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24/09/2015
A mosca azul
do líder da oposição
Roberto Amaral,
em seu site.
A oposição está muito
bem representada por um ministro que com a proteção da toga faz do STF seu próprio palanque político. |
Ao sentar-se em cima do
processo e impedir conclusão do julgamento quando a decisão era conhecida,
Gilmar Mendes conspirava contra os esforços do TSE e do STF de zelar pela ética
na política
Finalmente, teve fim a chicana imposta ao Supremo
Tribunal Federal pelo líder da oposição naquela Corte, o ministro Gilmar Mendes.
Relembro.
Com o recurso do ‘pedido de vista’, o inefável
ministro reteve por nada menos que um ano e cinco meses (posto que desde 2 de
abril de 2014) os autos do julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade
(ADI) interposta pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil-OAB
contra dispositivos da legislação eleitoral ordinária permissivos do
financiamento empresarial das eleições.
Mas não se tratava, este, de um ‘pedido de vista’
qualquer. Se era e é injustificável o tempo durante o qual o julgamento ficou
sobrestado, mais inexplicável é o fato de ser apresentado quando o julgamento
estava objetivamente concluído, a saber, quando, em colégio de onze ministros,
a votação da ADI contava 6 a 1 (seis votos a favor da decretação da
inconstitucionalidade do financiamento privado da política), ou seja, quando já
estava definida a causa.
Por que
então o pedido de vista?
Explique-se o ministro, e explique porque reteve
por um ano e cinco meses o processo em seu gabinete, impedindo, assim, a
proclamação do direito.
Ao sentar-se em cima do processo e assim – de
forma autoritária e desrespeitosa (e também covarde, porque deixa sem ação o
pensamento oponente) – impedir a conclusão do julgamento quando a decisão era
conhecida, ou seja, mais precisamente impedir a proclamação do resultado, o
ministro inefável conspirava contra os esforços do TSE e do próprio STF de zelar
pela ética na política, pois, reconheça-se, os dois tribunais superiores de há
muito tentam – e vêm tentando mesmo o Legislativo – senão impedir, pelo menos
reduzir a perniciosa participação do poder econômico no processo eleitoral,
fonte de grande parte das misérias que hoje atacam a combalida democracia
representativa brasileira.
Explica-se a manobra simples e rasteira do
ministro. Com o pedido de vista, o líder oposicionista: 1) deixava a matéria
indefinidamente ‘sub judice’ e 2), dava tempo ao baixo clero do Congresso para
tentar aprovar emenda à Constituição (defendida ainda agora pelo conhecido
deputado Eduardo Cunha) de sorte a amparar o império do poder econômico sobre o
processo eleitoral brasileiro.
Tudo
isso, deixando o país e sua dignidade sem recurso.
‘Pedir vistas’ significa sustar o julgamento para
que o juiz ainda sem convicção firmada sobre o feito disponha de mais tempo, um
tempo razoável não definido em norma específica, para estudar a causa e
pronunciar seu voto. Não se condena esse instrumento. Ocorre que, sem qualquer
limite de tempo, a medida pode transformar-se em instrumento de prevaricação
(não se diz que seja o caso vertente), como tem ocorrido, aliás e
consabidamente, com a concessão abusiva de liminares nos juízos de primeira
instância.
Separemos as duas hipóteses. Uma é aquela da tese,
a eventualidade de um juiz pedir vistas de um processo em apreciação para assim
melhor poder conhecê-lo e assim melhor decidir. Outra é a alternativa de que
tratamos, ou seja, quando o pedido de vista tem escandaloso propósito
protelatório (quando o processo deve perseguir a celeridade), e quando o
pronunciamento do Tribunal (isto é, a decisão da causa) já é conhecido, sem
possibilidade de reversão, no momento do pedido.
