Publicado em 30/09/2013
O mensalão
do PSDB-MG
é lindo
Num país onde os três poderes devem conviver
em harmonia,
gostaríamos que o STF fosse dotado de forças
especiais?
Por Paulo Moreira Leite
O mensalão do
PSDB-MG é mesmo um caso especial. Criado em 1998 para ajudar a campanha
de Eduardo Azeredo ao governo de Minas, até hoje o julgamento não
ocorreu.
A primeira e única
condenação acaba de sair. Atingiu um banqueiro do Rural, condenado a 9 anos.
Mas a lei lhe confere o direito de pedir recurso, o que quer dizer que tem 50%
de chances matemáticas de provar sua inocência em segunda instância. Ninguém
ficou indignado com isso, nem achou que seria uma ameaça às instituições ou um
estímulo a criminalidade.
Tudo em paz, ao
contrário do que ocorreu com os petistas, que não têm direito a apresentar um
recurso pleno, equivalente a um segundo julgamento. Mesmo assim, fez-se um
escândalo contra os embargos infringentes.
Leio hoje um
artigo que classifica a decisão sobre os embargos como um “segundo roubo.” Um
historiador diz nos jornais, hoje, que os embargos infringentes ameaçam
transformar o STF numa instituição igual ao Legislativo e ao Executivo.
A pergunta é saber
se, num país onde os três poderes devem conviver em harmonia, gostaríamos que o
STF fosse dotado de forças especiais, um anacrônico Poder Moderador, no estilo
de Pedro I durante no império, ou das Forças Armadas em tantas ditaduras, que
se consideravam auto destinadas a resolver impasses políticos às costas do
eleitorado.
Respeito o direito
de todos a opinião, mas acho que estamos a caminho de formar uma escola de
cinismo à brasileira.
Isso acontece
quando se impõem tratamentos diferentes para situações iguais. Os dois lados
sabem que estão diante de uma mentira, na qual fingem acreditar. Um lado,
porque lhe convém. O outro, porque não tem força para assegurar que a falsidade
seja desmascarada.
Os réus do
mensalão PSDB-MG tiveram direito ao desmembramento, que não foi oferecido aos
petistas. Só isso seria suficiente para definir um abismo – mas não é só. Sua
apuração é tão vagarosa que acaba de ser anunciado, oficialmente, que o caso deve
ser julgado em 2015. Então fica combinado: um crime quatro anos mais velho será
julgado três anos mais tarde.
Enquanto os réus
do STF já poderão estar atrás das grades, como querem nossos indignados de
plantão, os mineiros estarão ouvindo depoimento, fazendo sua defesa – e
ganhando tempo para prescrições.
Ninguém conhece
muitos detalhes do mensalão PSDB-MG por um bom punhado de razões. Uma boa
apuração levaria a nomes e pessoas que ninguém tem interesse de colocar sob os
holofotes. Quem? Homens de confiança do PSDB instalados no Banco do Brasil.
Quem mais? Figurões do PSDB em atividade política, tanto os responsáveis por
nomeações no Banco do Brasil como os beneficiários do dinheiro recebido.
Lucas Figueiredo
diz, no livro O Operador, que a conta do mensalão PSDB-MG foi de R$ 40 milhões.
Pergunto: além de
Eduardo Azeredo, derrotado em 1998, quem mais foi ouvido a respeito, como
aconteceu com Lula?
A fábula do
mensalão petista diz que o dinheiro para “comprar deputados” saiu da empresa
Visanet e, de lá, foi desviado para Delúbio Soares e Marcos Valério. É assim
que se procura provar a tese – falsa, na minha opinião – de que houve desvio de
dinheiro público.
Como é inevitável
numa fábula, havia um vilão necessário no centro desta operação, Henrique
Pizzolato, petista histórico, diretor do Banco do Brasil. Ele foi condenado
como responsável pelos pagamentos. Mas essa visão só pode ser sustentada quando
se deixa o mensalão PSDB-MG de lado.
Pizzolato nunca
foi o principal responsável pelos pagamentos as agências de Valério. Sequer
tomou, solitariamente, qualquer decisão que poderia beneficiar a DNA. Nem
estava autorizado a isso. Uma auditoria interna demonstrou que outro diretor,
chamado Leo Batista, sem qualquer ligação com o PT, é que tinha a responsabilidade
legal de fazer os pagamentos. Se era o caso de acusar alguém sozinho, teria de
ser ele. Se era para acusar meia dúzia, deveria estar no meio. Nem era preciso
invocar a teoria do domínio do fato. Seu nome está lá, nos papéis oficiais, com
atribuições e assinaturas correspondentes. Mas não se fez uma coisa nem outra.
O problema é que
Leo Batista e os colegas de diretoria eram, todos, remanescentes do governo
anterior, de Fernando Henrique Cardoso, quando o PSDB nomeava cargos de
confiança no Banco do Brasil. Esse fato foi descoberto por uma auditoria feita
pelo banco, logo depois que o escândalo estourou.
