Saiba da bandidagem de
parte dos políticos golpistas,
aqui: Os 118 golpistas com processos na Justiça
FCO.LAMBERTO FONTES
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Novatos na crise:
jovens brasileiros enfrentam
por primeira vez uma recessão
e um impeachment
Com o fantasma do desemprego batendo à porta,
brasileiros entre 20 e 30 anos, que fazem parte da
chamada
geração milênio, estão reavaliando prioridades e
adiando sonhos
Alunos de um curso
preparatório para o vestibular em São Paulo.
foto Raquel Cunha
A primeira crise a gente
nunca esquece. E a deles está sendo dupla. Acostumados com a prosperidade
econômica da última década, jovens brasileiros nascidos no final da década de
80 ou 90 – que fazem parte da chamada geração milênio – estão enfrentando, pela
primeira vez, um cenário de forte recessão econômica em meio a uma turbulenta crise
política.
Muitos eram pequenos quando Fernando Collor saiu por impeachment em
1992, e outros só tinham ouvido seus pais falarem a respeito dessa passagem da
vida brasileira até então.
A maioria deles viveu boa parte da vida em um país com a inflação baixa, renda
e consumo em alta e a escassez de gente para preencher postos de trabalho.
Viveram a fase do pleno emprego!
Porém, diante de um cenário inverso, esses
jovens, que até então priorizavam a realização pessoal ao procurar um trabalho
e não pensavam duas vezes antes de se arriscar em novos projetos, estão
reavaliando prioridades e adiando alguns sonhos. Pior, começaram a se deparar com o fantasma do desemprego.
Fernanda Lensky resolveu ficar em casa para economizar com a escola do filho.
foto Raquel Cunha
A paulista Fernanda Lensky,
de 23 anos, faz parte do grupo que viu seus planos serem alterados pela crise
no mercado de trabalho. No ano passado, ela e o pai ficaram desempregados. Mãe
de um menino de quatro anos, ela teve que trancar a faculdade e optou por ficar
em casa para cuidar do filho e economizar nos gastos da escola do garoto, que
já não estuda em tempo integral.
O mesmo caminho tomou o estudante de história
Nickolas Valverde, de 24 anos, que após ter sido demitido de uma empresa
terceirizada teve que sair da faculdade já que a família não podia ajudar
financeiramente a pagar a mensalidade. "Meus sonhos não vão mudar,
infelizmente só vou ter que esperar um pouco mais para me transformar em um
cientista social e professor de história", explica.
Casos como o de Fernanda e Nickolas estão se tornando cada vez
mais comuns. Só no ano passado, de acordo com dados o Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE), a taxa de desocupação entre jovens entre de 18
a 24 anos chegou a 16,8% e foi a que mais cresceu entre as faixas etárias.
Segundo uma pesquisa da agência Consumoteca, nos últimos dois anos foram
exatamente esses jovens os que mais adiaram ou abandonaram planos e,
particularmente, os da classe C são os que mais sentem o efeito da crise econômica.
"O que preocupa é que teremos uma geração menos escolarizada e menos
preparada para o mercado de trabalho.
Todos esses nem-nens (que não estudam e
nem trabalham) podem encontrar uma nova dificuldade de inserção quando a crise
passar", afirma Michel Alcoforado, antropólogo e sócio fundador da
Consumoteca.
O especialista explica, no entanto, que a crise atinge os
milênios de maneira diferente. No outro extremo, entre os mais ricos e
escolarizados, a recessão afeta menos mas os assusta mais. "Eles são os mais
temerosos porque já possuem diversas obrigações, como a de pagar o aluguel,
estão sobrecarregados e temem perder o emprego", explica.
Embora esses
jovens não tenham cultivado muitas aspirações de bens de consumo como os da
geração passada, eles estão acostumados a um estilo de vida em que se gasta
muito com viagens, bons restaurantes, bares e festivais de música. "Não
querem perder esse estilo de vida e, por isso, procuram empregos que estejam à
altura dos seus padrões de vida, como o de concursado".
