sexta-feira, 11 de dezembro de 2015

Possui graduação em Psicologia pela Universidade de São Paulo (1997), Licenciatura em Psicologia pela Universidade de São Paulo (1997) e mestrado em Psicologia da Personalidade, da Aprendizagem e do Desenvolvimento Humano pela Universidade de São Paulo (2002).


FCO.LAMBERTO FONTES
Trabalha em JORNALISMO INTERATIVO
Mora em ARAXÁ/MG

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 André Camargo Costa
conheça aqui:

O que Vi com

Meus Próprios Olhos

em uma Escola Paulista


Marcada para Morrer


A crise da Educação no Brasil não é uma crise.
É um projeto.

Darcy Ribeiro

Foi a terceira ocupação que visitei.

Sabe, tem muita gente — inclusive pessoas inteligentes— vomitando bosta pelas redes sociais, sem nunca ter se aproximado para conhecer essa molecada.
Sem nunca ter entrado em uma escola pública.
Gente que, em sua prepotência cínica, descompromissada, acaba legitimando o Estado em sua face mais autoritária. O Estado em guerra declarada contra a Sociedade Civil.
Justificam cinicamente a famigerada truculência covarde, descabida, da PM — uma das polícias que mais matam no mundo — contra meninos, meninas, jornalistas e quem mais estiver por perto.
Esse é um mecanismo psíquico conhecido: você culpabiliza as vítimas e se identifica com o agressor.
Foi assim, por exemplo, com os judeus recrutados pelos nazistas como guardas, nos campos de concentração. Ou os tibetanos aliciados pela ditadura comunista chinesa. Eles se tornaram ainda mais cruéis contra seu povo que os opressores estrangeiros.
Será que algo assim está acontecendo com você?
Ao invés de perceber que a luta deles é a nossa, você chama adolescentes corajosos, que aceitam tomar porrada para lutar por uma educação de qualidade, de vândalos e vagabundos?
Mas a gente precisa se informar melhor, para não embarcar na visão corporativista, vendida, da mídia de massas. Ou nas táticas de guerrilha de burocratas calculistas.
“Desqualificar, desmobilizar, desmoralizar” - nas palavras do Chefe de Gabinete de Alckmin a dirigentes de Ensino

Acredito que o que a molecada nos disse lá na ocupação precisa ser ouvido por muita gente. Pelos menos por quem ainda tem algum vestígio de coração humano batendo no peito.
(Porque para aqueles dentre nós que são tão psicopatas quanto o policial que sorri de prazer ao esganar um moleque franzino, aí não adianta nada, mesmo. Melhor nem ler.)
Bom, vou contar a história deles.

A escola estadual fica dentro do terreno de uma igreja católica (!). Para chegar até ela, precisa passar por uma portaria. A escola tem o nome de um padre.
O prédio — um galpão improvisado e dois blocos com a conhecida arquitetura penitenciária (feita de salas apertadas e corredores escuros)— foi construído por meio de doações da comunidade. A Igreja aluga o imóvel para o Estado.
Somos atendidos por uma mãe. Ela bate no portão por um tempo até que um estudante venha abrir.
Sensação de abandono. A negligência se expressa por salas sem ventiladores (que devem ficar intoleráveis no calor), poucas janelas cobertas de grades, pintura descascada, cortinas rasgadas e mobiliário quebrado. No lugar de interruptores, fios elétricos expostos, desencapados. Quadro de força sem a portinha de proteção.
(Sabe, se você tentar abrir uma escola, vai passar por uma série de vistorias meticulosas, até que atenda a todas as exigências da Secretaria de Educação. Cada detalhe é minuciosamente verificado. No entanto, ali estavam situações flagrantes de jovens submetidos a real perigo de morte, sem qualquer atenção.)
Como pode?
O Estado passou cerca de cinco anos sem pagar aluguel (de pouco mais de 20 mil reais por mês).
O padre queria o prédio de volta.
Fizeram algum tipo de acordo e o aluguel voltou a ser pago. A escola funcionando, até quadra poliesportiva nova eles ganharam.
Depois, para surpresa geral, a instituição entrou para a lista das 94 que seriam fechadas pelo governo estadual.
Os alunos não conseguiam entender. 
Não fazia sentido.
Afinal, nos disseram, aquela escola era uma das mais bem avaliadas da região. Tinha notas acima da média estadual. E o prédio já estava todo adaptado, recebendo crianças e adolescentes com deficiências, que chegavam de várias cidades vizinhas.
Na verdade, a maior parte dos estudantes dali possuem deficiências. E, como enfatizou uma das mães que nos receberam, que apoiava a ocupação, a configuração incomum gerava uma integração orgânica entre quem tinha alguma deficiência e os “normais”.
Muito menos discriminação.
Aprender a conviver com a diferença, ao invés de se relacionar com o outro por meio de preconceitos e estereótipos, isso na formação de um ser humano é vital.
É o que acontecia por lá.

