quinta-feira, 13 de junho de 2013

NÃO ESTÁ SOBRANDO ALGUÉM...

Publicado em 10/06/2013 
Clésio Andrade é acusado de desviar recursos sindicais
CGU afirma que Clesio entregou mais de R$ 100 milhões, nos últimos anos, a uma empresa 
e a um instituto que mantêm laços com ele próprio

Quando está em Brasília, o senador Clésio Andrade (PMDB-MG) divide seu tempo entre duas atividades. Ele é parlamentar e presidente de um sindicato empresarial, a Confederação Nacional dos Transportes (CNT). Clésio se tornou senador em 2011, sem ter um único voto. Eleito como suplente, assumiu o mandato devido à morte do titular, Eliseu Resende.
Na CNT, Clésio é autoridade máxima. Há 20 anos ele ocupa a presidência da entidade ininterruptamente. Se, no Senado, comanda um gabinete com 25 pessoas e uma verba anual de R$ 720 mil, Clésio lida com valores maiores na vida de dirigente de classe. Só em 2012, o orçamento tocado por ele na CNT foi de R$ 600 milhões, vindos das contribuições de empresas do setor.
A Controladoria-Geral da União (CGU), órgão da Presidência da República, investigou a gestão de Clésio como presidente do sistema que engloba a CNT e duas outras entidades a ela ligadas, o Serviço Social do Transporte (Sest) e o Serviço Nacional de Aprendizagem do Transporte (Senat) e afirma ter identificado irregularidades.
Os auditores acusam Clésio de, nos últimos anos, ter entregado mais de R$ 100 milhões a uma empresa e a um instituto que mantêm laços com ele próprio. Por isso, a CGU classificou como “irregular” a gestão de Clésio à frente do Sest e do Senat em 2011. O relatório da CGU, a que ÉPOCA teve acesso em primeira mão, está nas mãos do Tribunal de Contas da União, que ainda não o apreciou.
A empresa que aparece no relatório da CGU é a construtora Diedro, de Belo Horizonte. Entre 2008 e 2010, a Diedro ganhou oito dos 12 contratos para construir de unidades do Sest e do Senat. Com isso, faturou R$ 82 milhões. A Diedro ficou com 91% dos recursos destinados pelo Sest e pelo Senat a obras em todo o país.
 A CGU suspeita de irregularidades nas concorrências. Apesar de as licitações se realizarem em diferentes Estados (entre eles Ceará e Bahia), construtoras de Belo Horizonte  sempre participavam e sempre perdiam para a Diedro. Uma das concorrentes, a J. Câmpara, só costumava atuar no ramo de instalações de rede de água e esgoto. Ainda assim, se aventurou em licitações do Sest e do Senat.
A CGU suspeita que as empresas mineiras simulavam concorrência para a Diedro. “Não houve proponente das localidades ou dos Estados onde ocorreram as obras, a despeito de lá existirem centenas, ou mesmo, milhares de empresas construtoras”, diz o texto dos auditores da CGU.
Segundo o mesmo relatório, não houve “ampla publicidade” a respeito das licitações, para estimular o aparecimento de concorrentes, e os valores da proposta da Diedro batem, de forma suspeita, com o orçamento feito pela CNT. Os auditores ainda disseram que encontraram superfaturamento de R$ 8,2 milhões nas obras da Diedro.
A CGU também identificou vínculos comerciais do senador Clésio com Bruno Bedinelli Filho, dono da Diedro. Bedinelli vendeu a Clésio, em 2009, uma fazenda no interior de Minas Gerais por R$ 12 milhões. No mesmo ano, Sest e Senat promoviam licitações em que a Diedro, de Bedinelli, participava e ganhava.
Isso, para a CGU, caracteriza “interesse econômico entre os envolvidos (Clésio e Bedinelli)”. Procurado por ÉPOCA, Clésio afirmou não ver problemas em ter tido relações comerciais com Bedinelli. “Uma coisa é a CNT, e outra são os negócios das minhas empresas”, diz. “Não tem nada a ver uma coisa com a outra.”
Clésio diz conhecer Bedinelli por causa das obras que a Diedro tocou com o dinheiro da CNT. “Até onde sei, a Diedro está em má situação financeira”, afirma. Clésio não informou quando concluiu a compra da fazenda. Bedinelli não quis falar sobre o assunto, apesar dos reiterados pedidos de entrevista feitos por ÉPOCA.