Os diretores foram
ouvidos e investigados. Mas, curiosamente, o inquérito que apura suas
responsabilidades foi mantido em segredo. Sequer foi levado em tempo hábil ao
conhecimento dos advogados de Pizzolato, embora pudesse ter sido útil para sua
defesa. O próprio Pizzolato só tomou conhecimento da existência do inquérito
secreto quando o julgamento estava em curso, em condições extremamente desfavoráveis.
Claro que você tem
todo direito de perguntar o que esses diretores faziam por ali, naqueles anos
todos. Abasteciam as agências de Marcos Valério com recursos do Visanet para
ajudar a pagar as contas da campanha de 1998 do PSDB. Está lá, na CPMI dos
Correios, para quem o esquema tucano levantou R$ 200 milhões.
Imagine,
então, o que teria acontecido se todos os réus, acusados do mesmo crime,
tivessem sido julgados no mesmo tribunal, com base numa mesma denúncia. O STF
seria obrigado a condenar petistas e tucanos pela mesma melodia, decisão que
teria coerência com os fatos e provas reconhecidas pelos ministros – mas teria
o inconveniente de esvaziar qualquer esforço para criminalizar o PT e o governo
Lula.
Em vez de fazer
piadinhas e comentários altamente politizados sobre o “maior escândalo de
corrupção da história”, nossos ministros teriam de dizer a mesma coisa sobre os
tucanos.
Imagine se
Marcos Valério resolvesse colaborar e tentar uma delação premiada para alcançar
o PSDB? Quais histórias poderia contar após tantos anos de convívio? Quais
casos poderia relatar?
Do ponto de
vista da investigação policial, o mensalão mineiro seria pura delícia. É que
coube ao candidato vitorioso na campanha mineira de 1998, Itamar Franco,
receber boa parte dos pagamentos devidos a DNA. Itamar morreu sem falar
publicamente sobre o assunto. Mas seu governo nada tinha a ver com o esquema.
Eu já ouvi de um secretario de Itamar um relato consistente sobre tentativas de
convencer Itamar, rompido com o PSDB, a honrar compromissos deixados pelos
tucanos. Imagine se ele fosse ouvido. Seria um depoimento melhor que o de
Roberto Jefferson, podem acreditar.
Mas vamos seguindo
a história para chegar ao final. Com início diferente e tratamento diferente, o
mensalão PSDB-MG irá terminar, certamente, com outro final. As penas duríssimas
da ação penal 470 dificilmente irão se repetir. Varias razões contribuem para
isso. Se hoje um número crescente de advogados de primeira linha já questiona
as condenações, imagine o que irá ocorrer com o passar do tempo. O saldo
político dos embargos infringentes não é favorável a novos linchamentos
exemplares.
Quem conhece as
relações entre os meios de comunicação de Minas Gerais e o governo de Estado,
butim da campanha de 1998, sabe que não se pode esperar nada igual ao que se
viu durante o julgamento da ação penal 470.
No julgamento dos
petistas, os meios de comunicação assumiram a dianteira da denúncia e colocaram
o STF atrás. Preste atenção: em certa medida, não foi o Supremo que assumiu o
protagonismo neste episódio. Isso é o que dizem os jornais e a TV. Na verdade,
foram eles, os meios de comunicação, que assumiram um papel central em todo o
processo, levando o STF atrás de si.
Os jornalistas
nunca tiveram dúvida sobre a culpa dos réus e, do ponto de vista legal, nem
seriam obrigados a tê-las, já que não são juízes. Com base no veredicto de seus
“repórteres investigativos” jornais e revistas cobraram punições exemplares.
Quando ficou claro que não havia provas objetivas, deram sustentação a teoria
do domínio do fato. Empurrou o tribunal no caminho de condenações pesadas sob
ameaça de acusar todo mundo de fazer pizza. O STF veio atrás, como o presidente
Ayres Britto deixou claro ao prefaciar o livro de um jornalista que simbolizou
essa postura duríssima dos meios de comunicação.
É curioso notar
que apenas no julgamento dos embargos infringentes a Corte demonstrou uma
postura diversa daquela assumida pelos meios de comunicação. Em mais de 60
sessões, foi a primeira decisão divergente.
Tanto a pancadaria a que foi
submetido Celso de Mello, como o esforço de outros ministros para dizer que não
se fez nada demais são duas faces de uma mesma moeda. É um aperitivo para o que
deve ocorrer caso os embargos possam beneficiar os réus.
Imagine se
teremos a mesma indignação no mensalão PSDB-MG.
Meus leitores
sabem que estou convencido de que as principais denúncias do mensalão não foram
provadas nem demonstradas. Advogados de cultura jurídica muito maior, como
Celso Antônio Bandeira de Mello, Ives Gandra Martins, para citar pólos
ideologicamente opostos do Direito brasileiro, pensam da mesma forma.
Tenho a mesma
visão sobre o mensalão PSDB-MG. Temos verbas de campanhas, que se constituem
crime de caixa 2, mas condenações menores.
Eu acredito que o
interesse político em criminalizar Lula e o PT permitiram uma condenação sem
provas. Mas será possível fazer a mesma coisa quando esse interesse político
não existir?
É claro que não. E
é por isso que o mensalão PSDB-MG deve ficar para longe, bem longe.