Perguntar-se-á, pergunta a OAB, pergunta a
sociedade, por quanto tempo pode o juiz sentar-se sobre a causa, amparado no
instituto do pedido de vista, impedindo um julgamento? E qual a justificativa
jurídica e ética para um pedido de vista em julgamento já definido, o caso de que
tratamos, quando era e é evidente que o móvel é simplesmente impedir que o
direito se realize? Em benefício de quem? Da Justiça não pode ser.
De fato, o tempo do inefável ministro no
julgamento dessa ação era o necessário para que o presidente da Câmara dos
Deputados, de quem o ministro se fez aliado fático, manobrasse, com o
autoritarismo peculiar e o recurso a chicanas regimentais, para, numa reforma
política que não passa de uma contrarreforma, aprovar o financiamento
empresarial de campanha, de candidatos e de partidos. A saber, o financiamento
corruptor de legisladores e governantes, fonte de escândalos políticos que
transitaram das páginas nobres dos jornais para a seção policial.
Só assim e só então, ou seja, depois de vencida a
matéria na Câmara dos Deputados, com a aprovação, no dia 9 de setembro, do
Projeto de Lei legalizador da corrupção (PL nº 5.735-F), é que o inefável
ministro, no dia seguinte, anunciou seu voto vencido, liberando o pleno do STF
para concluir a votação interrompida desde 2 de abril de 2014, como vimos.
O
dispositivo aguarda o veto presidencial.
Na sessão do STF do dia 17, o ministro Mendes leva
ao Tribunal o seu voto conhecido e antecipadamente vencido, prolatado, porém,
mediante exaustivo discurso de cinco horas, algaravia que pôs em xeque a
paciência civilizada de seus ouvintes compulsórios.
Tratava-se, como de hábito, de voto sem
substância, cheio de remoques, pleno de recalques, idiossincrasias e
partidarismo primário. E assim, e só assim, passados um ano e cinco meses, a
Suprema Corte pôde retomar o julgamento intempestiva e injustificadamente
interrompido, para, como esperado, decretar (8 votos a 3) a
inconstitucionalidade do financiamento de campanhas eleitorais por empresas.
Mas o
ministro, boquirroto e sempre em palanque, depois de ofender a Justiça com seus
565 dias sentado em cima de um julgamento de alto interesse político para o
país e seu futuro, ofende a inteligência de quantos tiveram de ouvi-lo, ao
afirmar em alto e bom som, com direito aos bordões de praxe – e, acredite o
leitor, sem corar ou tremer a voz – que a proibição do imoral financiamento
empresarial das campanhas eleitorais era tão-só uma tentativa do PT de sufocar
a oposição, oposição que, acrescento, no Supremo, está, pelo ministro Mendes,
muito melhor representada do que no Senado por Aécio Neves.
E ainda mais, diz o ministro em seu lamentável
comício que o Conselho Federal da Ordem os Advogados do Brasil – a quem tanto
deve a democracia brasileira – entrava na história pura e simplesmente como
serviçal de manobra do PT. O voto está gravado e pode ser lido e ouvido, e
ficará guardado nos Anais do STF.
O que
dirão do STF de hoje os leitores do futuro!
Eis como o ministro Mendes ofende o direito, a
Constituição Federal e a OAB, no resumo trazido pela FSP, edição desse dia 17
de setembro:
“Segundo Mendes, o PT manobrou a OAB (Ordem dos
Advogados do Brasil), autora da ação que questiona a legalidade das doações
privadas, interessado em impedir a alternância de poder no país. Com fortes
ataques ao PT, o ministro sugeriu que o partido é contra as doações de empresas
porque foi mentor do esquema de corrupção da Petrobras, beneficiando-se dos
desvios na estatal e, com isso, teria dinheiro para financiar campanhas até
2038”.
Em qual país do mundo essa diatribe pode ser
aceita como argumento constitucional, e é admissível na boca de um ministro de
sua mais alta Corte? Isso é tudo menos raciocínio jurídico, e ainda menos
linguajar digno de um Tribunal superior.
