terça-feira, 23 de abril de 2013

                         22/04/2013 
Ameaças, agressões e fraudes de mineradoras são denunciadas               

Comissão faz audiência pública sobre violação de direitos humanos na exploração mineral no Estado.

A reunião aconteceu no Plenário e contou com a presença de cerca de 
100 pessoas de várias regiões do Estado ligadas a movimentos sociais -
 Foto: Guilherme Bergamini
Perseguição de lideranças, invasão de propriedades privadas e fraudes em licitações de mineradoras foram algumas das denúncias recebidas pela Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) na audiência pública realizada manhã desta segunda-feira (22/4/13). A reunião aconteceu no Plenário e contou com a presença de cerca de 100 pessoas de várias regiões do Estado ligadas a movimentos sociais, que denunciam as violações e lutam por mais transparência nos processos de licenciamento dos empreendimentos.
O presidente da comissão, deputado Durval Ângelo (PT), afirmou que a mineração, da forma como é feita no Brasil, não é só uma questão de degradação ambiental, mas também de direitos humanos. “A Vale é o símbolo dessa violência em Minas Gerais. Por onde ela passa, fica o rastro de degradação e morte”, afirmou.
O autor do requerimento para a reunião, deputado Rogério Correia (PT), ressaltou que os convidados presentes vinham de três regiões distintas e que seus problemas apresentavam, assim, peculiaridades. No Norte de Minas, de acordo com ele, o maior risco é a construção de um mineroduto, que exigiria grandes quantidades de água para transportar o minério. “Isso em um local onde a água já não é farta, uma região que já sofre com secas e estiagens”, disse.
Na Zona da Mata, o parlamentar destacou a grande presença de agricultores familiares, que estariam ameaçados pelos novos pedidos de exploração mineral. “Já temos várias mineradoras funcionando nessa região, onde já tivemos desastres ambientais como rompimento de barragem e contaminação de rios. Agora não sabemos onde e quem será atingido pelas novas áreas que serão mineradas”.
A terceira área apontada por Rogério Correia é a Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH), a mais populosa do Estado. “Há pedidos para se minerar todas as serras próximas da Capital: Moeda, Gandarela, Rola Moça”.

Convidados denunciam mineradoras

O deputado Rogério Correia foi o autor do requerimento para a reunião
O deputado Rogério Correia foi o autor do requerimento para a reunião - Foto: Guilherme Bergamini
Os convidados tiveram a oportunidade de expor suas preocupações e relatar alguns casos de violação de direitos humanos. A piscicultora Aparecida Gonçalves da Silva, por exemplo, deu seu depoimento contra as empresas Vale e Itaminas, vizinhas da sua propriedade em Ibirité (RMBH). De acordo com ela, além de toda a vegetação às margens do rio ter secado, os três poços que usava para criar peixes foram submersos e ela perdeu toda a sua produção. Ela afirma, ainda, que seu sítio está ilhado pelas mineradoras e ninguém, além dela e do seu companheiro, é autorizado a entrar. “Na Semana Santa, precisávamos de reforço no trabalho porque é uma época em que a venda de peixes aumenta muito, mas não permitiram que ninguém entrasse para nos ajudar e, por isso, não conseguimos fazer todas as entregas”, relatou.
De acordo com a piscicultora, ela chegou a ser retirada de casa à força por seguranças das empresas quando estava com uma representante do sindicato na propriedade. Aparecida disse que as mineradoras nunca dialogaram com ela e que seus relatórios de licenciamento não trazem relatos nem de presença humana nas áreas impactadas. “Subo e desço com minha mercadoria há 20 anos. Nosso trabalho tem valor, não podemos ser impedidos de fazê-lo de uma hora para outra”, disse.
Perseguição de lideranças comunitárias no Norte de Minas pela Sul Americana de Metais (SAM), empresa do grupo Votorantim que pretende explorar minério de ferro na região, foi a denúncia de Moisés Borges de Oliveira, representante do Movimento dos Atingidos por Barragens. “Querem desmobilizar a população”, disse.
Além disso, ele afirmou que terras ocupadas por povos tradicionais da margem direita do Rio São Francisco, os chamados geraizeiros, estão sendo consideradas devolutas. “Alegam que as terras não têm donos, mas elas têm. Precisamos fazer a regularização fundiária da região e cadastrar todos os que serão atingidos pela mineradora. Só depois disso, começaremos um processo de negociação, que deve ser coletivo, para a implantação da mineradora”, disse.
Também do Norte de Minas veio Adair Pereira de Almeida, que, representando a comunidade do Vale das Cancelas, em Grão Mogol, disse que há mais de duas décadas empresas passam por cima dos moradores para fazer estudos sobre o potencial mineral da região. “Eles cortam cercas, invadem propriedades e usam agentes de saúde para enganar moradores e coletar assinaturas favoráveis à mineração”, afirmou.
Adair ressaltou, ainda, que a SAM se nega a prestar informações à sociedade e que apenas repete o discurso sobre a geração de 9 mil empregos – mas não ofereceria capacitação profissional para os moradores. Ele reiterou sua preocupação com a descoberta jazidas de minério de ferro, ouro e gás natural na região. “Se for necessário minerar, a decisão não tem que ser só do governo, mas da sociedade. Todos precisam participar do licenciamento e dos lucros. Isso é fundamental para o desenvolvimento sustentável”, disse.