O mineiro Gustavo*, de 25 anos, que trabalha na área de
Tecnologia da Informação (TI), chegou à conclusão que para manter o estilo de
vida almejado por ele, sem ter uma vida profissional estressante, o caminho é
prestar um concurso público. "Gosto do que faço, mas o ambiente
corporativo está cada vez mais cruel e competitivo. Em novembro, vou dar meu
aviso prévio e focarei em estudar para o concurso", explica.
Em tempos de
vacas magras, Gustavo optou por voltar à casa dos pais para tentar diminuir os
custos e se concentrar no desafio de se tornar servidor público.
Preocupada com o desaquecimento do
mercado, Cristina Jaber, de 31 anos, decidiu deixar de lado uma empresa que
criou de mídias sociais e voltou a um emprego fixo de carteira assinada.
"A possibilidade de estar empregada e com algumas garantias para enfrentar
o cenário de crise atual foi decisiva para tomar essa escolha que não era a que
eu pretendia", explica.
A crise, no entanto, pode acabar gerando
um lado positivo: o de tornar essa geração mais madura, segundo o doutor em
comunicação Dado Schneider, que estuda há anos o comportamento das novas
gerações. "Os jovens terão que engolir mais sapos no ambiente de trabalho.
Antes, a maioria deles renunciava na primeira dificuldade ou desentendimento.
Agora que não há tantas opções terão que lidar com chefes difíceis [mesmo
contrariados]. A crise servirá para que finalmente essa geração
amadureça", argumenta. Hugo Machado, um jovem carioca de 23 anos, que no
ano passado perdeu seu primeiro emprego, ilustra essa mudança: "Eu percebi
que com a crise fiquei mais responsável, me espelho mais nos meus pais na hora
de cuidar da casa e não fico mais jogando dinheiro fora com coisas
desnecessárias. Eu saía bastante para beber, comprava muita roupa que não precisava
e gostava muito de viajar".
Schneider lamenta, no entanto, a falta de
interesse da maioria dos jovens milênios na política brasileira em um momento
tão decisivo do país. "Hoje vivemos um novo processo de impeachment, mas
essa geração não tem lembrança do Collor e nem procura saber", afirma.
Falta de representatividade política
Ainda que seja arriscado generalizar uma
geração com jovens tão diferentes, um ponto em comum defendido por muitos deles
é a falta de uma figura que possa representá-los na política.
A maioria dos
entrevistados pelo EL PAÍS para esta reportagem se diz contra o impeachment de Dilma
Rousseff, mas afirma não se sentir representado por nenhum partido.
"Eu não acredito que a solução seja
azul ou vermelha. O que a gente vive hoje é uma crise generalizada do sistema
em que ambas cores estão inseridas. Não sou a favor do Governo, mas não consigo
apoiar o impeachment e tampouco a oposição", diz Cristina Jaber que não
participou de nenhuma manifestação neste ano.
Essa pode ser, inclusive, uma das
explicações para a pouca adesão de jovens registrada nos diferentes atos
realizados neste ano, tanto contra como a favor do Governo. Segundo
levantamento do Datafolha, no primeiro protesto contra a presidenta, que contou
com 210.000 manifestantes na avenida Paulista, só 6% dos presentes tinham entre
12 e 20 anos de idade.
Nos protestos contra o impeachment de Dilma, os sinais
de engajamento dos jovens foram ainda menores. Numa manifestação contra a saída
da presidenta realizada em agosto do ano passado em São Paulo, com 37.000
pessoas, e outra em dezembro, com 55.000 participantes, os mais jovens nunca
passaram de 5%, segundo o Datafolha. Só no ato deste ano, que contou com a
presença do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a participação dessa faixa
etária foi um pouco maior, chegando a 10% dos presentes.
Se comparado com atos ocorridos em 1992,
que pediam o afastamento do ex-presidente Fernando Collor, o engajamento de
hoje parece ainda menor. Naquela época, o estudante de "cara pintada"
era o símbolo das manifestações contra Collor.
"Hoje, os estudantes não se
sentem representados por ninguém e se distanciam da política",
afirma o
antropólogo Michel Alcoforado.
* O
entrevistado preferiu não ter o seu nome publicado.