Pronunciado sob a proteção da toga mal vestida é –
verdadeiro discurso de ponta de rua – absurdamente incompatível com o decoro
que a sociedade deve esperar de um ministro do Supremo. De fato, o ministro não
está votando, pois seu discurso procura outras plagas, na tentativa de
oferecer-se como alternativa eleitoral à direita em 2018. Com a proteção da
toga que lhe queima as costas faz do STF seu o palanque politico.
O fato de um partido qualquer ser contra as
doações privadas não desqualifica esse combate, nem muito menos pode ser
apresentado como argumentação jurídica justificadora da manutenção dessas
doações. Ademais, sabe o ministro que o fim das doações privadas é
reivindicação que envolve vários partidos e a sociedade civil, incluídas a OAB
e a CNBB, e envolve mesmo o Poder Judiciário, de que é eloquente testemunho a
própria votação da ADI.
O Judiciário precisa cuidar-se. Não deve permitir
que à sua inércia judicante – que tantos e irrecuperáveis danos causa
diariamente ao país e ao nosso povo – se some procedimento desse jaez, que nada
fica a dever à elegância parlamentar da Câmara Municipal de Duque de Caxias.
Posta de lado qualquer apreciação ética
relativamente ao comportamento do inefável Mendes, é de serra acima que a
sociedade, via STF, não disponha de condições de evitar manipulação processual
tão condenável.
No caso, tratava-se de pleito acerca de questão
eminentemente política, e, por isso mesmo, aparentemente livre de qualquer
suspeita de envolvimento econômico. Mas, em outras hipóteses, e são quase
todas, envolvendo interesses patrimoniais, poderia o STF aguardar por mais de
um ano – sem razão de mérito – por mera manobra processual a que podem recorrer
as partes por seus advogados, a protelação de um julgamento de desfecho já
conhecido, com o objetivo puro e simples de evitar a eficácia da sentença
inevitável?
Esta, a questão: se o resultado fosse uma
condenação pecuniária de que resultasse um pagamento de importância vultosa,
quanto teria lucrado a parte vencida, beneficiada por quase dois anos sem o
peso da condenação certa mas adiada?
Lamentavelmente, a grave crise política em que
estamos envolvidos, de par com a crise de legitimidade do Legislativo, uma
agravante no quadro geral, impede uma discussão séria sobre a reforma do
Estado, e nela, do Poder Judiciário, e nele do Supremo, que não pode permanecer
como poder monárquico, protegidos seus ministro pelo privilégio
antirrepublicano da vitaliciedade, sujeitos seus membros a processos de
responsabilidade. O Poder Judiciário, em todas as suas instâncias, precisa,
como os demais poderes, de ser objeto de fiscalização externa, ofício que não
pode ser exercido por órgão corporativo.
Evandro Lins e Silva, advogado de um tempo em que
se exigia dos ministros dos tribunais superiores mais do que se cobra hoje, em
termos de formação jurídica, postura política e decoro, profligava – ele que
fôra ministro dos mais eminentes –, o que chamava de ‘promiscuidade de
Brasília’, o trânsito fácil entre partes e julgadores, o convívio nos jantares
da capital, retirando do juiz aquele distanciamento que emprestava ainda mais
dignidade ao ofício excelso.
Aos jovens estudantes e jovens advogados, e aos
futuros juízes, é preciso dizer que nem sempre foi como é hoje. No Supremo já
fulguraram as mais altas expressões do direito brasileiro e figuras moralmente
ilibadas – no passado recente lembremos, além de Evandro, Nelson Hungria,
Orozimbo Nonato e Vitor Nunes Leal – e lá já se destacou a bravura de
estadistas como Adauto Lúcio Cardoso, Ribeiro da Costa e Gonçalves de Oliveira.
Esses nomes, desconhecidos hoje dos jovens
advogados, precisam ser lembrados, mas de per si, longe de comparações
contemporâneas, para que não se apequene ainda mais a nossa mais alta Corte.