Movimentos sociais questionam modelo de desenvolvimento

Maria Tereza Corujo listou o que ela considera os três mitos sobre a mineração
Maria Tereza Corujo listou o que ela considera os três mitos sobre a mineração - Foto: Guilherme Bergamini
Alguns dos presentes não só levaram denúncias à ALMG, mas também questionaram o modelo de desenvolvimento. A coordenadora do Movimento pelas Serras de Minas, Maria Tereza Corujo, por exemplo, listou o que ela considera os três mitos sobre a mineração. O primeiro é que a atividade seria, conforme prevê a Constituição Federal, de utilidade pública. “Precisamos parar de repetir isso. O lucro é para a minoria e o minério nem no Brasil fica. Já as perdas para a população são definitivas. Quando se perde um manancial de água, ele nunca mais será recuperado”, afirmou.
O segundo mito, de acordo com Maria Tereza, seria o de que não há como barrar a mineração porque não existe alternativa locacional, ou seja, o minério está apenas naquele lugar e, por isso, a atividade não pode ser transferida para outra região. “Precismos contrapor esse discurso e mostrar que também não há alternativa locacional para as nascentes de água e para os biomas regionais”, disse. Como último mito, ela citou a crença de que as mineradoras levam desenvolvimento. “Os maiores índices de pobreza do Estado são em regiões com mineradoras. Itabira, por exemplo, teve mineração por 60 anos e agora está sem futuro. Nenhuma empresa quer ir para lá porque a água acabou. Que tipo de desenvolvimento é esse?”, questionou.
Para Beatriz Vignolo Silva, presidente da ONG Abrace a Serra da Moeda, o grande problema é a dependência econômica que Minas Gerais tem em relação às mineradoras. “Todos os impactos ambientais e sociais nascem dessa dependência econômica, dessa crença de que precisamos das mineradoras”, disse. Beatriz afirmou que todos os movimentos sociais presentes e todas as pessoas que se mobilizam contra as mineradoras no Estado precisam se unir se fortalecer. “A conquista dos direitos dos negros e das mulheres só se deu depois de muita luta. Será assim também com os direitos ambientais”, disse. “Não temos dúvida de que o período que se seguirá agora será marcado pela luta do povo pela retomada dos seus recursos naturais”, disse Sílvio Neto, representante do Movimento dos Sem Terra (MST). Ele lembrou que é preciso barrar a aprovação da PEC 43/13, projeto do governador do Estado atualmente em tramitação na ALMG e que pretende permitir a doação de terras devolutas para empresas privadas.
Os participantes puderam expor suas preocupações
Os participantes puderam expor suas preocupações - Foto: Guilherme Bergamini
A disputa de espaço entre as mineradoras e os agricultores familiares foi o tema tratado por Adriana Nascimento, assessora técnica da Federação dos Trabalhadores na Agricultura (Fetaemg). “De acordo com o último censo, 70% dos alimentos que chegam às mesas dos brasileiros vêm da agricultura familiar. Estamos falando de itens indispensáveis à vida. A mineração atinge não só as famílias de agricultores, mas todas as famílias do País”, disse. Eder de Oliveira Fernandes, coordenador da juventude da Federação Nacional dos Trabalhadores e Trabalhadoras da Agricultura Familiar (Fetraf), acrescentou que a juventude tem sido expulsa do campo para inchar as favelas das grandes cidades. Em um discuso exaltado, o frei Gilvander Moreira, da Comissão Pastoral da Terra (CPT), acusou a ditadura do poder econômico. “Não podemos ter discurso brando. Mineradores e governo estão fazendo uma guerra sem tamanho contra os povos de Minas Gerais. Não estamos contra um detalhe aqui, outro ali, estamos contra a mineração. O povo não é só atingido, ele é esmagado, estraçalhado”, disse.
Além dos convidados a compor a mesa, muitos dos presentes se pronunciaram. Efraim Gomes de Moura, de Congonhas (Região Central do Estado), disse que é preciso congelar a discussão do marco regulatório da mineração no Congresso Nacional e colocar o assunto em discussão com a sociedade. “Querem colocar a meta de minerar 1 milhão de toneladas de minério de ferro até 2030. Se isso passar, vão acabar com nossas águas”, disse. Já Gilson Amorim, da ONG Abrace a Serra da Moeda, disse que as ações do governo são incoerentes com seu discurso. “Durante a campanha, o governador Antonio Anastasia gritou aos quatro cantos que era contra a transposição do Rio São Francisco, e agora está liberando a transposição do Rio Paracatu”, afirmou. Denúncias de omissão do Ministério Público e de fraudes em licitações e a acusação de que policiais militares estariam trabalhando na segurança de muitas mineradoras foram outros assuntos que povoaram as colocações dos presesntes.

