FCO.LAMBERTO FONTES
Trabalha em JORNALISMO INTERATIVO
Mora em ARAXÁ/MG
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2015
Economia
Impostos
Uma fortuna
de 200 bilhões
protegida do IR
da pessoa física
Protesto da Força Sindical com o
"leão" do IR:
quem pode, paga muito pouco ou quase nada ao
fisco brasileiro
Lei de 1995 beneficia 71 mil brasileiros ricos
que não pagam imposto de renda.
Fim da isenção renderia meio ajuste fiscal
O leão do imposto de renda mia feito gato com os ricos, como
atestam dados recém-divulgados pela própria Receita Federal.
Os maiores milionários a prestar contas ao fisco, um grupo de
71.440 brasileiros, ganharam em 2013 quase 200 bilhões de reais sem pagar nada
de imposto de renda de pessoa física (IRPF).
Foram recursos recebidos por eles sobretudo como lucros e dividendos
das empresas das quais são donos ou sócios, tipo de rendimento isento de
cobrança de IRPF no Brasil.
Caso a bolada fosse taxada
com a alíquota máxima de IRPF aplicada ao contracheque de qualquer assalariado,
de 27,5%, o País arrecadaria 50 bilhões de reais por ano, metade do fracassado ajuste fiscal arquitetado para 2015 pelo ministro da
Fazenda, Joaquim Levy.
Detalhe: os 27,5% são a menor alíquota máxima entre todos os 116
países que tiveram seus sistemas tributários pesquisados por uma consultoria, a
KPMG.
A renda atualmente obtida
pelos ricos sem mordidas do IRPF - 196 bilhões de reais em 2013, em números
exatos – tornou-se protegida da taxação há 20 anos. No embalo do Consenso de
Washington e do neoliberalismo do recém-empossado presidente Fernando Henrique
Cardoso, o governo aprovou em 1995 uma lei instituindo a isenção.
O paraíso fiscal foi criado
sob duas alegações.
Primeira: as empresas responsáveis por distribuir lucros e
dividendos aos donos e sócios já pagam IR como pessoa jurídica.
Segunda: com mais dinheiro no bolso, os ricos gastariam e
investiriam mais, com vantagens para toda a economia.
Argumentos com cheiro de jabuticaba, sendo que o segundo foi recentemente derrubado pelo Fundo Monetário
Internacional em um relatório sobre
o qual pouco se falou no Brasil.
Na Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico
(OCDE), organismo a reunir 34 países desenvolvidos, só a Estônia dá a isenção.
“No
Brasil, quem mais reclama são os que menos pagam impostos”, diz Marcio Pochmann,
ex-presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).
“A Receita é uma mãe para os ricos, o Ministério da Fazenda é o
Ministério social dos ricos.”
A boa vida garantida pelo
fisco aos donos e sócios de empresas ajuda a explicar algo curioso. O Brasil
tornou-se uma pátria de empresários nos últimos tempos. Possui mais gente nesta
condição (7 milhões apresentaram-se assim na declaração de IR de 2014) do que a
trabalhar como empregado do setor privado (6,5 milhões). É a famosa
terceirização, com profissionais contratados na qualidade de PJ, não via CLT.
A transformação de trabalho
em capital é um fenômeno mundial mas parece ainda mais “disseminada” e “impetuosa”
por aqui, diz o economista José Roberto Afonso, professor do Instituto
Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas e autor do estudo Imposto de Renda e
Distribuição de Renda e Riqueza no Brasil.
Para ele, é urgente
debater o assunto.
“O governo comemorava uma
redução da concentração da renda mas só considerava a de salários e a declarada
nas pesquisas censitárias”, afirma Afonso. “Se formos considerar também o
declarado ao imposto de renda, se descobre que daquelas pesquisas escapam parcela
crescente e majoritária das rendas de brasileiros de classe média e alta, que
passaram a receber como pessoa jurídica.”
O fim da isenção de IPRF
sobre lucros e dividendos, conta um ministro, era uma das medidas no bolso do
colete de Dilma Rousseff para ajudar no ajuste fiscal. O problema,
diz este ministro, é o provável boicote do Congresso contra qualquer tentativa
de taxar mais o “andar de cima”. O Palácio do Planalto não quer comprar briga
em vão.
