Cinismo no oeste baiano.
Foto: Martin Mayr, setembro 2013,
no gerais de Formosa do Rio Preto – BA
O Congresso Nacional
retomou as atividades esta semana, e com isso voltam a tramitar pela Câmara e o
Senado diversos projetos de lei que colocam em risco o patrimônio natural
brasileiro.
Mesmo com as
evidências sobre o papel das áreas protegidas na manutenção das fontes de água,
do equilíbrio climático e manutenção da biodiversidade, os parlamentares
insistem em reduzir as áreas protegidas do país.
Entre projetos novos, apensados e aqueles que esperam nos
escaninhos das duas casas legislativas, somam-se cerca de 40 iniciativas que
diminuem a proteção daquilo que – por lei – deveria ser intocável.
A começar pela
Constituição Federal, que diz que o meio ambiente saudável, íntegro e gerador
de serviços para a população é um direito de todos e deve ser garantido pelo
Estado. Outras tantas leis, decretos e regulamentos completam o que os
especialistas chamam de marco legal de proteção da natureza. Entre essas leis
está a que criou o Sistema Nacional de Unidades de Conservação, o Snuc.
Entenda o Snuc
Depois de 15 anos de
existência ajudando a garantir as Unidades de Conservação (UCs), o Snuc está
sob fogo cruzado. Um projeto de lei do deputado Toninho Pinheiro (PP-MG) quer
alterar a lei.
A proposta é
modificar a metodologia que estabelece as zonas de amortecimento – faixas ao
redor das UCs para aumentar a proteção de parques nacionais, reservas
extrativistas e estações ecológicas –, além de limitar o tamanho desses espaços
para, no máximo, dois mil metros. Hoje a faixa protetiva é determinada conforme
o tamanho, a localização e a função das unidades, mas a recomendação geral é
que fique em torno de 10 mil metros.
Outro ponto
preocupante embutido na proposta é que a zona de amortecimento “não poderá
situar-se dentro de zona urbana sob pena de implicar em indenização ao
proprietário”.
Apesar de reduzir a
proteção à natureza, o projeto 1299 recebeu parecer favorável do relator,
deputado Josué Bengtson (PTB-PA), na Comissão de Meio Ambiente e
Desenvolvimento Sustentável (CMADS).
No relatório, ele
justifica que “a proposta vem em momento ideal, pois representa maior segurança
jurídica e transparência na criação da chamada zona de amortecimento e
corredores ecológicos quando da criação da unidade de conservação”.
Desmonte
Bengton é membro da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), e um dos autores
do Projeto de Lei Complementar (PLP) 227/2012, que visa regulamentar o artigo
231 da Constituição Federal – apontando exceções ao direito de uso exclusivo
dos indígenas de suas terras tradicionais, em caso de “relevante interesse público
da União”.
Entre as exceções,
está a exploração dos territórios protegidos pela rede do agronegócio, empresas
de mineração, além da construção de empreendimentos ligados aos interesses das
esferas de governo – federal, estadual e municipal.
Com o argumento de
que as faixas de proteção prejudicam a expansão da fronteira agrícola
brasileira, o deputado Valdir Colatto (PMDB-SC) defende a aprovação do PL 1299.
“Precisamos discutir
áreas antigas com zonas de 10 quilômetros de proteção. Isso é um transtorno e
inviável para o desenvolvimento desse país”, justificou Colatto.
O parlamentar,
também ligado à bancada ruralista, lembrou que ele é autor de um projeto que
altera a Lei do Snuc (PL 2110/2007) e que exige que as unidades de conservação
sejam criadas por lei, limitando em até 500 metros a zona de amortecimento.
A proposta de
Colatto, apensada ao PL 5477/05, possibilita ainda o uso das áreas particulares
localizadas no interior das UCs, enquanto não houver o pagamento da devida
indenização.
O Instituto Chico
Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) apresentou nota técnica
contrária a esta proposta. Segundo o órgão ambiental, o PL 1299/15 apresenta
argumentos inconsistentes e equivocados quanto ao conceito e aos objetivos de
uma zona de amortecimento (ZA) e de criação de uma unidade de conservação. Um
ponto questionável é sobre a fixação de forma rígida da ZA, em dois mil metros
(2 km) de raio no entorno da UC, sem levar em conta critérios ecológicos,
sociais e econômicos.
A Instrução
Normativa 5/08 do ICMBio não especifica os tamanhos de zonas de amortecimento,
visto que essas devem ser estabelecidas e dimensionadas caso a caso.
Na avaliação do
líder do Partido Verde, José Sarney Filho (MA), a proposta não deve ser
aprovada da forma que está, uma vez que cada unidade de conservação tem
características próprias, não sendo possível a padronização de tamanho e
localização das zonas de amortecimento.
“Não se pode
prejudicar um dos poucos instrumentos de que ainda dispomos para a proteção do
meio ambiente para atender a interesses localizados”.
Outro alerta é do
deputado Ricardo Tripoli (PSDB/SP), que destaca a importância dos cinturões
verdes para o amortecimento de temperatura e proteção dos mananciais hídricos.
“Precisamos de mais
cobertura florestal para obter água e não impermeabilizar ainda mais as
cidades”. Segundo ele, essa proposta vai gerar ainda mais dificuldades para o
Brasil, que já sofre com a crise hídrica.
“O que nos preocupa
é que estes projetos de lei não vêm sozinhos, a esmo. Parecem estar vinculados
a uma estratégia mais ampla para desmontar o SNUC. E isso é inadmissível, pois
as áreas protegidas representam benefícios para toda a sociedade e não podem
estar sujeitas a interesses setoriais”, adverte Aldem Bourscheit, especialista
em Políticas Públicas do WWF-Brasil.
Mina de interesses
Além das leis
ordinárias, caminham pelo Congresso propostas que querem alterar a Constituição
Federal. É o caso da Proposta de Emenda Constitucional (PEC 215), que retira do
Executivo e coloca nas mãos dos deputados e senadores o poder de criar Unidades
de Conservação e Terras Indígenas – mesmo considerando que o Parlamento não tem
a capacidade técnica dos órgãos públicos que têm esta missão.
Os formuladores do
novo Código da Mineração, em vias de ser votado na Câmara dos Deputados, querem
embutir no texto a possibilidade de minerar em unidades de conservação de
proteção integral, sob o argumento – pouco factível na prática – de que essas
áreas seriam compensadas em outras de mesmo valor ambiental.
Na prática, o que se
vê são os interesses dos próprios parlamentares, que recebem da indústria da
mineração o financiamento de suas campanhas.
Segundo a publicação
“Quem é quem nas discussões do Novo Código da Mineração”, do Instituto
Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase), o deputado Leonardo
Quintão (PMDB/MG), relator na Comissão Especial que cuida do texto do novo
código minerário, teve sua campanha financiada por empresas do setor mineral
como a Arcelor Mittal Inox Brasil, Ecosteel Indústria de Beneficiamento Ltda,
Gerdau Comercial de Aços S/A, LGA Mineração e Siderurgia Ltda e Usiminas
Mecânica S/A. A receita total declarada foi de cerca de R$ 2 milhões com quase
20% doado pelas indústrias de mineração.
*Com informações do
Portal de Políticas Socioambientais
Jaime Gesisky*/WWF-Brasil
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