Publicado em 30/10/2013
DE GRANDIS
E A PEC 37
Procurador
da República Rodrigo De Grandis, o esquecido!
Editorial
Por Paulo Moreira Leite
A descoberta de que o inquérito sobre a Alstom foi
parcialmente interrompido, na Suíça, porque o procurador Rodrigo de Grandis não
atendeu a uma solicitação das autoridades daquele país é um fato que merece um
minuto de reflexão.
A explicação de Grandis é bisonha.
Ele não teria dado sequencia ao pedido das autoridades suíças, feito em
fevereiro de 2011, porque a solicitação ficou guardada na gaveta errada – e
nunca mais pensou no assunto.
Há, é claro, uma suspeita de
prevaricação no caso.
Código Penal – Prevaricação (art.
319): Retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou
praticá-lo contra disposição expressa de lei, para satisfazer interesse ou
sentimento pessoal:
Pena – detenção, de três meses a um
ano, e multa.
Lei 8429/92 – Art. 11: Constitui ato
de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração
pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade,
imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e notadamente:
(…) II – retardar ou deixar de
praticar, indevidamente, ato de ofício;
Há três meses, em 25 de junho, o
Congresso rejeitou, sob uma pressão que seria mais conveniente definir como
chantagem, a PEC 37, que pretendia garantir aos delegados de polícia a
exclusividade sobre a condução de um inquérito policial. A votação foi um
massacre: 430 a 9.
O monopólio dos delegados sobre uma
investigação tampouco era uma boa ideia, quando se recorda o histórico de
nossas corporações policiais. Mas a PEC 37 ajudava a fazer um debate necessário
e poderia permitir correções úteis.
Nos bastidores de Brasília,
policiais, procuradores e representantes do ministério da Justiça tentavam
chegar a um acordo, a partir da PEC, para assegurar os direitos da polícia sobre
a investigação sem deixar de atender os principais pleitos do Ministério
Público. Pensava-se em criar uma nova divisão do trabalho de apuração, mais
inteligente e produtiva.
Mas, com o apoio dos meios de
comunicação, que passaram a tratar a rejeição à PEC 37 como se fosse uma
reivindicação tão popular como a redução da passagem de ônibus, o Ministério
Público garantiu a votação em bloco, sem qualquer concessão à outra
parte.
Confusos, e mesmo acovardados, vários
parlamentares preferiam omitir-se e votar errado para não ser criticados pelos
jornais nos dias seguintes.
Naquele momento, o procurador geral
da República, Roberto Gurgel, travava uma luta de morte para fazer o sucessor.
Seu prestígio atingia o ponto máximo em função do julgamento da ação penal 470.
A denúncia ainda não havia sofrido a
primeira (e até agora única) derrota, representada pela aceitação dos embargos
infringentes para 12 condenados.
Acreditava-se em junho que qualquer
arranhão na imagem do Ministério Público poderia chamar a atenção para
incongruências e falhas do julgamento. Foi essa a motivação que impediu uma
discussão civilizada, com argumentos ponderados.
Três meses depois, comprova-se uma
verdade fácil de reconhecer, mas que não era conveniente admitir.
Enquanto os manifestantes acreditavam
estar berrando contra a impunidade em Brasília, o pedido das autoridades suíças
era esquecido na gaveta de De Grandis em São Paulo.
Ergueu-se, ao longo de vários anos,
um muro de aço contra a apuração de um dos mais prolongados escândalos de
corrupção da história política brasileira, formado por 45 inquéritos arquivados
sem o devido esclarecimento (sim, 45!).
Ninguém ficaria sabendo o que estava
acontecendo se não fosse o trabalho competente corajoso de meus colegas da
IstoÉ Alan Rodrigues, Pedro Marcondes e Sérgio Pardellas sobre o propinoduto,
capazes de produzir reportagens à altura dos fatos descobertos.
Não há instituição a salvo de
pressões políticas nem de iniciativas estranhas a sua missão legal. Erros ocorrem.
Desvios, também. E coisas piores, você sabe.
Se você acha que fez papel de bobo
porque acreditou no slogan “PEC 37= impunidade”, não precisa ficar muito
deprimido. Só um pouco.
Muita gente está se sentindo da mesma
maneira.