Repleto de políticos ricos e
devedores de gratidão a empresários financiadores de suas campanhas, o
Congresso tem uma resistência histórica a corrigir as injustiças do sistema
tributário brasileiro. A Constituição de 1988 previu, por exemplo, a cobrança
de um imposto sobre grandes fortunas,
mas até hoje a nação espera pela aprovação de uma lei a tirar a taxação do
papel. FHC chegou a propor tal lei.
Mas foi como senador, antes de chegar ao Planalto.
Vez ou outra, algum
parlamentar anima-se a propor tal lei.
No início do ano, foi a vez da deputada carioca Jandira Feghali,
líder do PCdoB, com a preocupação de direcionar os recursos só para a saúde.
Com seis mandatos seguidos, ela não se ilude com a chance de aprovação de
ideias como esta ou a taxação de jatinhos e iates com IPVA, outra proposta
dela.
"Esse é um dos
Congressos mais ricos e mais influenciáveis pelo poder econômico da nossa
história”, diz.
Os dados recém-divulgados
pela Receita Federal sobre o IRPF talvez possam ajudar a contornar tal
resistência. Neste trabalho, o fisco separou os contribuintes em onze faixas de
renda, variáveis de meio salário mínimo a 160 salários mínimos mensais.
Em cada categoria, podem ser vistos o número de pessoas ao alcance
do imposto de renda da pessoa física, seu patrimônio, renda, benesses e
tributação efetiva. É a mais completa e detalhada compilação de dados já feita
pelo leão.
Em 2014, houve 26,5 milhões
de declarações de IRPF. Aquelas 71.440 pessoas com renda isenta de quase 200
bilhões de reais estão no topo da pirâmide, faixa de renda superior a 160
salários mínimos por mês. Juntas, elas detêm 22% do patrimônio e 14% da renda
nacionais.
É como se cada uma tivesse salário mensal de 341 mil reais e bens
de 17,6 milhões. Apesar da riqueza, o IRPF pago por elas em 2013 somou míseros
6,3 bilhões de reais. Ou só 5,5% da arrecadação com IRPF.
Dados deste tipo são
apresentados pelo economista francês Thomas Piketty no livro “O Capital no
Século XXI", bíblia para os interessados em saber mais sobre a
concentração de renda pelo planeta.
O Brasil ficou de fora da obra justamente porque a Receita não
tinha os dados de agora para fornecer antes.
Espera-se que os acadêmicos possam estudá-los daqui para a frente.
Um dos interessados no tema
é diretor de Estudos e Políticas Sociais do Ipea, André Calixtre.
No fim ano passado, o economista concluiu um estudo chamado Nas Fronteiras da
Desigualdade Brasileira, no qual sustentava que a distância entre ricos e pobres no País
era bem maior em termos patrimoniais do que em termos de renda. E que esse
padrão histórico havia se mantido apesar da distribuição de renda vista na
década passada.
O trabalho partia das declarações de bens entregues por candidatos
a prefeito à Justiça Eleitoral em 2102.
Em uma primeira análise
sobre os dados da Receita, Calixtre viu sua hipótese se confirmar.
Entre 2007 e 2013, diz ele, o número de declarantes de IRPF a
ganhar até cinco salários mínimos caiu de 54% para 50%, enquanto os que recebem
acima de 20 mínimos permaneceu em 8,4%.
Ao mesmo tempo, o estrato intermediário, a receber entre 5 e 20
mínimos mensais cresceu de 37,2% para 40,8%.
O rendimento tributável pela
Receita detido por cada segmento sofreu a mesma alteração no período de 2007 a
2013.
O pessoal de renda baixa morde agora uma fatia maior (de 20,9%
para 21,9%), o pelotão do meio idem (de 44,2%para 47,8%), enquanto a turma do
topo fica com um pouco menos (de 34,9% para 30,4%).
O problema, diz Calixtre, é
que em termos patrimoniais praticamente nada mudou neste período de seis anos.
As pessoas a receber até cinco salários mínimos ainda ficam com 14% do valor
dos bens declarados aos fisco, aquelas situadas entre 5 e 20 têm os mesmos 27%
e o andar de cima (mais de 20 mínimos) segue com 57%.
“Democratizamos a renda, falta democratizar a propriedade privada
no Brasil”, afirma.
*Matéria
atualizada para correção de informações.
A versão original da
reportagem informava que os 71.440 mais ricos declarantes de imposto de renda
detinham 29% do patrimônio e 22% da renda declarados. Os percentuais corretos
são 22% e 14%, respectivamente.