Se a escola fechar, nos disseram, eles não terão para onde ir. Serão remanejados para uma unidade vizinha que não está adaptada. Sem acessibilidade, portanto, para quem tem limitações como as desses meninos e meninas.
A conclusão óbvia é que, em função do plano de “reorganização”, muitas crianças e adolescentes — com ou sem deficiências — acabarão fora da escola.
Então por que fechar?
Não era pelas avaliações. Também não era por falta de relevância social.
Seria para economizar o aluguel e as despesas com pessoal?
Começaram a especular que a decisão poderia ter sido tomada porque a média de alunos por sala (de 25, naquela escola) era inferior à média estadual (40 alunos por sala).
No entanto, não cabem mais de 25 pessoas — espremidas — naquelas salas! Fora isso, nos disseram que no começo do ano a direção da escola recusou matrículas de novos alunos porque não tinham mais vagas.
Ali não havia, decididamente, espaço ocioso. Ao contrário: estavam lotados.
(Imagine que, a exemplo de várias outras escolas, a molecada descobriu, apenas durante a ocupação, que tinham um laboratório, equipamentos caros e uma piscina (!) que não podiam usar. Estavam fechados e trancados…)
Como dói ver esses meninos e meninas submetidos a tamanha violência simbólica! A tanto descaso, cinismo e hipocrisia de gente engravatada, de fala mansa, que só se move por meio de politicagens e negociatas que atendem a sua sede de poder.

Estávamos sentados em uma roda de conversa, eu, a amiga que me convidou para acompanhá-la, o motorista dela, uma mãe, um professor e cerca de doze estudantes. Alguns não eram daquela escola, vinham de outros lugares para apoiá-los.
E foi a partir de um comentário casual que as peças do quebra-cabeças começaram a se encaixar.
O terreno contíguo ao prédio escolar abrigava uma bela mata, que alguns ali disseram ser de espécies nativas.
Assim como o terreno onde foi construída a escola, a mata pertencia à igreja.
Mas a mata seria derrubada.
Aquela propriedade tinha sido vendida pelo padre para a construção de um condomínio.
(Você deve ter reparado, a essa altura, que estou evitando dar nomes. Mas vou dizer só uma coisa: aquele terreno onde vai ser construído o condomínio é vizinho da Granja Viana — uma região próxima à capital de intensa valorização imobiliária...)
Sabe, a comunidade local se revoltou contra o padre. Sentiram-se traídos. Afinal, boa parte daquele terreno era fruto de doações de moradores, sobretudo em função dos projetos sociais da igreja.
Para onde ia o dinheiro 
da venda do terreno?
E que tristeza: aquele restinho de mata, trocado por concreto!
Só no final, porém, é que veio a cereja do bolo.
Já tínhamos saído da escola, a caminho do carro. Enquanto nos despedíamos, chegou um professor que, segundo nossas interlocutoras, era quem estava mais por dentro da situação.
Então ele explicou.
O acesso ao local onde ficará o condomínio é complicado. Para quem vem da rodovia, como nós, ele fica atrás da escola, cujos prédios funcionam como uma espécie de paredão para chegar lá em linha reta.
A fim de viabilizar o empreendimento, eles vão precisar construir uma estrada decente, que ligue a rodovia à entrada do condomínio.
Uma estrada que terá de passar, inevitavelmente,…
...por dentro do terreno da escola.
Aí eu olhei naquela direção e não vi espaço suficiente para estrada nenhuma. Perguntei como eles pretendiam fazer.
O professor recém-chegado apontou com o dedo o prédio de três andares que se estendia por uns 50 metros, do lado direito, próximo ao muro que separava a escola das casas do bairro.
Era o bloco de salas de aulas que a gente tinha visitado.
“Tá vendo aquela coluna? A estrada vai passar por ali. Eles vão ter que derrubar.”
Eu demorei para entender.
“Mas derrubar, como?!? O prédio inteiro?”
“É. O prédio inteiro.”

A escola não é o prédio. Não é o espaço físico. Com todos os seus defeitos, ainda assim, é a comunidade de pessoas que esteve, está e estará reunida em torno de um sonho compartilhado de formação humana.
São histórias e lembranças. Narrativas e memórias. Esperanças de um futuro melhor. É ao mesmo tempo uma presença coletiva e um organismo vivo com o potencial de humanizar bairros e cidades.
Ao derrubar o prédio, porém, essas pessoas — e suas famílias — ficam desalojadas, como quando pisamos em um formigueiro.
Fechar escolas não é apenas derrubar ou trancar prédios; é como passar com um trator de aço por sobre matas centenárias, privando-nos do oxigênio que alimenta a vida, com o objetivo único de transformar o terreno ceifado em lucros privados.

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