A segunda parte das irregularidades apontadas pela CGU envolve o repasse de R$ 26 milhões do Sest e do Senat ao Instituto Assistencial do Transporte- Rhodes entre 2004 e 2011. Causou estranheza à CGU o fato de o presidente do Instituto Rhodes ser o mesmo do conselho do Sest e do Senat,ele mesmo, Clésio Andrade.
 Do total do dinheiro amealhado pelo Rhodes, quase R$ 22 milhões desapareceram, de acordo com os auditores. O Rhodes, diz o relatório, não prestou contas dos valores recebidos. “Não obstante a ausência de prestação de contas julga-se oportuno informar que o TCU tem considerado desrespeito aos princípios da impessoalidade e da moralidade o fato de o dirigente de uma entidade de serviços sociais autônomos ser também o dirigente de entidade beneficiária do recurso repassado”, diz um dos trechos do relatório.
Sobre o caso do Rhodes, uma nota emitida pela assessoria de Clésio afirma que o relatório da CGU é “inconsistente”. “Até os valores descontados dos trabalhadores (descontos em folha) e meramente repassados pelo Sest/Senat foram considerados pagamentos efetivos do Sest/Senat”, diz o texto.
Não haveria, de acordo com assessores de Clésio, necessidade de prestar contas de valores descontados do salário e repassados automaticamente ao Rhodes, uma espécie de fundo previdenciário. Na mesma nota, Clésio afirma que, embora presidente dos conselhos do Sest e do Senat, não fazia parte da diretoria executiva, responsável pela gestão das duas entidades.
Nos longínquos anos de 2003 e 2004, a CNT, presidida por Clésio,  protagonizou uma operação considerada suspeita pelo Ministério Público (MP) de Minas Gerais. De acordo com o MP, uma assessora de Clésio comandou um esquema em que R$ 31 milhões foram sacados pela CNT na boca do caixa de diversas agências bancárias.
Esses valores faziam parte de um montante de R$ 46 milhões, destinados pelo Sest e pelo Senat a duas entidades: o Instituto de Desenvolvimento, Assistência Técnica e Qualidade em Transporte (Idaq) e o Instituto João Alfredo Andrade (Ijaa). Os promotores afirmam que, a exemplo do que ocorreu com o Instituto Rhodes, não houve prestação de contas.
Parte dos saques, cerca de R$ 7 milhões, foi feita na mesma agência do Banco Rural em Brasília, onde parlamentares da base aliada do governo Lula fizeram os saques do esquema do mensalão, comandado, de acordo com o Supremo Tribunal Federal, pelo ex-ministro José Dirceu e operado pelo petista Delúbio Soares e pelo lobista Marcos Valério.
Valério é velho conhecido de Clésio. Os dois se conheceram, segundo o próprio Clésio, numa caminhada na orla da Lagoa da Pampulha, em Belo Horizonte. A partir dessas conversas, Clésio tornou-se sócio de Valério na agência SMP&B. Hoje são companheiros de agruras. Valério foi condenado a mais de 40 anos de prisão por sua atuação no mensalão.
Clésio é réu na ação penal 606, conhecida como “mensalão mineiro”. Ele é acusado de ter participado de um esquema de desvio e lavagem de dinheiro do governo de Minas Gerais para o financiamento da campanha eleitoral de reeleição de Eduardo Azeredo (PSDB), em 1998.
Clésio era seu candidato a vice, pelo antigo PFL. Sobre essa acusação, a assessoria de Clésio afirma que “uma investigação da Polícia Federal concluiu pela exclusão do nome de Clésio Andrade do processo por não encontrar nenhum indício de sua participação direta ou indireta nos fatos”.
 Afirma também que Clésio não era mais sócio de Valério no período em que, segundo a acusação, ocorreu o “mensalão mineiro”. Nos dois casos, não há nenhuma condenação contra Clésio. Espera-se a palavra final da Justiça e a apreciação do Tribunal de Contas da União sobre o trabalho da CGU. 
Informações Revista Época