.
IHU On-Line - Como evitar
que o discurso agroecológico, que é essencial, não seja dominado pelo marketing
verde – justificando preços muito acima da expectativa para o consumidor final?
Fernando Carneiro – Esse é um risco: a economia verde. Estamos num sistema
capitalista que tenta aproveitar todas as chances para lucrar. Muitas empresas de agrotóxicos já estão se preparando para um novo momento e estão
diversificando suas linhas de produção para produzir produtos de controle
biológico.
Então, é importante que esse processo esteja presente nas discussões
dos movimentos sociais com a sociedade e a academia para buscar desenvolver
tecnologias que ajudem no empoderamento dos produtores e na situação econômica
deles, e não criar formas de deixá-los mais dependentes.
O que as grandes empresas criam são tecnologias que fazem com as pessoas fiquem mais dependentes delas. Essa é a grande armadilha da lógica da economia verde. Temos de romper com essa lógica e fazer uma mudança do modelo.
O que as grandes empresas criam são tecnologias que fazem com as pessoas fiquem mais dependentes delas. Essa é a grande armadilha da lógica da economia verde. Temos de romper com essa lógica e fazer uma mudança do modelo.
Ao invés de concentrar
renda e tecnologia, temos de buscar um modelo de agricultura que distribua
renda e que faça com que as tecnologias sejam acessíveis. Esse é o caminho para
sair do impasse da economia verde.
IHU On-Line - Quais as
culturas em que há maior uso de agrotóxicos?
Fernando Carneiro – Nos últimos levantamentos do Programa de Avaliação de Resíduos
de Agrotóxicos e Alimentos da Anvisa, a cultura que tem sido campeã no uso
de agrotóxico é o pimentão, que teve quase 90% de
contaminação.
Estimula-se que as pessoas
comam mais frutas e verduras para evitar o câncer, mas frutas e verduras
contaminadas também podem ser fatores de risco para o câncer. Então, esse
modelo deixa uma encruzilhada para as populações.
Também tem as culturas
históricas, como morango, mamão, tomate, que sempre têm níveis elevados de agrotóxico, que vão variando de ano
para ano, com os cuidados que são tomados. Esses dados da Anvisa têm uma alta
repercussão no país e inclusive o preço desses produtos acaba sendo reduzido
por conta dos dados.
IHU On-Line – Como a
legislação que rege os agrotóxicos tende a ser conduzida a partir de agora, com
Katia Abreu no Ministério da Agricultura?
Fernando Carneiro – Nós estamos preocupadíssimos. Com o atual Congresso que tomo posse nesta semana, as
perspectivas de uma desregulamentação na legislação são enormes. Ou seja, é
possível que se quebre todo o marco regulatório para favorecer a entrada de agrotóxicos
no Brasil. Existem mais de 17 propostas nesta direção e com a nova configuração do Congresso , nos próximos anos, essa
questão será um grande desafio para a sociedade.
O próprio presidente da Câmara já é um grande lobista que tem diversos interesses. Infelizmente os prognósticos não são bons: a tendência é de que se retire o papel da Anvisa e do Ibama para concentrá-los no Ministério da Agricultura, que já tem o comando do agronegócio. São propostas desse nível que poderão renascer.
O próprio presidente da Câmara já é um grande lobista que tem diversos interesses. Infelizmente os prognósticos não são bons: a tendência é de que se retire o papel da Anvisa e do Ibama para concentrá-los no Ministério da Agricultura, que já tem o comando do agronegócio. São propostas desse nível que poderão renascer.
Atualmente, para uma
empresa conseguir um registro de liberação de um determinado agrotóxico, os
três órgãos devem avaliar o produto: o Ministério da Saúde, o Ministério do Meio Ambiente e a Anvisa.
Mas provavelmente vão querer criar uma agência ou uma comissão como a CTNBio – a qual já foi até batizada de CTNAgro -, para que a liberação dos agrotóxicos possa ser feita como é feita a liberação dos transgênicos atualmente, ou seja, concentrada num único órgão. Como você sabe, a CTNBio é um órgão que em toda a sua história, nunca negou a produção e comercialização de transgênicos.
Mas provavelmente vão querer criar uma agência ou uma comissão como a CTNBio – a qual já foi até batizada de CTNAgro -, para que a liberação dos agrotóxicos possa ser feita como é feita a liberação dos transgênicos atualmente, ou seja, concentrada num único órgão. Como você sabe, a CTNBio é um órgão que em toda a sua história, nunca negou a produção e comercialização de transgênicos.
IHU On-Line - Deseja
acrescentar algo?
Fernando Carneiro - A novidade é que vamos lançar neste ano o dossiê da Abrasco
sobre os impactos dos agrotóxicos na saúde na forma de livro, com um capítulo
de atualização. Esse trabalho envolveu mais de 30 cientistas e movimentos
sociais que atuam na temática. Esse será um marco de resistência aos
agrotóxicos neste ano por parte da Ciência brasileira.
Esse será um ano em que a
sociedade como um todo tem de estar mobilizada, atenta e pronta para pressionar
o Estado para que ele cumpra seu papel de proteger o direito à saúde e ao meio
ambiente.