Representantes do Estado são cautelosos nas respostas

A representante da Feam, Andreia Almeida, disse que vai levar os questionamentos à autarquia
A representante da Feam, Andreia Almeida, disse que vai levar os questionamentos à autarquia - Foto: Guilherme Bergamini
Uma das grandes críticas dos deputados e de todos os demais presentes foi a ausência de um representante do Ministério Público na reunião. Outras instituições governamentais foram representadas, mas também não se manifestaram sobre as denúncias e questionamentos específicos apresentados pelos convidados. A representante da Fundação Estadual do Meio Ambiente (Feam), Andreia Almeida, por exemplo, disse que a instituição não trabalha diretamente com licenciamento ambiental e que vai levar os questionamentos ao presidente da autarquia, que poderá respondê-las posteriormente.
O ouvidor ambiental do Estado, Eduardo Tavares, também foi breve e defendeu que o tratamento das mineradoras seja ambientalmente correto, socialmente justo e culturalmente aceito. “São esses os pilares da democracia”, disse. Apenas o representante do Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), Carlos Antônio de Jesus, fez declarações mais incisivas. “A sociedade brasileira tem agora uma grande oportunidade, que é a discussão no Congresso Nacional de um novo marco regulatório para a mineração no País. A atual legislação é ultrapassada, de 1967”, disse. Para ele, é necessário incluir na lei a exigência de uma licença social, que signifique a concordância das comunidades locais com o empreendimento.
Se os representantes do Poder Executivo foram cautelosos, os deputados, em contrapartida, foram diretos ao dizer que acreditam que existem fraudes e violações dos direitos humanos nos empreendimentos de mineração no Estado. Paulo Guedes (PT) disse que as mineradoras do Norte de Minas são anunciadas como a redenção econômica da região, mas que todos sabem os transtornos que causarão, principalmente para os agricultores familiares. Pompílio Canavez (PT) citou o projeto de lei que tramita na Casa com o intuito de retirar a proteção ambiental dos afluentes do Rio Cipó. “Isso significaria dizer que ali pode ter mineração. É condenar o Rio Cipó, o Rio das Velhas e até o Rio São Francisco”, disse. Já Almir Paraca (PT) disse que essas questões também serão discutidas na recém-formada Comissão Especial das Águas, da qual o parlamentar é presidente, e que eles estarão abertos para recolher denúncias, sugestões e propostas de todos os cidadãos.
O deputado federal Padre João (PT-MG) também esteve presente e disse que observa uma inversão de valores desrespeitosa com os seres humanas na mineração. “Por isso o novo código mineral é urgente, para que a grande riqueza, que é da União e, portanto, do povo, tenha efeito positivo na vida de todos”, disse. Para o parlamentar, a derrubada, na semana passada no Congresso Nacional, da emenda que falava sobre o financiamento público de campanha foi uma derrota, já que, da forma como o sistema funciona hoje, os políticos estariam nas mãos de mineradoras e siderúrgicas que pagam suas campanhas. “Por isso a presença de todos aqui hoje é importante. Precisamos furar esse bloqueio”, disse.

Desdobramentos da audiência pública

Ao fim da reunião, o deputado Rogério Correia leu os requerimentos gerados pelo encontro e que serão votados em outra oportunidade na comissão. O primeiro deles é para que as notas taquigráficas da audiência sejam encaminhadas às autoridades dos Ministérios Públicos Federal e Estadual, do Conselho Nacional do Ministério Público, do Ibama, da Defensoria Pública da União em Belo Horizonte, do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e da Subsecretaria de Estado de Agricultura Familiar. O segundo é para que sejam encaminhados ao comandante-geral e ao corregedor-geral da Polícia Militar documentos, como boletins de ocorrência, que denunciam a conduta irregular de policiais nas áreas de mineração.
À Secretaria de Estado de Meio Ambiente, será enviado ofício para pedir a averiguação de irregularidades na concessão de licença para o projeto Minas-Rio, em Conceição do Mato Dentro (Regão Central do Estado). Outros dois requerimentossão para que a comissão visite o coordenador do Departamento de Defesa do Meio Ambiente e do Patrimônio Cultural do Ministério Público de Minas Gerais e o procurador-geral de Justiça do Estado, para falar sobre as denúncias apresentadas. A comissão também votará um requerimento para enviar ofício ao presidente do Conselho Estadual de Defesa dos Direitos Humanos, para que seja criada uma comissão para apurar as denúncias contra as mineradoras. Rogério Correia também se comprometeu a tentar conseguir as assinaturas necessárias para a implantação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) sobre as mineradoras.